Um dos maiores clássicos da literatura mundial ganhou montagem teatral inédita, capaz de arrebatar diferentes gerações. Após apresentações celebradas no Rio de Janeiro, Belo Horizonte e no coração de São Paulo, o espetáculo “Os Irmãos Karamázov”, com adaptação de Caio Blat e Manoel Candeias para o romance do autor russo Fiódor Dostoiévski, ultrapassa os limites da capital paulista para curtas temporadas nos teatros da rede SESC de Interlagos, Franca, Guarulhos e Taubaté do dia 17/10 a 09/11. Apontada por Freud como uma obra-prima da humanidade, a trama retrata uma família desestruturada, marcada por paixões, disputas financeiras, dilemas existenciais e um pai perverso.
Dirigida por Marina Vianna e Caio Blat, a montagem traz diálogos ágeis, cenas intensas e um elenco diverso: “A nossa adaptação fez uma opção radical de seguir só os três dias em que a tragédia se desenvolve. A gente acreditou que a partir da urgência e da loucura dos personagens nesses três dias, é possível conhecer a personalidade de cada um. A partir daí, o desafio foi sintetizar numa peça rápida, vertical e vertiginosa os principais temas, e revelar a alma de cada um dos personagens”, acredita o artista, que acumula as funções de adaptação, direção e interpretação no projeto.
O elenco responsável por dar vida e alma aos personagens de Dostoiévski é formado por Babu Santana, Nina Tomsic, Pedro Henrique Muller, Catharina Caiado, Priscilla Rozenbaum, Lucas Oranmian, Luiza Loroza e Lorena Lima, além do diretor Caio Blat, que também atua. Na encenação, a escolha do elenco não se ateve ao gênero dos artistas em relação aos personagens descritos.
Ambientado na Rússia pré-revolucionária, o espetáculo traz para o palco temas atemporais como culpa, justiça, autoritarismo e a busca por libertação de figuras opressoras, simbolizada no desejo dos filhos de destruir o pai corrupto. O espetáculo explora essas questões com linguagem acessível e popular, aproximando-se dos temas que assolam a sociedade brasileira.
“Todos os aspectos sociais da Rússia czarista que estão no texto – o abismo social, o patriarcado, o autoritarismo, a religião decadente que explora e ilude o povo – podem ser perfeitamente compreendidos pelo brasileiro hoje. A gente não precisou fazer nenhuma transposição, nem nenhuma grande pesquisa sobre a Rússia czarista, todos os símbolos que estão na peça são facilmente reconhecidos por qualquer plateia”, observa Caio Blat.
Além do elenco, estarão em cena os músicos Arthur Braganti (também diretor musical do espetáculo) e Thiago Rabello; as artistas-intérpretes de libras Juliete Viana e Maria Luiza Aquino; e Sofia Badim, assistente de direção que também apoia o elenco, compondo um grupo heterogêneo de 13 atores que se revezam para contar essa história, ora em coro, ora individualmente, com seus corpos e funções diversos.
A adaptação é fruto de 10 anos de estudo de Caio Blat e Manoel Candeias sobre a obra de Dostoiévski e o romance, além de quatro meses de um intenso processo criativo, com o elenco e o grupo de artistas envolvidos para a realização do espetáculo. Isabela Capeto assina a direção de arte e o figurino; Amália Lima, a direção de movimento; Arthur Braganti, a direção musical e trilha sonora original; Gustavo Hadba e Sarah Salgado, o desenho de luz; Moa Batsow, a cenografia; Raissa Couto, a acessibilidade criativa; com a direção de produção de Maria Duarte.
Embora hoje seja considerado erudito, Dostoiévski foi um escritor popular e acessível. O romance Os Irmãos Karamazov foi publicado originalmente como folhetim, uma novela em capítulos no jornal. A montagem pretende popularizar o escritor e a sua obra no Brasil. Segundo Maria Duarte, para se produzir um espetáculo para o grande público, além da proposta artística da encenação, é preciso pensar na acessibilidade de fato.
“É isto o que me move nesse projeto desde o primeiro dia: realizar um espetáculo realmente acessível. Isso implica olhar para a acessibilidade não como uma contrapartida, um problema a ser resolvido, um recurso a ser inserido depois da criação. E sim uma lente a mais para os criadores, que inspira e amplia possibilidades. Essa foi a minha proposta para a direção e toda a equipe envolvida. Quis trazer intérpretes atrizes para a cena com o elenco, e não tradutores de Libras numa lateral do palco. E o que parecia no início um problema, abriu uma explosão de ideias nesse processo, emocionante de ver”, completa a diretora de produção.
Espetáculo em português e libras
Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), há mais de 1,3 bilhão de pessoas com deficiência em todo o mundo. “É urgente encararmos este assunto, e considerarmos a acessibilidade como premissa da criação de um espetáculo, um show, um evento, um livro, qualquer produção cultural. Não é mais possível, em pleno 2024, se cogitar produzir um espetáculo teatral ignorando essa parcela da população”, afirma Maria.
A produtora propõe a criação de um projeto inovador e ousado, que pensa a acessibilidade criativamente, entrelaçada de forma orgânica com a dramaturgia e a encenação. Todos os pilares criativos do espetáculo foram convocados – do figurino à comunicação – para o desafio de criar um espetáculo para todos, de fato.
Fugindo do literal e do óbvio, a montagem inclui artistas intérpretes no elenco e o uso da língua brasileira de sinais nos diálogos e na composição do gestual da encenação, além de soluções que incluem efeitos sonoros, suportes táteis, comunicação acessível e outras iniciativas inéditas. Para esse desafio, o projeto conta com a direção de Raíssa Couto e o envolvimento de uma equipe de consultores, com e sem deficiência, envolvidos desde o início do processo criativo.
“Trabalho há quase 15 anos com acessibilidade e anticapacitismo e nunca recebi um convite parecido como este para um projeto que não tem essa temática”, comenta Raíssa.
A produção envolveu artistas com deficiência, que atuaram ativamente no processo criativo desde a montagem do espetáculo, como a consultora Moira Braga e a bailarina intérprete Maria Luiza Aquino.
Assim como a criação do espetáculo, a divulgação também considera a acessibilidade integrada. A proposta é que pessoas com deficiência também se sintam convocadas a ir ao teatro, engajando um público ainda mais amplo na formação de plateia. Nesse contexto, o projeto conta com a parceria de instituições como o Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES), o Instituto Benjamim Constant (IBC) e o Conselho da Pessoa com Deficiência do Município do Rio de Janeiro, bem como artistas influenciadores com deficiência.
Muitas vozes e acessibilidade
Segundo Mikhail Bakhtin, filósofo e pensador russo, teórico da cultura e das artes e pesquisador da linguagem humana, Os Irmãos Karamazov é um acontecimento literário polifônico. A imagem da polifonia, conceito originalmente desenvolvido na música, se refere às múltiplas vozes e perspectivas que colidem sem um único ponto de vista dominante, como a do narrador, tradicionalmente. Esta característica marcante da obra de Dostoiévski norteou a criação cênica e toda a direção musical do espetáculo.
“A gente transformou a literatura numa peça coral, uma peça coletiva em que as vozes se sobrepõem, cada personagem que entra em cena toma a narrativa do outro, e se torna o narrador por algumas cenas, depois outro personagem toma a voz. E em algumas situações as vozes começam a se sobrepor, a ecoar: repetições de frases de personagem para o outro. Tem ainda a Libras dentro de cena, como outra voz para o mesmo texto. Até literalmente o canto polifônico que abre a peça, uma canção russa de um canto polifônico ortodoxo, voltando às origens do texto”, comenta Caio. “E a dramaturgia da música que está em cena. As várias camadas sonoras: as palavras do texto, do Dostoiévski e as palavras de dentro de cada personagem, que ecoam, que multiplicam ruídos, murmúrios… Os gestos que também podem comunicar”, complementa a diretora Marina Vianna.
De forma contemporânea e também inovadora, a montagem espera levar para os palcos a polifonia característica da obra de Dostoiévski.
Sinopse
O espetáculo se passa na Rússia pré-revolucionária e acompanha as disputas entre os irmãos Karamázov e seu pai, Fiódor, pela herança da família e pelo amor da mesma mulher. Nesse caldeirão explosivo de ressentimentos familiares, cada um dos irmãos colabora de sua maneira para o mais temido desfecho: o assassinato do pai tirano com a participação ou omissão de cada um de seus filhos.
Serviço
Os Irmãos Karamázov
De Fiódor Dostoiévski
Direção: Marina Vianna e Caio Blat
Dramaturgia: Caio Blat e Manoel Candeias
Direção de Produção: Maria Duarte
Produção Artística: Luisa Arraes
Elenco: Babu Santana, Caio Blat, Catharina Caiado, Lucas Oranmian, Nina Tomsic, Pedro Henrique Muller, Priscilla Rozenbaum, Luiza Loroza e Lorena Lima. Músicos: Arthur Braganti, Thiago Rebello. Artistas intérpretes: Juliete Viana, Malu Aquino. Coro: Sofia Badim.
SERVIÇO — Programão no Sesc com preços populares
FRANCA
Sessões: 17, 18 e 19 de outubro
Teatro do Sesc Franca – Av. Dr. Ismael Alonso y Alonso, 3071, Jardim Piratininga II – Franca/SP
GUARULHOS
Sessões: 24, 25 e 26 de outubro
Teatro do Sesc Guarulhos – Rua Guilherme Lino dos Santos, 1200, Jardim Flor do Campo – Guarulhos/SP
TAUBATÉ
Sessões: 31 de outubro, 1º e 2 de novembro
Teatro do Sesc Taubaté – Av. Eng. Milton de Alvarenga Peixoto, 1264, Esplanada Santa Terezinha – Taubaté/SP
INTERLAGOS (São Paulo)
Sessões: 7, 8 e 9 de novembro
Teatro do Sesc Interlagos – Av. Manuel Alves Soares, 1100, Parque Colonial – São Paulo/SP
sescsp.org.br/interlagos
Classificação indicativa: 16 anos
Gênero: Teatro
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