Tatiana Weston-Webb teve uma formação dupla para se tornar a única representante brasileira na elite do surfe mundial. Embora tenha nascido no Brasil, em Porto Alegre, ela se mudou com sua família para o Havaí aos dois meses. Lá, ela se apaixonou pelas ondas e manteve viva a identidade do país de origem, tanto que escolheu representá-lo a partir de 2018, um sonho que tinha desde que a modalidade entrou no calendário olímpico.

O pai de Tatiana, Douglas, nasceu na Inglaterra enquanto a mãe, Tanira, é brasileira. Ambos têm relação com o mar: ele, com o surfe; ela, com o bodyboard. Tatiana e o irmão mais velho, Troy, decidiram pelo surfe. Mas, a mais de 12 mil quilômetros do Brasil, a família tinha de se adequar para que a identificação com o Brasil continuasse viva.

No começo, Tanira falava com os filhos em português. Douglas, por outro lado, não era muito afeito à língua, o que ocasionou situações inusitadas na família. Segundo Tatiana, ela e o irmão pediam para ir à praia, enquanto ele entendia “papaya”, que significa “mamão”. O inglês, então, se tornou o idioma principal e ficava difícil praticar o português.

“Eu escutava bastante português, mas todo mundo na minha família falava inglês perfeito, então era bem difícil de praticar. Porém, quando eu comecei a namorar Jessé, conheci os pais dele, e os pais dele não falavam inglês e percebi que naquele momento precisava realmente falar português para me comunicar com eles. Foi a partir desse momento que comecei a falar também em português”, afirmou, em entrevista ao Estadão.

Vice-campeã mundial no ano passado, Tatiana Weston-Webb, de 26 anos, se garantiu no WSL Finals, em setembro na Califórnia, após o desempenho no Taiti – caiu na semifinal diante da americana Courtney Conlogue – e quer continuar aumentando o seu nível para chegar ao título. Ela também representou o Brasil nos Jogos Olímpicos de Tóquio e, por ser a única brasileira no Circuito Mundial, sabe o quanto a sua participação influencia novas competidoras.

Queria que você falasse sobre como construiu a sua relação com o Brasil. Sei que você nasceu aqui, mas se mudou nova para o Havaí. Como foi crescer longe? O que seus pais lhe falavam? Você fazia visitas?

Crescer longe do Brasil, morando no Havaí, foi muito especial. Sem o Havaí eu não seria uma surfista como sou hoje, as ondas me ajudaram demais a me tornar uma boa surfista, profissional. Sou super grata por ter crescido no Havaí. Mas, sim, eu visitava o Brasil quase todo ano, sempre que podia ir, não tínhamos muito dinheiro, então cada vez que conseguíssemos juntar dinheiro, a gente ia para o Brasil, visitar meus avós, minha família. E a gente ficava muito tempo também em Garopaba, fora Porto Alegre, a gente ficava muito na praia também, era assim até eu crescer.

Imagino que tenha sido uma criança bilíngue pelo costume de casa, com um pai inglês e mãe brasileira, e pelo país em que vivia. Pode contar um pouco sobre isso e sua relação com as duas línguas?

No começo, minha mãe sempre falava comigo e com meu irmão em português. A gente falava bastante português quando criança, só que meu pai nunca falava em português. Então a gente sempre escutava minha mãe, minha tia, sempre falando em português, só que quando ficávamos sozinhos com meu pai, enquanto minha mãe estava trabalhando, ele não sabia muito o que a gente precisava, porque sempre perguntávamos em português e ele quase não entendia o que a gente queria. Por exemplo: a gente falava que queria ir para a praia, e ele entendia “papaya”, que é mamão. Então, essa foi uma dificuldade que fez a minha mãe parar um pouco de falar em português comigo e com meu irmão, mas, no final das contas, durante a minha vida inteira, eu escutava bastante português, mas todo mundo na minha família falava inglês perfeito, então era bem difícil de praticar. Porém, quando eu comecei a namorar Jessé, eu conheci os pais dele, e os pais dele não falavam em inglês, e percebi que naquele momento precisava realmente falar português para me comunicar com eles, foi a partir desse momento que comecei a falar também em português.

Em 2018, você foi atrás e conseguiu representar o Brasil na sua carreira. Como aconteceu esse processo? E o que lhe motivou a fazer essa escolha?

O Brasil é o país que eu nasci, fiz essa escolha com o coração, eu amo a cultura do nosso país e também tenho muitas pessoas importantes na minha vida que são brasileiras. Eu não precisei de muita motivação para escolher o Brasil, sempre tive essa vontade. Nas Olimpíada em Tóquio, fiquei muito feliz em representar o Brasil na primeira edição do surfe em Jogos Olímpicos. Então acabou sendo um processo rápido e hoje me sinto cada vez mais brasileira, e certa de que fiz a escolha certa.

O fato de representar o Brasil também lhe torna a única brasileira na elite do surfe mundial. Como lida com isso? Muitas meninas e mulheres entram em contato contigo? E o que você acha que falta para que esse cenário mude?

Eu fico muito feliz em representar o Brasil dentro do CT (Championship Tour). Sei que ser atualmente a única representante traz uma grande responsabilidade. Já falei com algumas meninas brasileiras que se espelham e mandam mensagens motivadoras, na etapa do Brasil, em Saquarema, eu consegui sentir esse carinho de perto. Acho demais esse apoio e espero ser de alguma forma um fator incentivador para que outras meninas também tenham chance de aparecer. Existem várias surfistas talentosas no Brasil, falta mais incentivo para uma mudança, até mesmo das marcas, espero poder contribuir cada vez mais para aumentar a visibilidade de surfistas brasileiras e ver mais meninas na elite mundial do surfe.

Sobre esta temporada, li que você falou que tem uma “pressão inédita”. Como está lidando com isso fora das provas? A preparação mudou de alguma forma ou é mais algo mental, em que o resultado tem que ser entregue o tempo todo?

A pressão sempre existe quando estamos competindo em alto nível, porém os cortes no CT nesta temporada deixaram todos os surfistas mais pressionados. Eu tento, fora das etapas, manter o pensamento positivo, continuar praticando para seguir em constante evolução e deixar sempre a confiança em alta. Durante as etapas, sempre tento estar feliz e me divertir, consequentemente desempenhar um bom surfe, sei que preciso estar bem durante toda a competição para conseguir conquistar vitórias importantes.

Você está vivendo um grande momento da carreira, chegando a finais e a possibilidade de conquistar o Mundial parece cada vez mais palpável. Como se mantém tranquila nas provas, para chegar a esse resultado?

Acho que a preparação é um fator essencial para ter tranquilidade durante a competição. Preciso estar concentrada e com foco total na etapa que vou disputar. O nível de surfe hoje dentro do CT é muito alto, então a estratégia durante cada bateria é fundamental. Existem grandes surfistas no Top 10 e isso exige que o desempenho seja o melhor possível para conseguir conquistar vitórias e seguir na busca pelo título.

Imagino que vencer neste ano seria ainda mais especial por causa do vice no ano passado. É assim que pensa? Se tornou um objetivo ainda maior depois de chegar tão pertinho?

Quando alcançamos algumas vitórias, ficamos com aquela sensação de querer mais. E nessa temporada eu vim com este pensamento, focada em conquistar bons resultados e disputar o título novamente. Desejo muito conquistar o título mundial, é um objetivo que tenho na carreira, e a vontade cresce cada vez mais. Se for nessa temporada, será muito especial poder celebrar essa conquista com todos os brasileiros que torcem por mim!