Era para ser um almoço em família. O ex-espião russo Sergei Skripal, 66 anos, encontrou a filha no sábado 3, à tarde, em um restaurante na cidade de Salisbury, na Inglaterra. Comeram, beberam e saíram. Poucos horas depois, foram encontrados inconscientes em um banco do shopping em que estavam. Os dois haviam sido envenenados por uma substância em pó, absorvível pela pele, que bloqueia o sistema nervoso e causa contrações involuntárias e fatais de músculos. Skripal vivia no país desde 2010, quando conseguiu refúgio após ser condenado pelo governo russo por traição. Como agente duplo, dedurou conterrâneos para a inteligência britânica e acabou preso em Moscou, em 2004. O episódio do envenenamento, especula-se, é uma tentativa do governo de Vladimir Putin de barrar o vazamento de informações aos britânicos. Parece enredo de filme de espionagem, mas foi o estopim para uma das maiores crises diplomáticas entre Rússia e Reino Unido desde a Guerra Fria. Às vésperas da Copa do Mundo e da eleição russa, os dois países protagonizam uma queda de braço.

Após a internação do ex-agente e da filha, Yulia, 33 anos, as investigações mostraram que a substância que o envenenou estava no restaurante em que ambos estiveram antes de serem encontrados. O caso lembrou outro episódio, de 2006, quando um também ex-espião russo, Alexander Litvinenko, morreu envenenado no Reino Unido. Theresa May, primeira-ministra britânica, considerou oficialmente a Rússia culpada pela tentativa de assassinato de Skripal e tomou uma série de medidas em represália. “Não há nenhuma conclusão alternativa além do fato de que o Estado russo foi culpado pela tentativa de assassinato de Skripal e sua filha e por ameaçar a vida de outros cidadãos britânicos em Salisbury”, disse May. “Isso representa um uso ilegal da força pelo Estado russo contra o Reino Unido.” Ela expulsou 23 diplomatas russos do país, alegando que foram identificados como “oficias de inteligência não declarados”. Também cancelou a viagem da família real para a Copa do Mundo e impôs sanções econômicas ao país.

“É uma demonstração de força”, afirma a professora do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Cristina Pecequilo. “May está vivendo uma situação difícil dentro da Inglaterra, os cidadãos estão contestando suas atitudes, e essa foi uma oportunidade de se reafirmar dentro do próprio território contra Putin, um líder que já não é popular no Ocidente”, diz Pecequilo, lembrando que a mesma tática é usada por Donald Trump. A tensão diplomática, segundo a especialista, é mais um jogo de aparências, porque a ligação que mais importa para os dois países, a econômica, não será abalada. “São atitudes simbólicas: a Inglaterra provoca, Putin responde, mas não vai além desse jogo diplomático”, diz. “O comércio de bens energéticos entre as duas nações não será abalada, pois a Inglaterra depende de alguma maneira de gás e outros produtos, e Putin não pode cortar esse fornecimento, caso contrário o país ficará sem dinheiro.”

França, Alemanha e Estados Unidos demonstraram apoio ao Reino Unido. Os quatro países emitiram um comunicado se pronunciando sobre o ataque. “Este uso de um agente neurotóxico de nível militar desenvolvido pela Rússia constitui o primeiro uso ofensivo de um agente deste tipo na Europa desde a Segunda Guerra.” Ainda foi feito um pedido a Moscou para que entregue informações relacionadas à produção da substância que envenenou o ex-espião para a Organização para a Proibição de Armas Químicas.

“Histeria”

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A Rússia se defendeu dizendo que existe uma “histeria russofóbica” e que responderá expulsando diplomatas britânicos de seu território. O Ministro de Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, reiterou que o país não teve envolvimento com o episódio e que a situação foi causada para prejudicar a realização da Copa do Mundo no país. Questionado por um jornalista da BBC sobre a responsabilidade da Rússia no caso de Skripal, Vladimir Putin se limitou a dizer: “Esclareçam as coisas lá e depois falaremos sobre isso”.


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