Relatório do bloco aponta indícios de que Israel viola direitos humanos em Gaza. Apesar disso, UE mantém acordo comercial com Tel Aviv e parece ter desistido de pressionar Netanyahu após conflito com o Irã.Após a União Europeia produzir um duro relatório contra Israel sobre a situação dos direitos humanos na Faixa de Gaza, o primeiro-ministro da Espanha, Pedro Sánchez, criticou líderes do bloco por não trabalharem pela suspensão de um acordo comercial com Israel apesar do que chamou de "catastrófica situação de genocídio" e os acusou de dar tratamento diferenciado ao governo de Benjamin Netanyahu.
Mais de 55 mil palestinos foram mortos no enclave ao longo dos mais de 18 meses de bombardeios israelenses, segundo autoridades do território controlado pelo Hamas. Israel nega veementemente acusações de genocídio e afirma que trava uma guerra contra o grupo militante islamista após ser alvo de um atentado terrorista que matou cerca de 1,2 mil pessoas e fez outras 251 reféns – das quais 50 seguem presas.
Em um relatório distribuído na semana passada aos países-membros do bloco e baseado em achados e acusações de grandes órgãos internacionais, o Serviço Europeu para a Ação Externa encontrou "indícios" de que Israel estava descumprindo seu dever de respeitar os direitos humanos.
O documento, ao qual à DW teve acesso, destaca entre as suspeitas de violação possíveis ataques indiscriminados contra civis e infraestrutura de saúde, além do bloqueio israelense à entrada de alimentos e suprimentos médicos no território. "Há indícios de que Israel poderia estar violando suas obrigações de direitos humanos", conclui o relatório.
Ao chegar a Bruxelas para participar de uma cúpula do bloco nesta quinta-feira (26/06), Sánchez disse que era "mais do que óbvio que Israel está violando o Artigo 2º do acordo UE-Israel".
O artigo evocado por Sánchez impõe às partes o dever de basear suas relações no "respeito pelos direitos humanos e princípios democráticos, que orienta sua política interna e externa e constitui um elemento essencial" do acordo.
"Tivemos 18 pacotes de sanções contra a Rússia por sua agressão [à Ucrânia], e a Europa, com seus critérios inconsistentes, não é capaz de suspender um acordo de associação", disse o premiê espanhol.
Suspensão de acordo comercial está fora de cogitação
A Espanha e a Irlanda estão isoladas entre os 27 Estados-membros da UE em seus apelos públicos pela suspensão do acordo de associação com Israel. Tal medida precisaria de aprovação unânime, e por isso nunca foi considerada uma possibilidade real. Alemanha, Áustria, Bulgária, Grécia e Hungria continuam a manter uma estreita relação com Israel.
O chanceler federal da Alemanha, Friedrich Merz, em particular, foi categórico ao afirmar que a proposta está "fora de questão" para seu governo.
A suspensão do acordo abalaria tremendamente o comércio, prejudicando especialmente Israel, que importa um terço de seus bens da UE. Em vigor desde 2000, o tratado abrange desde o comércio bilateral – da ordem de 50 bilhões de dólares anuais, considerando somente os bens – ao diálogo político e cooperação em pesquisa e tecnologia.
Outra possibilidade, que demandaria uma maioria qualificada de 15 dentre 27 países, seria a suspensão parcial do acordo – por exemplo, de suas provisões sobre livre comércio, ou a exclusão de Israel do programa europeu de financiamento de pesquisas Horizon. Mas diversas fontes diplomáticas afirmaram à DW que também não há clima no bloco para isso.
Chefe da diplomacia da UE diz que objetivo não é "punir Israel"
O relatório foi apresentado mais cedo nesta semana pela a chefe da diplomacia da UE, Kaja Kallas, para um primeiro debate. Mas ela deixou claro que não haveria consequências imediatas.
"A intenção não é punir Israel, e sim desencadear melhorias concretas para as pessoas e as vidas das pessoas em Gaza", disse Kallas na segunda-feira. "Se a situação não melhorar, aí poderemos discutir outras medidas e voltar ao assunto em julho."
Nesta quinta-feira, líderes da UE que participaram da cúpula divulgaram um posicionamento conjunto em que afirmam ter "tomado ciência" do relatório, sem qualquer menção a possíveis violações de direitos, e prometem rever o assunto em julho. Ao mesmo tempo, eles reprovaram a "grave situação humanitária em Gaza, o número inaceitável de mortes civis e os níveis de fome".
Israel é o tema de política externa que mais divide a UE
A Espanha tem apelado por um embargo da UE à venda de armas a Israel e mais sanções. Contudo, a Alemanha, que éum dos principais fornecedores de Israel no setor de defesa, reafirmou recentemente que manterá esses negócios. Sem o apoio de Berlim, o impacto de um embargo seria muito pequeno.
Outros poucos países, como Bélgica, França e Suécia, apoiaram a imposição de sanções adicionais contra Israel, mas isso é algo que também requer unanimidade.
Alinhando-se a Sánchez, o chefe de governo da Irlanda, Michael Martin, avisou antes da cúpula que diria aos colegas na UE que "as pessoas na Europa acham incompreensível que a Europa não pareça estar numa posição de pressionar Israel".
Se a UE quiser exercer o máximo de pressão sobre Israel, teria que impor um embargo à venda de armas, sanções abrangentes contra membros do governo ou suspender totalmente o acordo de associação, opina Lisa Musiol, do think tank internacional Crisis Group. "Mas quase nenhum líder europeu fala sobre essas medidas", aponta Musiol. "Provavelmente não existe um assunto de política externa na UE que divida tanto seus membros."
Tensões no Irã mudaram clima na UE
Até recentemente, houve um momento em que pareceu que a UE iria de fato endurecer sua posição em relação a Israel. A Holanda propôs a revisão do acordo de associação, e a medida foi avalizada pela maioria dos Estados-membros em 20 de maio.
Pouco antes, França, Reino Unido e Canadá emitiram um raro posicionamento conjunto condenando a ofensiva de Israel em Gaza e descrevendo as restrições impostas à ajuda humanitária como "totalmente desproporcionais", e possivelmente em desacordo com a lei internacional.
A sensação era de que os ventos da política estavam mudando. Agora, Musiol, do Crisis Group, diz que aquela janela para ação parece ter se fechado.
"Parece que, depois da escalada recente entre Israel e Irã, muitos Estados-membros voltaram às suas velhas posições", afirma. "Mesmo aqueles países que tradicionalmente são fortes apoiadores de Israel, mas que haviam começado a ser mais vocais ou críticos, como a Alemanha ou a Itália, mudaram o tom."