MANIFESTAÇÃO No Rio de Janeiro, entregadores fazem protesto e iFood anuncia reajuste (Crédito:Guito Moreto)

Os sucessivos aumentos do combustível – o último foi de 18% sobre o preço da gasolina – vêm impactando diretamente o setor de transportes. Nesse nicho, os motoristas de aplicativos estão passando por um vendaval. De um lado, uma inflação de dois dígitos que corrói os ganhos no acumulado do ano passado. Do outro, plataformas que não querem aumentar o preço das corridas para não perderem vantagem na concorrência. Depois de esgotada as inúmeras tentativas de renegociação, a Associação dos Motoristas de Aplicativos de São Paulo (Amasp) conseguiu realizar um projeto de aplicativo, considerando as mudanças que a categoria acha necessárias, e arrumou um parceiro para colocá-lo de pé. A ideia é boa, pois dá perspectiva de futuro, mas não resolve o presente. No último ano, para conseguir pagar os custos e ter o lucro suficiente para sustentar a família, o motorista teve de aumentar em duas horas a jornada de trabalho, que já era de 10 horas, segundo a Amasp, que tem 34.628 associados.

Motorista há mais de 20 anos, o pernambucano Rosimar Pereira, de 48 anos, roda cerca de 250 km por dia em São Paulo durante 12 horas de trabalho. Ele acorda às 5h para pegar o pico das chamadas no início da manhã e roda até às 20h. “Quando comecei a trabalhar pelo aplicativo, em 2016, o custo operacional era menos da metade do que é hoje”, diz Pereira. “Todo motorista começa tirando do bolso R$ 8 mil para dirigir durante o mês”, diz Eduardo Lima, presidente da Amasp. Nessa conta entra gasolina (1 tanque por dia, com valor médio de R$ 160), alimentação, celular, troca de óleo, seguro e mensalidade de financiamento ou aluguel do carro. Some a isso o percentual cobrado pelo aplicativo sobre o valor da corrida pago pelo passageiro, que vai de 25% a 60%, segundo a Amasp. Todos esses custos correspondem a 80% da tarifa recebida do cliente. O lucro é de 20%. “Mas as quantias que o aplicativo descontava da corrida não variavam tanto como hoje” diz Pereira. “A plataforma informa que cobra 25%, porém chega a descontar 40%.”

Procurada por ISTOÉ, a Uber não informa o cálculo nem o valor descontado dos motoristas. De acordo com a assessoria, trata-se de segredo de mercado. A 99 também foi contatada, mas não respondeu. A Uber foi a pioneira do mercado. Ela chegou ao Brasil em 2015, promovendo uma nova experiência no transporte individual de pessoas. Pedir o táxi pelo smartphone dava uma agilidade ao serviço nunca antes praticada. Os passageiros ainda tinham maior sensação de segurança e pagavam menos pela corrida do que se usassem o táxi convencional. No ano passado, quando a plataforma comemorou sete anos no Brasil, ela contabilizava 1 milhão de colaboradores.

Em nota, a empresa diz que “opera um sistema de intermediação de viagens dinâmico e flexível, que por isso busca sempre considerar, de um lado, as necessidades dos motoristas parceiros e, de outro, a realidade econômica dos consumidores, tendo em vista a preservação do equilíbrio oferta-demanda, que é fundamental para a plataforma”. Em 2021, diante do aumento de 47% da gasolina, a empresa elevou o valor da corrida em 10%. Em março, quando houve o último reajuste do combustível, subiu o preço da tarifa em 6%. Mas a categoria quer 40%. A empresa ainda anunciou que serão investidos R$ 100 milhões em iniciativas para reduzir custos e aumentar os ganhos. Entre as práticas, parcerias com postos de gasolina, onde o motorista terá descontos no combustível. Os motoristas rebatem que precisam de melhoras perenes e não pontuais.

TRABALHO EXTENUANTE O motorista Rosimar Pereira que roda 250 km em 12 horas de trabalho em São Paulo (Crédito: Marco Ankosqui)

O impasse não acontece apenas no transporte de pessoas. No setor de entregas, o descontentamento dos colaboradores do iFood chegou às ruas do Rio de Janeiro na sexta-feira, 19. Houve paralisação dos trabalhos nos bairros de Ipanema, Copacabana, Botafogo, Méier, Cachambi, Tijuca e Vila Isabel. Cerca de 200 entregadores ainda realizaram um protesto nos fundos do Shopping Tijuca. No mesmo dia, o iFood anunciou o aumento da tarifa mínima de entrega de R$ 5,31 para R$ 6 para todos os modais, a partir de 2 de abril. De acordo com a empresa, a plataforma é uma das poucas do setor que dá benefícios. Ela destaca o seguro de acidentes pessoais, que cobre R$ 15 mil em despesas médicas e odontológicas de emergência. Em caso de lesão temporária, indeniza 70% dos ganhos, baseados nos últimos 30 dias de trabalho. Em janeiro, o iFood disponibilizou 2 mil bolsas de estudos para conclusão do Ensino Médio e para o curso preparatório do Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos. Mas nada disso teria acontecido sem muita reivindicação.