O Peru completa, nesta terça-feira (7), dois meses dos incessantes protestos que pedem a renúncia da presidente Dina Boluarte, uma mobilização que o governo reprime com truculência “para restaurar a estabilidade e a paz social”.

As manifestações, que eclodiram em 7 de dezembro com a destituição do ex-presidente Pedro Castillo e deixaram pelo menos 48 mortos, também exigem a mudança do Congresso.

Os protestos são mobilizados, em sua maioria, por peruanos de origem indígena do empobrecido sul andino que pedem eleições gerais antecipadas.

Entre bloqueios de rodovias, paralisação econômica e estado de emergência em nove das 25 regiões do país, a Presidência e o Parlamento parecem incapazes de chegar a um consenso.

Na última sexta-feira (3), o Parlamento decidiu congelar, até agosto, qualquer debate sobre antecipar as eleições, enterrando a possibilidade de renovar as autoridades em 2023.

Sem sinais evidentes de solução, três analistas apresentam possíveis cenários.

– Renúncia –

Prevista na Constituição, a renúncia de Boluarte faria o presidente do Congresso assumir seu posto, interinamente, com a missão de convocar eleições, ainda que sem prazo estipulado.

“O único (cenário) que existe é a saída da presidente Boluarte”, diz Paula Távara, cientista política e professora da Universidade Católica.

O Congresso deixou “os cenários de saída nas mãos do Executivo”, acrescenta a especialista, reconhecendo, porém, que a renúncia é “altamente improvável”.

Boluarte chegou a admitir que a renúncia “não está em jogo”, pois afirma que seria ceder à “chantagem política”.

Para Távara, outra razão para esta posição da atual presidente é o medo de enfrentar a Justiça e “assumir as consequências” dos mortos nos protestos.

“Percebe-se esse claro alinhamento de estratégia” entre as iniciativas dos dois poderes, que por enquanto mantêm seus cargos até 2026, diz a cientista política Patrícia Paniagua, enfatizando que a renúncia iria contra os interesses de Boluarte e dos partidos de direita no Congresso que apoiaram sua nomeação.

– Destituição –

O impeachment, ou vacância presidencial, um poder do Congresso regulamentado na Constituição Peruana, derrubou três presidentes neste século: Alberto Fujimori (2000), Martín Vizcarra (2020) e Pedro Castillo (2022).

O rumor persistente de que Boluarte será a próxima a ser destituída ronda o Congresso do país, embora exija os votos de dois terços dos membros do Legislativo (87 de 130 congressistas) para se concretizar.

“Dada a imaturidade política” da classe dominante, tanto a vaga quanto a renúncia são “muito improváveis”, avalia Alonso Cárdenas, professor de Ciência Política da Universidade Antonio Ruiz de Montoya.

“Esse cenário parece um tanto confuso, já que não há votações, mas (…) devemos acreditar que será discutido” em breve, acrescenta Paniagua.

– Protestos em massa –

Também não está descartada a possibilidade de que a crescente indignação de alguns setores insatisfeitos possa levar a protestos em massa semelhantes aos do Chile, em 2019, ou da Guatemala, em 2020.

“Com o ânimo mais acalorado e uma maior frustração pela falta de respostas às suas reivindicações e uma maior organização, é possível que a mobilização seja mais aguçada”, alerta Távara.

Um agravamento do conflito poderia forçar a presidente e o Congresso a aceitarem qualquer modelo de avanço eleitoral, mas “a um custo muito alto”, diz a especialista.

“Infelizmente, esta semana sem decisão nos aproximou deste cenário”, acrescenta.

A possibilidade de que Boluarte e o Congresso terminem seu mandato em 2026 também é viável, sobretudo, pelo desgaste das mobilizações, que já duram 60 dias.

Paniagua acredita que o cansaço dos cidadãos mobilizados é considerado pelo governo.

“A resposta das ruas é enérgica, é firme (…) mas até que ponto isso é sustentável a médio ou longo prazo?”, questiona.

Távara argumenta, por sua vez, que esse cenário pode melhorar, se o governo fizer concessões, incluindo a mudança de gabinete, a sanção dos responsáveis pelas mortes e a abertura do diálogo com os manifestantes.

Já Cárdenas acredita que Boluarte assuma a posição de que “não aconteceu nada aqui” e deixe a mobilização morrer sem precisar ceder.