O primeiro encontro teve características de um grande espetáculo, criticado por sacrificar a forma em detrimento do conteúdo. Agora, Donald Trump e Kim Jong-un terão dois dias em uma segunda cúpula, evento que desperta a expectativa de algum avanço real em matéria de desnuclearização.
Apertos de mão históricos, sorrisos calorosos: a cúpula entre o presidente americano e o líder norte-coreano em Singapura, em junho passado, apenas desanuviou os ânimos acirrados dos meses anteriores, quando Trump e Kim trocaram ameaças apocalípticas e insultos pessoais.
A “détente” se prolongou nas semanas que se seguiram a Singapura, com Trump explicando que ele e Kim “se apaixonaram” e teriam um novo encontro em breve.
Na terça-feira, em seu discurso sobre o Estado da União, Trump anunciou que se reunirá com o norte-coreano no Vietnã, nos dias 27 e 28 de fevereiro.
Ao mesmo tempo em que comemoram a notícia, os analistas consideram que o encontro deve levar a algo mais concreto do que a declaração vaga assinada em junho de 2018.
“O que é essencial (é que a reunião) vá além da pompa e circunstância da primeira para levar a medidas reais, visando à desnuclearização”, defendeu o pesquisador Bruce Kligner, da Heritage Foundation.
A primeira cúpula entre os dirigentes de ambos os países, que nunca assinaram um acordo de paz desde a Guerra da Coreia (1950-53), foi breve, com cerca de cinco horas de duração.
– Tempo suficiente –
Com apenas uma página e incluindo o compromisso de Kim com uma “desnuclearização da península”, a Declaração de Singapura foi criticada como muito fluida.
Pyongyang quer um relaxamento das sanções da ONU que estrangulam o país e rejeita o que considera como exigências “unilaterais” para seu desarmamento.
Washington insiste em que as medidas punitivas devem continuar, enquanto o Norte não tiver renunciado a seu arsenal nuclear.
Para o pesquisador Cheong Seong-jang, do Instituto Sejong, esses dois dias de reunião darão a Trump e Kim “tempo suficiente” para definir o que há por trás da fórmula de “desnuclearização”.
O fato de Trump aceitar passar a noite no Vietnã significa que ele está pronto para dedicar mais tempo a convencer Kim a abandonar suas armas nucleares, avalia o analista Shin Beom-cheol, do Instituto Asan de Estudos Políticos.
“Está dentro da estratégia que consiste em criar a confiança na cúpula, com o objetivo de dar a partida nas discussões nucleares”, disse ele à AFP.
Essa abordagem, que vê os chefes de Estado envolvidos em negociações dentro de uma diplomacia “mais normal”, foi a razão pela qual a primeira cúpula pôde acontecer.
O anúncio súbito feito por Trump em março passado, de que ele se sentaria à mesa com Kim, pegou não apenas a comunidade internacional de surpresa, mas também membros de seu governo.
Já o que foi feito ontem, diante do Congresso, foi precedido por discussões mais tradicionais, com idas e vindas incessantes nos escalões inferiores e mais técnicos do governo.
– ‘História de amor pública’ –
Tudo isso dá a impressão de que, desta vez, as coisas serão mais bem preparadas, afirma Cheong Seong-jang.
“A Coreia do Norte e os Estados Unidos não desperdiçaram os 260 dias que se seguiram à primeira cúpula, mas formaram equipes de negociadores e desenvolveram estratégias detalhadas para avançar nas discussões”, completou.
Outros são mais céticos e destacam que a Coreia do Norte enganou a comunidade internacional durante décadas, parecendo fazer concessões para então rejeitá-las na sequência.
Há 17 meses não há um teste nuclear na península, mas Pyongyang não deu informações sobre o tamanho de seu arsenal nuclear.
Também não houve lançamento de mísseis desde que a paz se instaurou entre Kim e Trump, mas nenhum inspetor internacional foi autorizado a visitar a Coreia do Norte.
Entre os céticos, está o diretor nacional de Inteligência, Dan Coats, que acaba de declarar ao Senado americano que Kim não parece com pressa de abandonar suas armas.
Para Shin, o anúncio da cúpula, antes mesmo do início das negociações do enviado especial americano sobre a Coreia do Norte Stephen Biegun em Pyongyang, faz pensar que Trump não espera grandes avanços sobre a desnuclearização.
O especialista em Estudos Coreanos Scott Snyder, do Council on Foreign Relations, não tem bons presságios. “Uma história de amor de conhecimento público entre Trump e Kim não vai mudar a trajetória das relações Estados Unidos-Coreia do Norte”, vaticinou.