Um ex-aluno do Colégio Estadual Professora Helena Kolody entrou armado na sua antiga escola e disparou contra dois alunos. O ato de violência ocorreu na cidade de Cambé, no norte do Paraná e resultou na morte de uma adolescente de 16 anos. Outro jovem segue internado.

O atirador conseguiu ser imobilizado por um professor, que passou por um treinamento de segurança pública realizado neste ano. De acordo com a Polícia Militar, o autor dos disparos tem 21 anos e foi preso e encaminhado para a delegacia, em Londrina.

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Segundo o Governo do Paraná, o suspeito entrou no colégio alegando que solicitaria o histórico escolar. O governador do Estado, Carlos Massa Ratinho Junior (PSD), decretou luto oficial de três dias e lamentou o ocorrido.

Esse, entretanto, não é um caso isolado na história brasileira. Há 21 anos, o país sofreu seu primeiro ataque violento a uma escola e, de lá para cá, esses acontecimentos têm se intensificado na sua frequência, especialmente nos últimos anos.

Por que eles ocorrem e o que pode ser feito para evitá-los? Buscando responder a essas questões, a IstoÉ entrevistou especialistas da área da educação, direito e saúde que analisam a complexidade do problema.

Histórico de ataques no Brasil

O primeiro ataque contra uma comunidade escolar no Brasil ocorreu em 2002, em Salvador. Desde então, ocorreram 31 ataques com violência extrema entre janeiro de 2002 e maio de 2023, aponta estudo da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Nesse período, 36 pessoas morreram, sendo a maioria delas estudantes (25) seguida por professoras (4). Do total, cinco atiradores se suicidaram. Esse levantamento ainda não inclui o caso desta segunda-feira, 19, no Paraná.

Nos últimos anos, vem ocorrendo um aumento na frequência destes ataques no país. Até 2021, aconteciam cerca de três ataques por ano nas escolas brasileiras, mas desse ano em diante o ritmo aumentou significativamente. Em 2022 foram dez ataques e 2023 já soma sete ataques até maio em diferentes estados (São Paulo, Rio de Janeiro, Amazonas, Goiás, Ceará e Mato Grosso do Sul).

Motivações dos ataques

Segundo o professor e pesquisador da Faculdade de Educação da USP, Daniel Cara, as principais motivações para os ataques são a vingança contra a sociedade e a escola, o ódio às mulheres, o racismo, o capacitismo e a lgbtfobia. “De 2019 para cá o fenômeno recrudesceu por dois motivos: flexibilização das regras para acesso às armas de fogo e conivência do Poder Executivo federal, das plataformas digitais e da sociedade com os discursos de ódio”, afirma.

Para o advogado Alberto Kopittke, mestre em criminologia, doutor em políticas públicas e diretor executivo do Instituto Cidade Segura, esses tipos de ataques com armas de fogo ou brancas voltados para matar, diferentes de uma briga escolar, são um fenômeno recente no Brasil e no mundo.

“Isso é uma combinação de fatores individuais de uma criança que muitas vezes foi excluída, sofreu bullying e que acaba transformando tudo isso em ódio, especialmente nos últimos 20 anos porque encontram um ambiente nas redes sociais propício ao extremismo ideológico, que traz como resposta a violência completa”, diz. Ele defende que esses atos são uma espécie de “ataque terrorista” de ideias extremistas que se fortaleceram muito no país especialmente nos últimos quatro anos, com o fortalecimento dos discursos e símbolos relacionados às armas de fogo.

De acordo com o doutor Fabiano de Abreu Agrela Rodrigues, pós-doutor e PhD em neurociências, estamos vivendo uma “epidemia” de distúrbios mentais. “Ela tem relação com a cultura formatada reflexo do uso excessivo de redes sociais. Isso causa alteração no cérebro e desencadeia comportamentos narcísicos”. Segundo o especialista, os neurônios copiam comportamentos positivos e negativos para suprir a necessidade dos jovens de chamar a atenção e a região do cérebro relacionada com o raciocínio e com a noção de consequência fica prejudicada, gerando atitudes impulsivas e irracionais.

Insegurança entre professores

Uma pesquisa sobre violência escolar feita pela Nova Escola, organização sem fins lucrativos que trabalha com a formação dos professores, em agosto de 2022 com 5305 educadores de todo o Brasil revela dados preocupantes.

Segundo o levantamento, 80% dos professores relataram casos de violência nas escolas onde trabalham. Entre aqueles que já foram alvo de violência, 51,2% relatam terem sofrido violência verbal. A violência psicológica é relatada por 22,9% e a violência física representa 7,5% dos casos.

De acordo com os profissionais, 50,5% alegam que os estudantes são os principais agressores. Em seguida, 25,6% relatam os pais dos alunos; 11,4% apontam que os agressores são os gestores das escolas e cerca de 9% citam outros professores ou colegas.

“O estudo mostrou que 70% dos professores viram um aumento da violência após o retorno do ensino remoto e isso indica que a pandemia piorou as questões de convivência e relacionamento nas escolas. Os jovens ficaram dois anos com muito pouco contato com seus pares e, na escola, há uma demanda alta por interação, mas interagir passou a ser algo difícil, que precisa ser reaprendido”, explica Ana Ligia Scachetti, pedagoga e diretora executiva da Nova Escola.

Além disso, o fato de muitas crianças não terem conseguido acompanhar as propostas da escola durante o ensino remoto gerou uma heterogeneidade muito grande dentro das turmas. “Uma criança ou um adolescente que está com defasagem pode ficar mais irritado e menos engajado nas atividades”, diz ela.

Políticas de prevenção à violência

É unanimidade entre os especialistas consultados pela IstoÉ que a solução passa por um trabalho de longo prazo, focado na cultura da escola como um todo. “Combater a violência e disseminar a paz precisa ser um esforço de todos que vivenciam a escola, inclusive das famílias. A escola tem que ter espaços de acolhimento e um plano para lidar com suspeitas e com a prevenção. Os professores e funcionários precisam ter apoio, orientação e formação e as crianças e famílias têm que ter espaço para opinar, desabafar e participar, de fato, da escola”, afirma Scachetti.

Como uma iniciativa nesse sentido, em maio a Nova Escola criou o movimento “Escola Sem Medo” para restaurar o ambiente de paz e resgatar a força das escolas. O objetivo é construir espaços de diálogo, escuta e de disseminação de informações confiáveis.

Kopittke defende que o poder público deve criar uma política de prevenção à violência baseado em evidências científicas trabalhada em diversos níveis. “O primeiro é universal, para o conjunto de crianças, e é conhecido como “cultura de paz”. Isso, porém, não pode ser feito de forma romântica e precisa ter uma metodologia”, explica.

Segundo o advogado, o método que tem apresentado os melhores resultados até agora é a educação socioemocional, que tem um programa bem estruturado com currículo que vai desde o ensino infantil até o ensino médio, desenvolvendo habilidades nas crianças como o controle da impulsividade, a empatia, o diálogo e a capacidade de escutar por meio de várias técnicas como o “mindfulness”, o diálogo colaborativo e a justiça restaurativa.

“É importante também desenvolver a capacidade de detecção precoce de comportamentos de risco, como o isolamento excessivo, muita agressividade e gosto por armas e guerras. Isso não significa que todo jovem que tenha certas características vai se tornar um extremista, mas é preciso desenvolver com eles um trabalho que envolve também as famílias”, defende Kopittke.

Ele afirma que é preciso usar técnicas cognitivas-comportamentais para “quebrar” alguns pensamentos que o jovem já possa ter, como preconceitos ou o sentimento de que “ninguém gosta de mim”. “Se você apenas expulsa esse jovem da escola, a chance dele voltar e realizar um ataque aumenta e só jogar um jovem no presídio também aumentará o seu ressentimento e ele voltará pior para a sociedade”.

Por fim, além das iniciativas já tratadas, Cara destaca uma série de ações que complementam o trabalho de prevenção da violência nas escolas. Entre elas estão:

  • Responsabilizar plataformas digitais pelos conteúdos veiculados nelas;
  • Criar equipes policiais treinadas em monitoramento de redes sociais com capacidade de realização de análise de risco, para triagem e atuação preventiva;
  • Fortalecer a ronda escolar e os vínculos entre a direção da escola e batalhões locais;
  • Treinar professores e funcionários para conseguirem identificar comportamentos que precisam despertar ações da comunidade escolar.
  • Criar ações para instruir as pessoas a evitarem repassar boatos e mensagens sem procedência identificada, para evitar pânico.
  • Endurecer o controle e fiscalização da compra de armas de fogo e munições para restringir o acesso a instrumentos mais letais por parte dos agressores.
  • Rever facilitações dadas para a permissão de adolescentes (a partir de 14 anos) em clubes de tiro, ainda que acompanhados de um responsável.