O governo não cumpriu a sua promessa de fazer um choque liberal e perdeu o timing político pós-eleições para imprimir reformas. Paralisou e reiniciou bons projetos que já estavam em curso na gestão anterior e fez uma aposta única na Reforma da Previdência, que não pode trazer sozinha a volta do desenvolvimento. Essa é a opinião da economista e advogada Elena Landau, que foi diretora de privatizações do BNDES e presidente do Conselho de Administração da Eletrobras. Para ela, o presidente Jair Bolsonaro afasta investidores e cria insegurança jurídica ao intervir em órgãos de controle e agências reguladoras. Isso explica, em parte, as expectativas frustradas de uma virada na economia e o pequeno crescimento do PIB. Com a autoridade de quem comandou o plano de venda de estatais no governo FHC, ela diz que o ministro Paulo Guedes decepcionou com sua agenda de privatizações. Afirma que não há razão para empresas como Valec e EBC não serem vendidas. Landau está à frente do Livres, movimento liberal suprapartidário focado em políticas públicas e projetos de impacto social. Mesmo com um eventual fracasso do governo Bolsonaro, ela se diz otimista e acredita que o conceito de equilíbrio fiscal foi incorporado pela população.

Qual a sua avaliação das privatizações anunciadas pelo governo Bolsonaro até o momento?

Acho muito frustrante. O programa econômico anunciado pelo ministro Paulo Guedes na campanha eleitoral avalizou uma candidatura completamente desconhecida, arriscada. Muita gente queria votar anti-PT, mudar os rumos da economia, e confiou nessa assessoria do Paulo Guedes para Bolsonaro. Na época, foi dito que o governo iria arrecadar R$ 1 trilhão com a venda de estatais federais. Outro R$ 1 trilhão viria da alienação dos imóveis e também haveria um pouco de concessões. Era um valor que resolveria todos os problemas do Brasil. Quando o governo começa, não se anuncia praticamente nada em relação a um grande pacote de política econômica. O foco é exclusivamente a Reforma da Previdência. A frustração já começa quando se observa que a privatização vai estar concentrada na desmobilização de ativos. O que eles chamam de privatização é uma venda de subsidiárias. Na realidade, você tem uma desalavancagem das estatais endividadas durantes os governos do PT.

Está falando basicamente da Petrobras…

Sim, um pouco também do Banco do Brasil, da CEF. E essa política teve início no governo Michel Temer, quando a Petrobras começou a vender algumas sociedades de propósito específico (SPEs) e subsidiárias. A mais importante, a TAG [distribuidora de gás], teve sua venda decidida no governo Temer. É uma política que já vinha em andamento. Acho muito bom ter continuidade o que está dando certo. Mas aquele impacto esperado sobre privatizações não ocorreu. Em nenhum momento veio o anúncio de alguma grande estatal a ser vendida.

E a Eletrobras?

A sua privatização já estava decidida. Anunciam a venda de oito empresas [em 22 de agosto] com impacto fiscal quase nenhum, e deixam de fora do programa de privatizações empresas óbvias como a Valec, a EBC e a EPL. São coisas simples, não há nenhum problema político. É pouco o que foi anunciado até agora, perto do que já foi feito de privatizações no Brasil e do que foi prometido. Para quem prometia um corte radical, liberalismo e reforma do Estado, foi muito tímido. É na verdade um programa de desinvestimentos.

E o formato das privatizações?

Outra discussão é em relação à capitalização [venda de participação acionária]. É o que a Petrobras fez com a BR, aquilo que desejam para a Eletrobras. De novo, não fecha com o que foi prometido em campanha, de que a venda das estatais ia de alguma forma ajudar na discussão fiscal. Quando você faz a capitalização, o dinheiro não chega no Tesouro. Deve-se debater se a capitalização é um modelo que veio para ficar ou se ela precisa ser discutida caso a caso. Havia na campanha uma argumentação de que todas as dívidas seriam quitadas com privatização. Mas esse modelo [capitalização] não resolve o problema da dívida, que também envolve os gastos correntes. A Reforma da Previdência vai ajudar, mas vai levar um tempo ainda para resolver o problema do ajuste fiscal.

O cenário exterior é mais desafiador, com ameaça de recessão. Isso vai dificultar as privatizações?

É muito relativo. Porque, por outro lado, os investidores podem procurar ativos que tragam retorno. O retorno está negativo em diversos países. Acho que o Brasil vai ter mais dificuldade em atrair capital por causa da insegurança jurídica. O País tem histórico de decisões que são questionadas no Judiciário. Há governadores que desejam desfazer o que o antecessor fez, como acontece em Goiás.

Há insegurança?

Se o presidente interfere nos órgãos de fiscalização e nas agências reguladoras, quem afirma que amanhã ele não vai intervir em um contrato de concessão? Há um ambiente de muita instabilidade. Os ativos brasileiros são de qualidade, mas o cenário é muito inseguro. Há um lado positivo nesse governo. O ministro Tarcísio Gomes de Freitas [Infraestrutura] tenta resolver as questões de concessão. Mesmo assim, são ações de longo prazo, nada que vá causar impacto imediato de crescimento.

O próprio Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) também não está muito tímido?

Houve um impacto muito grande no início do governo atual. O ministro Tarcísio, que veio do governo Temer, deu continuidade ao que já estava no pipeline para sair. Concessões são de longo prazo mesmo. Projetos precisam ser selecionados, o TCU precisa aprovar. Veja a questão atual do leilão de Cessão Onerosa. Existe uma hipertrofia dos órgãos reguladores. Tudo é lento. O importante é que existe um rumo. No PPI, há um cronograma, uma lista de concessões em discussão e a questão da insegurança jurídica está sendo enfrentada.

E o decreto das relicitações, assinado em agosto?

Foi um pouco frustrante. Esperava-se que já trouxesse uma definição das regras. Não saiu o mais importante, que é a forma de calcular a reversibilidade e as indenizações. A sensação é que as coisas estão acontecendo no varejo. Esse é o grande problema. Essa ideia de começar tudo de novo, do “nunca antes nesse País”, de que nos últimos 30 anos não tivemos nada de bom. Isso interrompeu uma trajetória boa que vinha do governo Temer. Ele tinha uma equipe econômica ótima, e parte dela ainda está aí. A Reforma da Previdência foi recomeçada do zero. A Reforma Tributária está andando, mas sempre vem a ameaça da capitalização [na Previdência] para atrapalhar. A reforma do funcionalismo e a reforma do Estado não acontecem. A abertura comercial não aparece. Isso deixa os empresários desnorteados.

Essa agenda do governo, ou a falta dela, explica o pequeno crescimento do PIB?

Em parte sim. Tivemos choques externos, como a crise argentina ou a tragédia de Brumadinho, mas acho que a paralisia em torno da Reforma da Previdência fez muita gente adiar investimentos. Começamos o ano com previsão de crescimento de 2,5%, e hoje esta cifra está entre 0,8% e 1%. Exatamente num governo que todo mundo achava que ia decolar. Existia a promessa de uma grande virada na economia, que não veio. Estamos vendo uma pequena recuperação no emprego e na indústria, mas nada próximo do que se esperava no início do ano.

As polêmicas atrapalham?

Atualmente, tem a questão ambiental, da intervenção em instituições como a Receita Federal. Há a ideia de que todo mundo deve estar subordinado ao presidente. Isso assusta o empresário. Não se atrai investimentos sem uma institucionalidade, sem a garantia de que os contratos serão respeitados. Isso a gente não tem mais. Tudo pode mudar de acordo com a cabeça do presidente. É assustador. Acho que se perdeu o momento em que teria sido possível lançar reformas. Esperávamos um choque liberal, que não veio. A economia permanece fechada. O mesmo está acontecendo com a Reforma Tributária. Cada dia tem uma discussão sobre tributos. Como o empresário vai se programar? Essa política de varejo não dá norte e provoca muito ruído. O presidente não quer saber de economia. E o ministro da Economia, quando fala, promete coisas que não consegue entregar, como zerar o déficit público ou fazer um grande programa de privatizações. Mas há um desejo enorme da sociedade de que dê certo.

O programa da energia barata, com o novo mercado de gás, vai ter reflexos na economia?

É como as outras promessas, ninguém mais acredita. Está pouco claro onde vai ocorrer o barateamento: para a indústria, no botijão, para o consumidor de gás ou na energia elétrica? O meu temor é que, ao vincular o projeto ao objetivo final, de uma queda de 40% no preço da energia, perca-se a oportunidade de fazer uma boa reforma do arcabouço regulatório do óleo e gás, que é necessária. A ideia de trazer competição para o setor e quebrar o monopólio da Petrobras é fantástica. É a melhor herança da greve dos caminhoneiros. Fez a sociedade acordar para o monopólio. Boa parte da mudança na Petrobras e da reformulação do segmento vem dessa clareza, de que o monopólio era muito ruim.

Um eventual fracasso do projeto de Bolsonaro pode comprometer a ideia de uma reforma liberal na economia?

Sou otimista. O Brasil avançou muito na ideia do equilíbrio fiscal. A Reforma da Previdência passou por causa da percepção de que é preciso organizar as contas públicas. A questão fiscal se consolidou, independentemente do sucesso ou não do governo Bolsonaro. Até porque, quem está cuidando da questão fiscal é a mesma equipe que estava tratando disso antes, como o Mansueto Almeida, secretário do Tesouro Nacional, um excelente quadro. Está cada vez mais claro que esse não é um governo liberal. É autoritário e com atraso no patamar civilizatório, com risco às instituições democráticas. Tem propagado preconceitos. Por isso, acho que o liberalismo está ficando cada vez mais forte. Nunca vi um momento tão propício para discutir liberalismo e políticas progressistas dentro do liberalismo. A população está muito menos preocupada se tem abertura comercial ou aumento de produtividade, mas está atenta a temas como educação e mobilidade social. Esse governo não está preocupado com essas coisas.