Moscou usando os Jogos Olímpicos para se apresentar como vítima do Ocidente, vídeos ucranianos pedindo boicote aos atletas russos… O esporte se tornou outro território para mais atrito entre Rússia e Ucrânia, em guerra há mais de dois anos.

“Estamos em um conflito geopolítico através do esporte”, resume Lukas Aubin, diretor de investigação no Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas, especialista em questões de esporte e geopolítica.

Excluída dos Jogos de Paris 2024 como Estado, a Rússia terá uma cota de atletas que poderão participar, sob bandeira neutra, mas que não estarão no desfile da cerimônia de abertura no rio Sena.

Como forma de contra-atacar, a Rússia lançou os Jogos da Amizade em setembro e sua versão de inverno em 2026, os Jogos dos BRICS (acrônimo das potências emergentes, principalmente Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) em junho. As iniciativas são várias, com o risco de fragmentar o esporte internacional.

“Moscou utiliza a diplomacia russa para seduzir e atrair os competidores estrangeiros”, ressalta Sylvain Dufraisse, especialista universitário do esporte soviético e russo.

Dufraisse lembra que o presidente russo, Vladimir Putin, sempre usou o esporte como “instrumento de brilho e de potência”, aparecendo de quimono, andando a cavalo ou vestido de jogador de hóquei sobre gelo.

Lukas Aubin destaca que o país é “adepto do ‘sport power’ desde a revolução de 1917”.

Nesse contexto, os Jogos de 2024 são explorados com fins geopolíticos no conflito atual com a Ucrânia.

“A utilização do esporte por Rússia e Ucrânia participa da guerra através da informação”, diz um especialista militar francês que pediu anonimato.

“Moscou tenta fazer dos Jogos uma caixa de ressonância para levar a crer que sofre agressão dos países ocidentais e tentar legitimar a guerra na Ucrânia”, acrescenta.

A acusação de “neonazismo” lançada pela Rússia na última quarta-feira contra o Comitê Olímpico Internacional (COI) teve grande repercussão, isso depois de o país justificar sua invasão à Ucrânia em 2022 pelas acusações infundadas de “nazismo” contra líderes ucranianos, com a suposta cumplicidade do Ocidente.

– Trégua olímpica ilusória? –

A Ucrânia também fez do esporte uma arma de influência.

“Desde o início da invasão, [a Ucrânia] milita para que a Rússia não esteja presente nos Jogos”, aponta Lukas Aubin. “Usou ferramentas para difundir esta influência”, acrescenta, detalhando a realização de vídeos curtos nas redes sociais.

Um vídeo de 25 segundos, nesse sentido, foi publicado em fevereiro de 2023 na rede social X pelo Ministério da Defesa ucraniano, no qual se via um atleta russo lançando um dardo que se transformava em míssil e explodia em um edifício ucraniano. O vídeo, que usava imagens verdadeiras, terminava com um pedido de boicote aos atletas russos nos Jogos de Paris.

Atletas ucranianos também usaram o esporte para “alcançar um público mais amplo”, destaca Sylvain Dufraisse, referindo-se a Olga Kharlan, que se negou a cumprimentar sua adversária russa no Mundial de Esgrima de 2023.

E para os aletas ucranianos, “a vitória não é só esportiva, mas também simbólica”, disse o pesquisador. “É um meio de fazer sua nação viver”.

O presidente da França, Emmanuel Macron, declarou recentemente ao canal ucraniano 1+1 que pedirá um cessar-fogo a Moscou por conta dos Jogos.

Uma iniciativa que, no momento, parece ilusória, levando em conta que a invasão à Ucrânia começou em 2022, em plena trégua olímpica durante os Jogos de Inverno de Pequim.

Em 2014, a Rússia fez algo similar promovendo a anexação da Crimeia durante os Jogos de Inverno que organizou em seu próprio território, em Sochi.

Dt/jf/pm-avl/eg/cb