Mais de três anos após o duplo atentado que matou 16 pessoas em Barcelona e em outra cidade catalã, a Justiça espanhola inicia, na terça-feira (10), o julgamento dos sobreviventes da célula jihadista.

Haverá apenas três pessoas no banco dos réus: dois supostos integrantes do grupo e um colaborador. Os autores do atentado de agosto de 2017, reivindicado pelo grupo Estado Islâmico (EI), foram mortos a tiros pela polícia.

O suposto ideólogo, um imã que radicalizou uma dezena de jovens de origem marroquina na cidade montanhosa de Ripoll (100 km de Barcelona), morreu na explosão de artefatos explosivos que preparava em um chalé em Alcanar, município entre Barcelona e Valência.

Essa detonação acidental alterou os planos iniciais da célula, que pretendia colocar bombas simultâneas em locais emblemáticos, como na Basílica da Sagrada Família em Barcelona, no estádio do FC Barcelona ou na Torre Eiffel em Paris.

Na tarde de 17 de agosto, um dos jovens dirigiu um furgão a toda velocidade ao longo do movimentado calçadão das Ramblas em Barcelona, matando 14 pessoas, a maioria turistas, e ferindo mais de uma centena.

Horas depois, 100 quilômetros a sudoeste, outros cinco membros da gangue atropelaram e esfaquearam vários transeuntes na cidade costeira de Cambrils, antes de serem mortos pela polícia.

Três dias depois, o motorista das Ramblas, Younes Abouyaaqoub, foi morto pela polícia a 30 km de Barcelona.

– Discrepâncias nas acusações –

O principal réu neste julgamento, que deve terminar em 16 de dezembro, é Mohamed Houli Chemlal, de 23 anos, natural de Melilla (enclave espanhol na costa marroquina), que sobreviveu à explosão do chalé.

Para ele, a acusação pede 41 anos de prisão por pertencer a uma organização terrorista, fabricação e posse de explosivos e conspiração para causar estragos.

As mesmas acusações recaem sobre Driss Oukabir (31 anos), irmão de um dos jihadistas mortos, para quem o Ministério Público pede 36 anos de reclusão por alugar o furgão do ataque de Barcelona.

O terceiro réu é Said Ben Iazza (27 anos), com pedido de 8 anos de prisão por emprestar seu carro e documentos à célula.

O Ministério Público não os acusa dos crimes cometidos em Barcelona e Cambrils, como o fazem nas ações civis.

“Para nós, o membro da célula é tão responsável quanto aquele que posteriormente comete o atentado”, comentou à AFP Robert Manrique, assessor da associação UAVAT, que representa 72 vítimas no processo.

Luis Álvarez Collado, advogado de Driss Oukabir, disse à AFP que lutará pela absolvição de seu cliente, que, segundo ele, “mal conhecia” os integrantes da célula.

O advogado afirma que embora Driss tenha observado a radicalização de seu irmão Moussa, isso “não implica que ele sabia o que seu irmão estava fazendo”.

O trauma causado pelos ataques foi rapidamente ofuscado pelo turbilhão de eventos políticos subsequentes na Catalunha, cujos líderes separatistas organizaram um referendo ilegal sobre autodeterminação e proclamaram uma república independente fracassada em outubro de 2017.

Desde então, muitas questões ainda precisam ser resolvidas. Como a radicalização desses jovens passou despercebida? Como compraram material para fazer explosivos sem levantar suspeitas? Estabeleceram conexões internacionais viajando anteriormente para a Bélgica, França ou Marrocos? Por que o imã e ideólogo do ataque, Abdelbaki Es Satty, que estava no radar das forças de segurança, não estava sob vigilância?

A UAVAT solicitou insistentemente, mas sem sucesso, uma comissão de investigação no Congresso, como foi feito com os ataques jihadistas de março de 2004 a vários trens de Madri, os mais mortíferos do país com 191 vítimas.

Incapaz de superar a morte de seu filho de três anos nas Ramblas, Javier Martínez também pede uma investigação mais profunda sobre o que aconteceu. “Não é para mim. Eu nunca vou recuperar a vida do meu filho (…) Mas a ameaça continua, como vimos na França ou na Áustria. Se não investigarmos o que deu errado e o que tem que ser melhorado, pessoas vão continuar morrendo”, disse.