Especialistas estabelecem diretriz para uso de zolpidem

Especialistas das áreas de neurologia, psiquiatria, psicobiologia e medicina do sono publicaram neste mês um consenso sobre o uso de medicamentos como o zolpidem, sedativo-hipnótico indicado para casos de insônia.

Encabeçado pela Academia Brasileira de Neurologia (ABN) e divulgado na revista Arquivos de Neuro-Psiquiatria, o documento classifica o crescente uso das chamadas “drogas Z”, como zolpidem e zaleplon, como um problema de saúde pública.

A diretriz aponta que o zolpidem é o terceiro hipnótico mais vendido do País, atrás apenas de clonazepam e alprazolam, segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Entre 2014 e 2021, o medicamento registrou um aumento de 139% no volume de vendas, passando de 338.367 para 810.353 caixas.

A venda irregular do fármaco foi um dos fatores que impulsionaram a elaboração do documento. De acordo com os autores, o zolpidem está entre os medicamentos mais frequentemente comercializados sem receita ou de forma ilegal no Brasil.

Coordenador do Departamento Científico de Sono da ABN e um dos autores da diretriz, Paulo Afonso Mei afirma que a pandemia também contribuiu para o aumento do consumo do medicamento, especialmente devido ao crescimento dos diagnósticos de transtornos relacionados à saúde mental.

“Essa é uma percepção muito clara na comunidade médica, houve uma explosão desses diagnósticos. Em estudos próprios, também constatei um aumento de cerca de 40% na proporção de pacientes com queixas relacionadas a problemas do sono”, diz Mei.

Outro fator apontado pelo especialista que pode ter impulsionado o consumo do medicamento no período foi a ampliação das prescrições digitais, adotadas especialmente durante as medidas de distanciamento e isolamento social.

Diante da alta no consumo, a Anvisa implementou no último ano um controle mais rígido para a venda do zolpidem, com maior fiscalização das prescrições e notificação com receita azul. Segundo Mei, a medida ajudou a frear o avanço. “Foi a única ação de maior impacto que realmente se mostrou eficaz para conter um pouco as prescrições”, afirma.

O zolpidem começou a ser comercializado nos anos 1990 e ganhou popularidade por apresentar efeitos colaterais considerados mais leves do que os de outros psicotrópicos, como clonazepam e alprazolam.

No entanto, à medida que se popularizou, também aumentaram os casos de dependência. Nas redes sociais, não é difícil encontrar relatos de pessoas que dizem depender do medicamento para conseguir dormir.

Mei explica que, desde o lançamento, o zolpidem traz na bula a orientação de que deve ser utilizado por, no máximo, quatro semanas consecutivas. “Mas isso raramente é respeitado”, lamenta. “Ao prescrever, precisamos ter a preocupação de não permitir que o paciente faça uso por longos períodos.”

Outros vídeos relatam efeitos colaterais como sonambulismo. O especialista explica que isso ocorre porque o medicamento pode provocar um comportamento amnésico, levando a ações das quais o usuário não se recorda e que podem resultar até em ferimentos. Há relatos, inclusive, de pacientes que cometeram ilegalidades sob efeito da substância, o que reforça a gravidade do problema, afirma.

Apesar de antigo, o medicamento continua sendo eficaz para casos de insônia aguda, mas não é indicado para uso crônico, como tem ocorrido com frequência, diz o especialista.

Ele acrescenta que os pacientes que buscam ajuda médica geralmente apresentam insônia crônica, com dificuldade para iniciar ou manter o sono e insatisfação com a qualidade do descanso por mais de três meses. Já a insônia aguda costuma ser pontual e surgir em situações que provocam tensão ou nervosismo.

Como ter uma noite de sono de qualidade

Embora ainda seja indicado para o tratamento pontual da insônia, o zolpidem não é a única estratégia para garantir uma noite de sono adequada e tranquila.

A diretriz aponta que o tratamento de primeira linha para pacientes com insônia é a terapia cognitivo-comportamental (TCC), também eficaz no desmame das “drogas Z” em adultos e idosos. Segundo Mei, o acompanhamento costuma ser breve e, em muitos casos, de seis a dez sessões já é possível observar melhora significativa.

Além da terapia, ele recomenda a adoção da chamada higiene do sono, que envolve ajustar a rotina e o ambiente para favorecer um descanso de qualidade.

O passo a passo da higiene do sono inclui:

Reduzir a luminosidade, especialmente a artificial;

Estabelecer horários regulares para dormir e acordar;

Criar um ambiente tranquilo e confortável, evitando estímulos na cama;

Evitar o uso de aparelhos eletrônicos próximo ao horário de dormir;

Reduzir atividades físicas intensas durante a noite;

Priorizar uma alimentação leve no período noturno;

Evitar levar preocupações para a cama e anotar as pendências para o dia seguinte;

Limitar o consumo de álcool e cafeína à noite;

Evitar trabalhar ou assistir à televisão na cama;

Criar rituais relaxantes, como meditação ou leitura antes de dormir.