As ações do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), sobre as determinações para produção de relatórios contra apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) não foram ilegais, afirmam especialistas ouvidos pelo site IstoÉ. De acordo com eles, as provas foram obtidas por meio das redes sociais, e o ministro pode usar o poder de polícia sem a necessidade de acionamento externo.

Uma reportagem do jornal Folha de S.Paulo acusa Moraes de usar a estrutura da Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação (AEED), do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), para produzir relatórios que embasaram decisões contra bolsonaristas no STF. A matéria aponta que Moraes ainda teria orientado o formato dos relatórios para incluir em suas decisões.

Para o professor de direito eleitoral da Fundação Getúlio Vargas (FGV/SP), Fernando Neisser, Moraes pode usar o poder de polícia para solicitar relatórios, sem acionar a Procuradoria-Geral da República (PGR). Ele afirma que o próprio ministro pode obter provas caso encontre inconsistência nas redes sociais.

“Não vejo qualquer ilegalidade nos fatos apontados em matéria da Folha de S.Paulo. As informações obtidas junto à Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação (AEED) do TSE são apenas informações públicas, relatórios mostrando o que estava na internet em determinado momento, qual repercussão estava tendo, dados que poderiam ser obtidos pelo próprio ministro Alexandre de Moraes ou por qualquer pessoa de sua assessoria. Não se trata de uma produção invasiva de provas, por exemplo, uma busca e apreensão feita pelo TSE e, posteriormente, aproveitada informalmente pelo STF”, diz Neisser.

“Além disso, a atuação da Justiça Eleitoral no âmbito de seu poder de polícia funciona dessa forma, sem necessidade de acionamento externo. O juiz eleitoral, que está andando na rua ou navegando na internet e vê uma propaganda irregular, tem o poder e o dever de espontaneamente determinar que seja retirada a peça ilegal”, completa.

Luiz Eugênio Scarpino, advogado especialista em direito eleitoral, concorda com a opinião e afirma não poder haver comparações com o caso que envolveu o ex-juiz Sérgio Moro. Scarpino reafirma as prerrogativas do ex-presidente do TSE, mas alerta para o aspecto institucional.

“Por enquanto, aquilo que tem sido divulgado contra o ministro Alexandre de Moraes não tem validade jurídica imediata. Ainda não é crível fazer um paralelo com o que aconteceu com o Moro porque, ao contrário de Moro, um juiz eleitoral tem prerrogativas de fazer determinadas apurações devido ao poder de polícia”, explica.

“No aspecto institucional, não é adequado que um juiz participe da fase de coleta de provas. Mas temos um contorno específico, de que o ministro Alexandre de Moraes, como relator do inquérito [das Fake News], tinha prerrogativas bastante substantivas e isso não se modificou pelo simples fato de ele ser também presidente do TSE.”

Moraes ainda foi acusado de direcionar as acusações contra bolsonaristas. Um dos apontados pela reportagem é Rodrigo Constantino, que teria sido colocado como alvo do ministro em decisões para derrubada de publicações e contas nas redes sociais.

Em pronunciamento no STF, o ministro disse não estar preocupado com a repercussão e que seria uma “esquizofrenia” ele acionar a si para entrar com uma decisão. Ele disse que, como presidente do TSE, tinha poder para determinar a produção dos relatórios.

“Obviamente, seria esquizofrênico eu, como presidente do TSE, me auto-oficiar. Até porque, como presidente do TSE, no exercício do poder de polícia, eu tinha o poder, pela lei, de determinar a feitura dos relatórios. Hoje, esse compartilhamento de provas [entre TSE e STF] continua permitido, e eu oficiaria a ministra Cármen [Lúcia], porque ela é a presidente do TSE”, afirmou Moraes.

Na avaliação do advogado Renato Ribeiro, a discussão é inválida e ressalta que Moraes teria prevaricado caso deixasse de registrar as informações encontradas. O termo se refere ao funcionário público que retarda ou deixa de praticar um ato correspondente ao ofício que ocupa.

“Essa discussão é porque a pessoa que presidiu o TSE é a mesma do inquérito das Fake News. Essa é uma questão da nossa legislação que coloca três ministros do STF na Corte Eleitoral, inclusive com a presidência e a vice. O que o ministro fez de ilegal? Absolutamente nada”, afirma.

“Se o ministro não tivesse feito nada, aí ele estaria prevaricando, deixando de atuar e de tomar providências, o que é a obrigação dele”, ressalta Renato.

O advogado Enio Viterbo pós-doutorando da FGV vai na contramão dos demais especialistas e afirma ser necessária a apuração do caso. Ele diz que os meios informais não existem no Direito e que não há criatividade na responsabilização de investigados.

“A reportagem deixa claro que o ministro usou de meios informais, inexistentes no Direito, para fundamentar suas próprias decisões tomadas de ofício. Em que pese as tentativas de justificar as atitudes do ministro, as conversas do servidor do TSE e do juiz auxiliar do ministro no STF mostram que existia o conhecimento da irregularidade procedimental”, rebate.

“O ministro diz que as respostas do TSE eram juntadas imediatamente nos processos, mas e as comunicações pelo WhatsApp? Após resposta do servidor do TSE de inexistência de ilegalidade do veículo de imprensa [Revista Oeste], a resposta do juiz auxiliar foi que ele ‘usasse a criatividade’, porém o processo penal democrático não comporta ‘criatividade’ para responsabilizar investigados”, diz Enio.