25/07/2018 - 10:24
Embora tenha deixado os holofotes, a epidemia de zika não terminou. O alerta foi feito por Gustavo Correa Matta, membro da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e coordenador da “Rede Zika Ciências Sociais”.
Convocados por Gustavo, os principais pesquisadores do vírus no Brasil se reúnem nesta terça-feira e quarta-feira na Fiocruz com famílias de crianças com microcefalia para refletir sobre as lições aprendidas com a epidemia que eclodiu em 2015 e para discutir como lidar com uma eventual nova epidemia de zika no país.
A AFP conversou com o pesquisador sobre este vírus, que foi descoberto em 1947 em uma selva de Uganda homônima, e que começou a se espalhar no início de 2015 no nordeste do Brasil para se tornar rapidamente uma epidemia presente em toda a América Latina, associando-se a um surto de nascimentos de crianças com microcefalia.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou uma emergência global pelo zika vírus em fevereiro de 2016, pouco antes dos Jogos Olímpicos Rio-2016, antes da propagação desta doença, transmitida pelo mosquito Aedes aegypti, vetor da dengue e também da chicungunha, mas levantou o alerta nove meses depois.
O Brasil pôs fim a seu alerta em maio de 2017, observando uma queda no número de casos.
– O zika continua a preocupar?
O zika diminuiu em termos numéricos e hoje há poucos casos. Isso fez com que praticamente desaparecesse da imprensa e da agenda política, mas, em termos simbólicos, a epidemia do zika não acabou, porque suas repercussões continuam e muitas questões científicas não foram respondidas.
– Quais questões ainda estão pendentes?
Por exemplo, a forma de transmissão do zika. O mosquito Aedes aegypti é o principal transmissor, mas também foi comprovado que a doença pode ser transmitida sexualmente. Contudo, não se sabe exatamente a carga viral, ou a capacidade dessa transmissão. Outra pergunta diz respeito à transmissão via placenta. Por que foram mais severos os casos de microcefalia no nordeste em comparação a outros estados?
– Há um risco real de uma nova epidemia de zika no Brasil?
Não temos um histórico da epidemia de zika como temos, por exemplo, da dengue. Não conhecemos a imunorresistência da população e também não sabemos se quem contrai zika uma primeira vez pode ficar doente novamente. Muitos estudos de modelos epidemiológicos apontam que, em três ou quatro anos, poderia haver uma nova epidemia, ou talvez menos. É um exercício de previsão e adivinhação. Se analisarmos o modelo da dengue, que pesquisamos há mais de 30 anos, vemos que é uma doença cíclica, temos ondas epidêmicas a cada dois, três anos.
Teremos uma nova epidemia, ou não? Como será sua extensão? Vai gerar novos casos de microcefalia? Há muitas questões em aberto.
– O Brasil está preparado para essa hipotética nova epidemia?
Com o corte de recursos para a ciência e também nas políticas públicas, e tendo em conta os problemas de saneamento, condições de vida, água tratada, controle de vetores, prevenção, monitoramento, capacitação de trabalhadores para identificação precoce, sem teste de diagnóstico confiável… Hoje, não estaríamos preparados, para isso precisamos de mais recursos.
– Quais seriam as prioridades?
O básico é ter um bom teste de diagnóstico, mas ainda não dispomos de um confiável. Levando em conta que de cada cinco casos de zika apenas um é sintomático, nós não temos uma constância de diagnóstico que possa indicar se alguém teve zika há muito ou pouco tempo. Além disso, estamos muito longe de desenvolver uma vacina, enquanto a síndrome congênita pelo vírus zika não consta na classificação internacional de doenças, o que faz com que muitas pessoas não tenham acesso aos serviços especializados.
– Qual é a situação das famílias com filhos com microcefalia no Brasil?
Temos dificuldades em monitorar as crianças que nasceram com microcefalia. Cerca de dois terços dessas crianças não recebem atenção especializada. Não estamos recebendo os recursos necessários para dar assistência a essas famílias nem para investigar.