Ele é um “showman” da arqueologia. Zahi Hawass, 71 anos, ficou popularmente conhecido por diversos documentários sobre os tesouros da Antiguidade Egípcia exibidos por redes de televisão. Defensor da repatriação de peças tiradas ilegalmente do Egito, é um dos mais envolvidos na luta para levar de volta ao país o busto da rainha Nefertiti, na Alemanha desde 1912 e exibido no Museu Neues, de Berlim. “Ele foi roubado do nosso país.” O arqueólogo também critica a falta de proteção contra incêndio no Museu Nacional, no Rio de Janeiro, destruído pelas chamas em setembro do ano passado. “Como pode um museu ficar tão desprotegido assim?”, questionou o egípcio, na entrevista dada à ISTOÉ. Em passagem pelo Brasil para ministrar palestras, Hawass quis conhecer o Museu do Futebol — para ver Pelé — e ficou surpreso com o colorido das fantasias da Vai Vai. A tradicional escola de samba paulistana terá o Egito como tema no carnaval em 2019. “É fantástico. Tudo muito bonito!”

Em setembro do ano passado, o incêndio no Museu Nacional, no Rio de Janeiro, destruiu a maior coleção de múmias e artefatos egípcios da América Latin. O que o senhor sentiu quando soube da notícia?

Para mim, foi o pior dia na história da arqueologia egípcia. Em todos os museus do mundo o item mais importante deve ser a segurança, especialmente contra fogo. O que aconteceu no Museu do Rio foi um crime. Como pode um grande museu, em uma cidade tão importante, ficar tão desguarnecido e desprotegido contra incêndios dessa maneira?Acredito que ao menos possamos aprender com essa lição dolorosa e nunca mais deixar que isso aconteça.

 

Qual a diferença entre um desastre como o que ocorreu no Rio, por negligência, e o realizado por razões ideológicas, como os feitos pelo Estado Islâmico contra vários sítios históricos? As cenas da demolição do Templo de Baal-Shamin, em Palmira, na Síria (construído por volta do século II A. C. ), chocam até hoje.

As duas coisas são crimes. No caso ideológico, provocado por terroristas ignorantes. O mundo precisa se unir contra eles, mas não está fazendo nada contra isso.

 

E a invasão do Museu Egípcio do Cairo, em 2011, durante os protestos contra o ex-ditador Hosni Mubarak?

Naquela ocasião, o que aconteceu foi a invasão do museu por ladrões que se aproveitaram da confusão dos protestos na Praça Tahir, onde está o museu. Cerca de mil pessoas invadiram o lugar. Eles levaram 54 peças. Falta recuperar 17. Os ladrões pegaram principalmente artigos de ouro, procuravam coisas que dariam dinheiro. Também buscavam por múmias. Há uma lenda no Egito segundo a qual se alguém beber um líquido presente na garganta das múmias pode invocar o diabo e ganhar todo o seu poder. Acaba virando um artigo desejado. Mas é claro que não tem poder algum.

 

O senhor já esteve à frente do Ministério de Antiguidades do Egito, período no qual se dedicou muito aos pedidos de repatriação de obras abrigadas em museus mundo afora. Sabe dizer quantas peças foram tiradas ilegalmente de seu país?

São cerca de seis mil artefatos.

Um dos mais famosos, sobre o qual há uma disputa de anos, é o busto da rainha Nefertiti (1370-1330 A. C.). Ele está em exibição no Novo Museu, em Berlim, na Alemanha. Como estão as conversações entre os governos alemão e egípcio para uma eventual devolução da peça?

Eles se negam a devolvê-la. Mas sabemos que o busto foi tirado ilegalmente do Egito. Foi roubado. É uma peça muito importante para o nosso país e deve retornar a ele. É nosso direito. Mas estamos em uma briga longa. A disputa começou oito anos depois de o busto ser encontrado pela equipe do arqueólogo alemão Ludwig Borchardt (1863-1938), em dezembro de 1912, em escavações feitas em Omarna, no Egito.

 

O que o governo alemão alega para não devolvê-la?

São várias alegações. Uma delas é a de que a peça é frágil demais para ser transportada de volta ao Egito. Em 2007, pedi sua liberação para uma exposição em meu país, mas usaram este argumento para negarem minha solicitação. Uma vez, ouvi de um especialista da Universidade de Oxford, na Inglaterra, que não se podia fazer a devolução porque nós, egípcios, éramos ruins em guardar preciosidades. Não, não somos ruins em preservar nossa história.

A destruição do Museu Nacional, no Rio, mostra que o Brasil não está preparado para abrigar peças que representam partes da história da humanidade?

Não sei se foi uma falha do governo ou da equipe do museu. Sei que lamento muito o que aconteceu. E de alguma forma isso reforça minha luta pela repatriação de peças egípcias dependendo das circunstâncias em que foram levadas ou em que estão armazenadas. Se elas não estão bem protegidas, devem voltar ao Egito.

 

Em 2009, o historiador suíço Henri Stierlin publicou o livro “Le Buste de Nefertiti — une imposture de l´Egyptologie” (O Busto de Nefertiti, uma impostura da Egiptologia). Na obra, ele sustentava que o busto era falso. O que o senhor diz sobre isso?

Não é verdade. Todos os egiptólogos mais confiáveis confirmaram que a teoria dele está errada. Temos prova e imagens da estátua sendo retirada do solo depois das escavações.

O Brasil enviou esse ano ao Egito uma equipe de arqueólogos, liderados por pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais. É a primeira vez que o País coloca em Luxor (antiga região de Tebas repleta de tumbas feitas para nobres) uma expedição organizada e liderada somente por brasileiros. O que se pode esperar da iniciativa?

Eles estão escavando tumbas na área leste. Certamente farão descobertas interessantes. E queremos mais brasileiros fazendo escavações em nosso país.

 

O senhor é um dos arqueólogos mais ativos da atualidade, profundo conhecedor das escavações feitas em Giza, Saqqara, Oásis de Bahariya e Vale dos Reis, em Luxor. O que espera ainda descobrir?

Tenho paixão pela arqueologia. Não pretendo parar tão cedo. Estamos começando a pesquisar sobre outras dinastias e tenho coisas importantes já descobertas, mas que, por enquanto, não posso contar. Acredito que apenas 30% dos tesouros egípcios foram encontrados. Como arqueólogo, você olha a história e pode ser uma espécie de espião.

 

A informação da localização da tumba da rainha Cleópatra (a última da dinastia de Ptolomeu, governou de 51 A. C. a 30 A. C.) e de seu marido, o general romano Marco Antonio (83 A. C. — 30 A. C.) permanece um mistério. O que sabe sobre isso até agora?

A pista que temos é que ela pode estar em um Templo de Osiris e Isis, localizado a 50 quilômetros de Alexandria. Sabemos que os dois foram enterrados juntos. Estamos fazendo as escavações no lugar e já encontramos uma linda escultura com a face de Cleópatra, moedas com seu rosto e algumas múmias, duas com ouro. Isso tudo nos mostra que pessoas muito importantes foram enterradas lá. Não posso dizer que estou confiante de que é o lugar porque nunca é bom falar isso em arqueologia. Mas estamos animados com o que descobrimos até agora.

 

O trabalho de campo muitas vezes é feito em condições desconfortáveis e por vezes perigosas. O senhor já sofreu acidentes graves?

Sofri alguns ferimentos, mas meu amor pela arqueologia é muito grande e continuo em campo.

 

Como o uso da tecnologia está ajudando sua área de estudo?

Temos muitos recursos. Há os robôs, por exemplo, que podem olhar o que existe por trás das câmaras que encontramos, os aparelhos que fazem a análise das imagens de peças e documentos de forma precisa e rápida e os exames de DNA. Tudo isso está nos auxiliando muito.

 

O Egito têm grande potencial turístico por causa de sua história antiga. No entanto, a instabilidade política na região tem afastado interessados por medo da ocorrência de atentados terroristas. Como está a segurança dos sítios arqueológicos hoje?

Continuo dando a mensagem de que o Egito é seguro e sigo encorajando os turistas a virem nos visitar. Se não tivermos turismo, não temos verba para guardar as nossas obras. Acredito que os monumentos egípcios pertencem ao mundo, não só ao meu país.

O senhor também é conhecido por popularizar o conhecimento sobre a Antiguidade egípcia em documentários exibidos por grandes redes internacionais. O que está produzindo de novidade nessa área?

Na verdade, estou escrevendo uma ópera, Aída. A música será composta por um italiano. Ela deverá ser exibida em 2020, na abertura do Grande Museu Egípcio, perto das pirâmides de Giza. Será o maior museu arqueológico do mundo.

 

Quais as peças mais importantes que estarão expostas no novo museu?

Contaremos a história da nossa civilização. Os itens estarão colocados dentro do contexto social, religioso e político em que foram produzidos. Haverá mais de 20 mil peças nunca expostas antes. Na entrada, teremos uma grande e impressionante estátua do rei Ramsés II.

 

Ao mesmo tempo em que é admirado por leigos apaixonados pela cultura do Egito Antigo, o senhor também é muito criticado por especialistas. Muitos o acusam de inconsistência acadêmica e de exibicionismo. Como responde às críticas?

Qualquer pessoa famosa do mundo está sujeita a esse tipo de crítica. Não ligo muito para isso.

 

Que museu o senhor conhecerá em São Paulo durante sua curta estadia no estado?

Irei ao Museu do Futebol.

 

Quer ver mais de Pelé ou de Neymar?

Pelé. Para mim, não há mais ninguém depois dele.