A investigação sobre o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, suspeito de participar de um esquema de contrabando de madeira, abriu uma brecha perigosa no sistema de contenção de crises do governo. Com a Operação Akuanduba, que enquadrou Salles e dez de seus comandados, a Polícia Federal mostrou que está longe de ser controlada pelo Palácio do Planalto e que é uma força independente e perturbadora dos interesses do presidente Jair Bolsonaro. Diante desse quadro perigoso, o governo reagiu para tentar proteger seus aliados e conter a PF. O diretor-geral do órgão, Paulo Gustavo Maiurino, nomeado por Bolsonaro e também foi surpreendido pela deflagração da operação, decidiu tirar a autonomia dos delegados em casos de suspeitos com foro, como são os ministros de Estado. Em um documento enviado para o Supremo Tribunal Federal (STF) ele propõe uma reestruturação interna da PF. Membros da polícia viram a iniciativa como uma tentativa de retaliação contra a investigação que atinge Salles e contra o pedido de abertura de inquérito para apurar supostos crimes do ministro do STF Dias Toffoli, citado em uma delação premiada feita pelo ex-governador do Rio Sérgio Cabral. Maiurino se sentiu melindrado porque os pedidos de investigação não passaram pelas suas mãos.

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SUSPEITO Há fortes indícios de que Salles está envolvido com esquema criminoso de exportação de madeira (Crédito:DIDA SAMPAIO)

Mas o contra-ataque do governo não para por aí. Em outra frente, o procurador-geral da República, Augusto Aras, tenta criar entraves nas investigações da PF, exigindo que todo juiz sempre escute o Ministério Publico Federal (MPF) antes de tomar decisões sobre pedidos de prisão provisória, interceptação telefônica, quebra de sigilo fiscal, bancário e telefônico e busca e apreensão. É mais uma clara reação à Operação Akuanduba. Embora Moraes tenha determinado que fosse dada imediata ciência da ação à Procuradoria-Geral da República, Aras considerou que o fato de não ter sido instado a se manifestar previamente “em princípio, pode violar o sistema constitucional acusatório”. Outra medida de Aras foi tentar afastar o ministro Alexandre de Moraes, do STF, da investigação de contrabando de madeira.

RETALIAÇÃO Paulo Maiurino quer tirar a autonomia de delegados para investigar suspeitos com foro privilegiado (Crédito: Lucas Lacaz Ruiz)

O procurador-geral defende que o inquérito da Operação Akuanduba seja redistribuído, por sorteio, para outro ministro. Ou seja, encaminhado para a ministra Carmem Lúcia, que já investiga a denúncia do ex-superintendente da PF no Amazonas, delegado Alexandre Saraiva, que acusa Salles de obstruir investigações ambientais. A postura do governo Bolsonaro é de tentar amordaçar a polícia e a Justiça para evitar que seus filhos e aliados sejam investigados e presos. Mas, a cada dia que passa, o presidente percebe que não conseguirá conquistar o tipo de controle que deseja sobre a PF e tenta criar mecanismos artificiais para abortar investigações.

MANOBRA Aras tenta afastar o ministro Alexandre de Moraes da investigação de contrabando (Crédito:GABRIELA BILO)

Ministro acuado

Seja como for, Salles demonstra estar acuado. Na quarta-feira, 26, ele faltou a uma reunião do Conselho da Amazônia Legal, no Palácio do Itamaraty, e não enviou representante. A atitude mereceu críticas do vice-presidente, general Hamilton Mourão (PRTB), que a considerou uma “falta de educação”. “Lamento profundamente a ausência do ministério mais importante”. Para a PF, há fortes indícios que incriminam o ministro. A investigação de contrabando compromete seriamente também o presidente do Ibama, Eduardo Bim. Contra Salles, a policia vê pistas de participação no esquema e identificou movimentações financeiras indevidas no escritório de advocacia da qual Salles é sócio. Um relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeira (Coaf) indica que o escritório fez uma operação de R$ 1,78 milhão depois que o ministro assumiu a pasta, entre outubro de 2019 e abril de 2020. Para a PF, “suspeita-se da incompatibilidade entre o volume transacionado a crédito e o faturamento médio mensal do cadastro”. Salles nega as movimentações. Em relação a Bim, já não existe qualquer dúvida de que ele cometeu o crime de facilitação de contrabando e de advocacia administrativa. Também se investiga se ele participou de atos de corrupção passiva e prevaricação. O governo pode espernear e tentar se desviar das suspeitas de corrupção que pesam contra seus membros. Mas seus esforços podem se mostrar totalmente inúteis.