Alerta foi enviado para celulares 48 horas após o início das chuvas. Número de mortos na enchente do século que devastou o leste do país chega a 205.Carros amontanhados bloqueiam estradas na província de Valência, enquanto equipes de resgate procuram desaparecidos. Moradores tentam salvar o que restou e outros deixam as regiões mais atingidas e buscam abrigo na casa de parentes ou amigos.

A enchente do século que devastou o leste da Espanha deixou ao menos 205 mortos – 202 somente em Valência, segundo o balanço divulgado pelas autoridades nesta sexta-feira (01/11). A cidade de Paiporta, um município de 27 mil habitantes que foi o epicentro da tragédia, registrou 62 mortos. Há ainda dezenas de desaparecidos. Além dos mortos em Valência, houve duas mortes na região de Castela-Mancha e uma na Andaluzia.

De acordo com a prefeita de Paiporta, Maribel Albalat, muitos ficaram presos em andares baixos ou em garagens. "Muitos moravam em andares baixos que, como nunca foram inundados, não saíram e permaneceram lá. Outros estavam em lojas que foram bloqueadas por carros encravados nas portas, e outros foram tirar seus carros das garagens e não conseguiram mais sair", contou.

A província de Valência enfrenta também falta de alimentos, água potável e energia.

O governo espanhol enviou mais 500 militares para se juntar aos 1.200 que desde terça-feira estão nas áreas devastadas. De acordo com a ministra da Defesa espanhola, Margarita Robles, os militares atuam na busca por desaparecidos, na limpeza de estradas e no fornecimento de água, alimentos e medicamentos à população.

"As Forças Armadas vão estar em todas as localidades afetadas, onde for preciso, sem nenhum tipo de limitação de meios", garantiu Robles, ao ser questionada sobre as queixas de populações de várias localidades por falta de assistência mais de 48 horas após o temporal. "É uma tragédia de proporções absolutamente incríveis", acrescentou.

Reação lenta

Em meio à tragédia, autoridades estão sendo acusadas pela demora no envio de alertas sobre a enchente. A Defesa Civil da província de Valência teria disparado para os celulares o primeiro alerta pelo sistema ES-Alert somente às 20h (horário local) de terça-feira. Nesse momento, as chuvas torrenciais já ocorriam há 48 horas, pequenos rios já tinham transbordado e ruas estavam alagadas.

Pelo ES-Alert, autoridades podem enviar alertas de desastre para telefones celulares em áreas de risco sem precisar do número de telefone. No domingo passado, o governo de Valência e de outras regiões chegaram a testar o sistema. Segundo o jornal Valencia Plaza, depois de uma primeira tentativa falha, o alerta foi reenviado e chegou à maioria dos celulares com dez minutos de atraso.

O governador de Valência, Carlos Mazón, afirma que não houve problema técnico com relação ao momento do envio do alerta na terça, e justifica que a data e horário do envio seguiram os protocolos para notificar a população. O chefe dos bombeiros de Valência, Jóse Miguel Basset, confirmou a declaração, ressaltando que esse aviso chega a milhares de pessoas e, por isso, todo cuidado é necessário para evitar reações exageradas.

Nível de alerta foi aumentado após enchentes

Chuvas fortes não são incomuns no clima seco da Espanha. Especialmente no sudeste do país, o fenômeno meteorológico conhecida como DANA costuma trazer quantidades extremas de chuva.

"A princípio, o DANA pode ser visto em modelos. Mas as implicações, como volume de chuva e local, só podem ser previstas poucas horas antes", afirma o meteorologista Andreas Walter, do Serviço Meteorológico Alemão (DWD).

Isso se reflete também nos alertas da Agência Estatal de Meteorologia espanhola (Aemet). Havia previsão de chuvas fortes para o fim de semana passado em todo o sul do país. Desde sábado, meteorologistas vinham ajustando as previsões e os alertas de tempestades para diversas regiões. Alguns municípios em Valência chegaram a cancelar as aulas na terça.

Na manhã de terça, a Aemet elevou o alerta para a província de Valência de laranja para o nível mais alto, vermelho. Às 7h47 (horário local), o governo fez o mesmo, segundo o jornal La Razón. Uma hora depois, o serviço de emergência pediu para que a população evitasse usar o carro, mas a vida seguiu o ritmo normal, diz o jornal.

Pouco antes do meio-dia, moradores de cidades à beira do Rio Magro, que corta a província de Valência de leste a oeste receberam um alerta para evitar se aproximar do rio devido ao risco de enchente. Enquanto isso, a central de emergência de Valência já publicava no X (antigo Twitter) atualizações e avisos constantes sobre a situação. Pouco antes das 16h, é publicado um vídeo mostrando uma água barrenta inundando estradas na região vinícola de Utiel-Requena e levando carros com ela. O nível de alerta mostrado pelo ES-Alert continuava, porém, laranja.

Bom protocolo

A Organização Meteorológica Mundial (OMM) declarou nesta sexta-feira que o protocolo espanhol de alerta para fenômenos meteorológicos extremos é "bom e robusto", mas a gestão de catástrofes muito localizadas em determinadas regiões deve ser melhorada.

"Não há dúvidas de que os sistemas de alerta precisam ser melhorados no futuro em todo o mundo, especialmente quando se trata de tempestades grandes e muito localizadas", afirmou Omar Baddour, diretor de monitoramento climático da agência da ONU. O especialista destacou ainda que a questão vai além das agências meteorológicas e engloba também o uso do solo e planejamento urbano.

Baddour afirmou ainda que as mudanças climáticas vão "aumentar a gravidade destas tempestades no futuro, assim como sua frequência em determinados lugares". "Quanto mais a temperatura aumenta na atmosfera e no oceano, maior o acúmulo de água no ar, o que pode causar mais inundações repentinas."