SÃO PAULO, 19 OUT (ANSA) – Por Lucas Rizzi – O próximo dia 28 de outubro marcará o 96º aniversário da Marcha sobre Roma, a histórica manifestação que simbolizou a ascensão de Benito Mussolini (1883-1945) ao poder na Itália. Passado quase um século, o mundo debate se o fascismo ainda vive ou se foi sepultado com seu criador.   

O intelectual italiano Umberto Eco (1932-2016), no ensaio “Fascismo eterno”, defende que a ideologia fascista é adaptável e pode ser reconhecida nos dias de hoje, ainda que dispense uma ou outra característica histórica. “Existiu apenas um nazismo […] Ao contrário, é possível jogar o fascismo de muitos modos, e o nome do jogo não muda”, diz.   

Na obra, Eco lista 14 elementos que caracterizam o que ele chama de “fascismo eterno”: culto à tradição, recusa da modernidade, ação pela ação, o desacordo interpretado como traição, medo do diferente, apelo às classes médias frustradas, nacionalismo e xenofobia, medo do inimigo, crítica ao pacifismo, desprezo pelos mais frágeis, culto da morte e do heroísmo, machismo, populismo qualitativo e simplificação da linguagem.   

Em entrevista à ANSA, Luciano Zani, professor de história contemporânea da Sapienza Universidade de Roma e especialista no assunto, explica que algumas características do fascismo histórico italiano, como o imperialismo, não são “repetíveis” nos dias de hoje. “Mas há uma série de fatores que, em diferentes contextos históricos, com diferentes instrumentos de comunicação de massa, poderiam assumir um fascismo atualizado”, diz. Confira abaixo: ANSA: Como podemos definir o fascismo? Luciano Zani: O fascismo italiano, que surge após o fim da Primeira Guerra Mundial, é um fenômeno histórico-político novo e também muito complexo. Uma premissa necessária é que o fascismo italiano – assim como o nazismo, o salazarismo e tantos outros regimes autoritários e totalitários do século 20 – é um fenômeno histórico concluído. Isto é, não é repetível do mesmo modo.   

Pode-se, no entanto, tentar identificar uma série de fatores que, em condições históricas diversas, com modalidades e instrumentos diversos, possam representá-lo. O berço no qual nasce o fascismo italiano é certamente a ideologia mais forte e adaptável dos últimos séculos de história: o nacionalismo. Uma forma de nacionalismo exasperado que fixa um elemento forte da identidade cultural no culto da nação e da pátria. O culto da pátria não é algo por si só fascista, mas foi direcionado naqueles anos a fins de grandeza e potência da nação e à sua capacidade de se expandir no exterior.   

ANSA: Quais aspectos do fascismo histórico italiano podem ser incorporados por movimentos e políticos dos dias de hoje? Zani: Essa dimensão imperialista-colonial é obviamente uma das que me parecem menos repetíveis no mundo global de hoje. Mas há outros elementos que podemos considerar repetíveis. O primeiro é o fato de que o fascismo se impõe conseguindo unir dois objetivos aparentemente conflitantes: a necessidade de ordem e segurança, proveniente sobretudo dos longos anos de guerra; e ser uma força nova, jovem, juvenil e capaz de exprimir também a vontade de rebelião, até de revolução, de outros extratos da população. O fascismo se proclama uma revolução, no sentido da completa destruição da ordem liberal precedente e da construção de um Estado novo. A capacidade política de conjugar ordem e revolução é o primeiro elemento forte da identidade fascista.   

Isso significa utilizar o nome da ordem, a via legal, para a conquista do poder.   

ANSA: Como o fascismo usava a violência como plataforma política? Zani: Uma característica da nova política fascista é o uso da violência, como se os veteranos da Primeira Guerra nunca tivessem terminado de combater. Continuam a utilizar a violência, os símbolos, os ritos, os sacrifícios próprios da guerra no pós-guerra, mas contra um novo inimigo: o velho mundo liberal e o perigo nascente do mundo social-comunista. O uso combinado de legalidade e violência é outro elemento que caracteriza o fascismo histórico italiano. Isso significa que o fascismo exalta a força, a virilidade guerreira do homem, em prejuízo da mulher, que é colocada completamente à margem. Há desprezo pelo gênero feminino e exaltação da ação, do culto da morte, da força. E, obviamente, exaltação da força significa exaltação das armas, qualquer tipo de arma que sirva à ação pela ação. Isso implica um enorme desprezo pela democracia, pelos direitos da democracia, pelas passagens às vezes lentas e complexas da democracia, em favor de um poder executivo forte, onde haja necessariamente um líder reconhecido como expressão da nação e das massas populares. Outra característica do fascismo é a abolição de qualquer mediação entre o líder e o povo. Há necessidade de uma relação direta, de simbiose, de identificação total entre o líder e as massas. (Continua)