Lucas Rizzi e Tatiana Girardi SÃO PAULO, 25 DEZ (ANSA) – Donald Trump e Jacinda Ardern estão separados por 14 mil quilômetros, pelo maior oceano do planeta e por formas praticamente antagônicas de ver o mundo, mas compartilham uma coisa em comum: o microscópico Sars-CoV-2, que deixou de joelhos a maior potência da história, mas não se criou no principal arquipélago da Oceania, foi determinante em seus destinos.   

Se levou hospitais ao colapso e paralisou economias, o novo coronavírus também chacoalhou a política e colocou à prova líderes que se viram de repente diante da maior pandemia em um século. Fechar fronteiras? Trancar as pessoas em casa? Restringir atividades econômicas? Fingir normalidade em busca de uma ilusória imunidade de rebanho? Enquanto ainda aprendiam a lidar com uma crise inédita, presidentes e primeiros-ministros foram forçados a tomar decisões difíceis – ou levados a ignorá-las pelo medo da impopularidade – e não ficaram imunes ao Sars-CoV-2, mas também aproveitaram a ocasião para reforçar agendas pré-pandemia.   

Em ano eleitoral, Trump passou o tempo culpando a China por uma crise sanitária que ele sempre buscou minimizar. “Vírus chinês” foi um termo constante em seus tuites, entrevistas e comícios, alguns deles lotados e com o público ignorando a principal arma contra a disseminação do Sars-CoV-2: as máscaras de proteção.   

Enquanto isso, seu rival democrata, Joe Biden, promovia eventos a distância ou no formato drive-in e prometia dar prioridade à ciência na luta contra a pandemia. “Se vocês votarem em Biden, […] ele vai ouvir os cientistas”, disse Trump certa vez, em tom de acusação.   

Os EUA não apenas escolheram Biden, como lhe deram a maior votação na história do país em números absolutos, quase 81,3 milhões, 7 milhões a mais que o republicano.   

Pulso firme premiado – Do outro lado do planeta, a jovem premiê de centro-esquerda da Nova Zelândia, Jacinda Ardern, de 40 anos, não hesitou: fechou fronteiras, impôs lockdown e conseguiu zerar a transmissão interna do novo coronavírus duas vezes, algo único no mundo desenvolvido.   

Já relativamente popular devido à reação empática após o atentado de 2019 em duas mesquitas de Christchurch, Ardern viu sua aprovação disparar durante a pandemia. O reflexo disso apareceu em outubro, com uma vitória esmagadora nas eleições legislativas e maioria absoluta para o Partido Trabalhista no Parlamento.   

“Tanto na derrota de Trump como na vitória de Jacinda, o fator da pandemia foi determinante. Não vou dizer que foi o único, claro – especialmente na derrota de Trump, tem outros fatores também -, mas foi muito importante”, afirma Pedro Brites, professor da Escola de Relações Internacionais da Fundação Getulio Vargas (FGV), em entrevista à ANSA.   

Na Itália, governadores “linha dura” no combate à Covid-19, como Luca Zaia (Vêneto), de extrema direita, e Vincenzo De Luca (Campânia), de centro-esquerda, foram reeleitos com percentuais nunca antes vistos no país.   

Um pouco mais ao norte, na Alemanha, a chanceler Angela Merkel, já de aposentadoria marcada para 2021, se aproximou de seus maiores índices de aprovação com medidas firmes e discursos serenos, porém realistas, sobre o risco da pandemia.   

Para o cientista político Márcio Coimbra, coordenador da pós-graduação em relações institucionais e governamentais da Faculdade Presbiteriana Mackenzie de Brasília, governos que não trataram a pandemia de forma negacionista “tiveram resultados melhores nas urnas”. “Ao contrário, os líderes negacionistas estão tendo dificuldade, como Trump e Lukashenko em Belarus, que teve de fazer uma fraude eleitoral para ser reeleito e está sendo questionado nas ruas até hoje”, acrescenta.   

Segundo ele, outsiders embalados pelo nacionalismo sucumbiram em sua maioria à falta de gestão pública em um momento de crise. “A pandemia acaba separando os adultos das crianças, quem sabe lidar com a política de quem não sabe. A pandemia escancarou a falta de gestão dos outsiders e acabou consolidando os poucos que tinham um plano de gestão para mostrar”, ressalta Coimbra, que prevê uma volta dos políticos tradicionais, assim como Biden, um experiente ex-presidente de 78 anos eleito para encerrar a “era Trump”. “É o retorno dos adultos à sala.” Houve ainda quem mudasse de rota durante o caminho. Boris Johnson, que inicialmente minimizara a pandemia, contraiu o novo coronavírus, foi parar na UTI e se deu conta do preço em vidas que o Reino Unido pagaria na busca por uma suposta imunidade de rebanho.   

O primeiro-ministro conservador impôs medidas duras para frear o Sars-Cov-2, como lockdown e fechamento dos pubs, um dos pilares da vida social britânica, e adotou uma estratégia agressiva na compra de vacinas anti-Covid.   

No fim das contas, também viu na crise a chance de uma cartada política: enquanto a União Europeia ainda analisava a eficácia do imunizante da Biontech/Pfizer, o Reino Unido iniciou a vacinação em 8 de dezembro, deixando para trás a parceira de quem estará oficialmente divorciado em 1º de janeiro de 2021.   

“A ficha caiu quando ele pegou o vírus e quase morreu. Foi o Serviço Nacional de Saúde [o ‘SUS’ britânico] que salvou a vida dele”, afirma o professor David Verge Fleischer, do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB). Para o docente, a antecipação da vacinação para sair na frente da UE é um “trunfo político, uma glória” para o Reino Unido, mas “não afetou de modo algum o Brexit”.   

Tensão – A pandemia também movimentou o cenário político longe do mundo rico. Sempre de olho em Trump, o presidente Jair Bolsonaro minimizou a pandemia, criticou medidas restritivas, comemorou um contratempo nos estudos sobre a vacina chinesa Coronavac, chegou atrasado na corrida pela compra de imunizantes, ironizou mortes, desprezou recomendações de segurança e acabou ignorado nas eleições municipais.   

Nas capitais, todos os candidatos apoiados publicamente por Bolsonaro foram derrotados, embora ele tenha conseguido estancar a sangria de popularidade com o auxílio emergencial que tirou milhões de pessoas da pobreza extrema.   

“O que as pessoas acabaram sentindo na sua vida foi a falta de gestão. É o que a gente tem visto, por exemplo, com Bolsonaro.   

Eu falo de dentro porque participei do governo no começo, como uma das primeiras pessoas a sair quando eu realmente enxerguei essa situação. Eu via que o governo não primava pela gestão pública”, conta Coimbra, que pediu demissão do cargo de diretor de gestão corporativa da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex) em abril de 2019.   

Já para Brites, houve uma derrota do “nacionalismo mais exacerbado”, que de repente se viu diante de uma situação que só pode ser resolvida multilateralmente e em coordenação com a comunidade internacional – Trump chegou a romper com a Organização Mundial da Saúde (OMS), enquanto Bolsonaro ameaçou imitá-lo.   

“Eles [os nacionalistas] sempre têm a tendência de atacar as instituições multilaterais, de ficar fechados nas suas próprias decisões. E isso acabou enfraquecendo muito o nacionalismo, eles não tinham muitas respostas para dar, e a resposta foi negar a pandemia”, diz o professor da FGV. (ANSA).