Cenas de meninas compartilhando dicas de maquiagem e cuidados com a pele dominaram as redes sociais. Esses vídeos, que mostram garotas de 9 a 13 anos abusando de hidratantes, máscaras faciais e tutoriais de make-up, alcançam milhões de visualizações. Apelidado de ‘Sephora Kids’, o fenômeno acontece nos EUA e no Brasil ­­­e tem provocado uma consequência direta: crianças e adolescentes estão lotando as lojas de cosméticos em busca de produtos de beleza ­— muito antes de eles serem necessários.

Apesar de as políticas do Instagram e TikTok indicarem que apenas adolescentes acima de 13 anos podem se cadastrar na plataforma, é comum encontrar conteúdos de meninas bem mais novas mostrando suas prateleiras de produtos e a rotina extrema dos cuidados com a pele. Seria importante, para os pais — e para as próprias meninas — compreender que essa tendência não está isenta de riscos. Recentemente, uma jovem britânica quase perdeu a visão após seguir dicas de uma influenciadora que viu no TikTok.

No Brasil, mães relatam que suas pré-adolescentes estão exagerando na preocupação com a pele e que tem sido difícil controlar o consumo e o interesse delas por esse tema. Mãe de duas meninas — Larissa, de 15 anos, e Mariana, de 11 —, a enfermeira esteta Débora Damico é o termômetro exato dessa influência das redes sociais sobre a vida das jovens. Profissional do ramo e ciente da situação, Débora explica que o diálogo é sua ferramenta para explicar a elas a diferença entre a pele de uma e da outra.

“Na adolescência, o uso de maquiagem é inevitável. Mas é preciso usar o produto adequado e ensinar como deve ser feita a limpeza após a remoção da maquiagem”, afirma.

Na faixa de idade da filha mais nova, o cuidado tem de ser redobrado, já que a epiderme das crianças não possui a mesma resistência que a dos adultos. “É uma pele mais sensível. Uma boa higienização com o sabonete correto e protetor já seria uma boa skincare para ela”, diz.

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O papel dos pais: supervisão evita uso excessivo de produtos (Crédito:Rogério Albuquerque)

A exposição excessiva ao tema tem potencial para afetar significativamente a forma como as crianças percebem a si mesmas e o seu valor. O uso incorreto de alguns produtos pode causar efeitos negativos, como resistência bacteriana, reações alérgicas e piora de condições pré-existentes.

De acordo com Fernanda Sanches, especialista em cosmetologia e CEO da Cosmobeauty, empresa de dermocosméticos, os cuidados com a pele não devem ser seguidos apenas porque um influenciador ou outro indicou. “O uso incorreto de alguns produtos pode até mesmo causar efeitos contrários aos desejados ou gerar resistência”, afirma.

“Se uma criança aplicar um ácido como o retinol pode sensibilizar a pele ou gerar uma queimadura. A pele nessa idade não precisa de esfoliação.”
Ligia Novais, dermatologista

Os produtos divulgados nesses vídeos, apesar de serem embalados em cores suaves, contêm substâncias agressivas como o retinol, destinado a peles maduras. Dermatologista especialista pela Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD), Ligia Novais aponta que alguns cosméticos contêm substâncias que podem causar ferimentos sérios. “Se uma criança aplicar um ácido como o retinol pode sensibilizar a pele ou gerar uma queimadura. A pele nessa idade não precisa de uma esfoliação ou afinamento da camada córnea”, conclui.

Pressão e frustração

O nicho de mercado para essa faixa etária ainda é pequeno. Pré-adolescentes, que ficam entre a infância e a adolescência, estão em uma espécie de ‘limbo’ dentro desse universo, já que há pouquíssimas opções direcionadas a elas. Segundo a psicanalista Elainne Ourives, a ‘falha’ em alcançar os resultados prometidos pode levar a frustrações e sentimentos de inadequação. “A longo prazo, a pressão para alcançar um ideal inatingível de beleza pode contribuir para o desenvolvimento de transtornos. A fixação pode incentivar comportamentos compulsivos de verificação e cuidados excessivos com a pele, podendo evoluir para transtornos obsessivo-compulsivos (TOC)”, revela.

Para Nina Ferreira, médica psiquiatra especialista em neuropsicologia, a preocupação antecipada prejudica o desenvolvimento saudável do cérebro. “Quanto mais contato com o tema, e de maneira repetida, mais as crianças internalizam a importância e a relevância desse assunto de forma instintiva”, diz.

O papel dos pais é fundamental. Eles podem incentivar as crianças a agirem de forma saudável e natural, sem recorrer a procedimentos estéticos desnecessários ou prejudiciais. Débora conta que já atendeu pré-adolescentes que utilizavam produtos sem acompanhamento, como, por exemplo, a vitamina C, que provoca irritabilidade, hiperemia e sensibilidade na pele jovem. “O protetor solar é o melhor produto para fazer o skincare desde a infância”, enfatiza. As especialistas reiteram que ao promover uma educação adequada sobre cuidados com a pele desde a infância, é possível garantir que as crianças cresçam com uma autoestima saudável, construindo uma relação equilibrada com sua imagem corporal.