“Eu e meu filho sobrevivemos, mas meu marido não resistiu. O isolamento social foi desesperador” Cristiana dos Santos, 44 anos, funcionária pública (Crédito:Claudio Gatti)

Superação

É um índice alto que justifica a grande comoção que a pandemia causa. Mas o fato é que, entre os doentes graves, muito mais gente sobrevive do que sucumbe. Segundo levantamento da Universidade Johns Hopkins, 75% das pessoas com casos agudos se recuperam. Na última quarta-feira 8, havia 88 mil mortos para 318 mil recuperados no mundo. A funcionária pública Cristiana Correa dos Santos, 44 anos, de Atibaia (SP), é um desses casos de recuperação. Ela, o filho Jorge, de 8 anos, e o marido Wagner, de 52 anos, foram contaminados pelo coronavírus. Ela e o filho sobreviveram, mas o marido não. No começo, Cristiana sentiu dor de cabeça e dor muscular e seu filho, os mesmos sintomas, além de ânsia de vômito, mas nada grave que tenha exigido maiores cuidados. Mesmo Wagner, ao ser internado, estava confiante, apesar de todos os desconfortos e dores. No entanto, seu quadro clínico se agravou rápido. Enquanto isso Cristiana e o filho viviam em distanciamento social, inclusive um do outro. “Foi desesperador”, lembra. No dia 30 de março, ela, que mora em Atibaia, foi chamada para se despedir com urgência do marido, internado em São Paulo. Chegou às 6 horas da manhã no hospital e Wagner havia falecido 20 minutos antes. Cristiana se orgulha de ter conseguido, com muita dificuldade, fazer um velório de uma hora, mesmo com todas as limitações. “Meu filho velou o pai e pode se despedir”, diz. Agora, ela tem esperança de que a tragédia da Covid-19 humanize mais as pessoas e que os valores mudem em cada um de nós. “Hoje é o primeiro dia que saio de casa”, conta o empresário Heder Lealis Bueno, de 29 anos, morador do bairro da Vila Maria, em São Paulo. Ele acha que foi contaminado, provavelmente, na academia que frequenta. Teve os primeiros sintomas como febre e dor no corpo e percebeu que não se tratava de uma simples gripe. Aos poucos o seu quadro foi piorando e apareceram tosses e falta de ar. Jovem, muito ativo não acreditava que fosse passar três dias na UTI. “Achei que tiraria de letra, que era tudo boato. Nunca peguei nada, não fumo e não bebo”, afirma. Embora tenha ficado na UTI, ele entende que seu sofrimento foi mais psicológico. “Você não sabe o que está por vir”, explica. Ele confessa que temeu a morte.

“Pensava que a doença fosse parecida com uma gripe e nunca imaginei que chegaria a ficar tão debilitada” Isadora Aragão, 28 anos, fotógrafa (Crédito:Vitoria Real)

A solidão da Uti

O prefeito de São Bernardo do Campo (SP), Orlando Morando, 45 anos, ainda tosse muito enquanto fala. Ele se desculpa várias vezes e demonstra estar feliz dois dias depois de deixar o hospital. “Ainda agora estava em videoconferência, voltei ao trabalho”, comemora. Em quarentena, Orlando conta ter sentido a tosse como primeiro sintoma, depois febre e dificuldade respiratória. Após alguns dias de febre e sendo tratado em casa, o prefeito foi obrigado a ir para o hospital e direto para UTI. “Já estava com o pulmão comprometido”, diz. Ele afirma que foi curado pela competência dos profissionais de saúde que o atenderam e por Deus. Quando foi confirmada a doença, o prefeito não achava que com o seu perfil fosse parar na UTI. “Pensei que fosse um resfriado forte, mas quase embarquei”, afirma. Orlando recorda do momento de maior dificuldade, isolado na UTI, sem visita. Nesse momento ele se questionou muito: “Será que vou ter direito a um velório?”

Segundo o médico infectologista João Prats, do Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo, os relatos de ansiedade nas pessoas infectadas pelo coronavírus são frequentes. “O isolamento gera grande prejuízo na qualidade de vida e o pânico em relação à doença é mais impactante que qualquer ação do organismo”, afirma. A fotógrafa Isadora Aragão, 28 anos, de Natal (RN), sofreu um grande abalo psicológico por causa do coronavírus. Ela sentiu dores abdominais, forte dor de cabeça, tosse seca, febre, diarréia, perda de paladar e de olfato, dificuldade de respirar e cansaço. “Pensava que a doença fosse parecida com uma gripe e não imaginava que fosse ficar tão debilitada”, diz. O temor foi tão grande que Isadora precisou recorrer à ajuda psiquiátrica para enfrentar a ansiedade. “É preciso criar uma estratégia e não se alimentar do medo”, afirma.

“Tive que criar um David novo, seguramente mais humilde e sabendo dos limites da vida” David Uip, 67 anos, médico infectologista

Entre as pessoas infectadas o caso mais divulgado, talvez, tenha sido o do médico infectologista David Uip, 67 anos, coordenador do Centro de Contigência do Coronavírus no Estado de São Paulo. A ironia do destino quis que aquele escolhido para ajudar no combate à doença fosse atingido pela mesma. “Foi um sentimento muito angustiante de dormir não sabendo como iria acordar”, diz. O médico ficou em isolamento domiciliar durante 14 dias. Depois foi internado. O sofrimento extremo a que foi submetido o fez repensar a vida “Tive que criar um David novo, seguramente mais humilde e sabendo dos limites da vida”, explica. Como Uip, muita gente, neste momento, está redescobrindo a importância da humildade e tirando alguma lição da doença, que se alastra impiedosa pelo mundo. O medo da morte nos leva necessariamente a pensar na fragilidade da nossa existência. E, diante disso, só resta o entendimento de que vivemos, neste momento, um drama universal.

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