Para a esgrimista ucraniana Olga Kharlan, a decisão de seu país de boicotar as competições que tiverem atletas russos não é a solução adequada. Em entrevista à AFP, ela defende a participação em todas as modalidades para enfrentar os russos “em todas as frentes”.

Como todas as suas compatriotas, Olga, quatro vezes campeã mundial, sofre com a guerra iniciada na Ucrânia pela Rússia preocupada com seus familiares. Seu pai dorme há um ano em um abrigo antiaéreo por medo dos bombardeios.

A esgrimista está especialmente contrariada com a decisão do Comitê Olímpico Internacional (COI) e da Federação Internacional de Esgrima (FIE) de permitir que russos e seus aliados bielorrussos voltem às competições internacionais, mesmo que sob bandeira neutra. No entanto, a ucraniana critica também seu próprio governo por proibir que seus atletas participem das modalidades que incluem russos.

“Quantas oportunidades devemos dar aos russos? A guerra ainda não terminou”, critica Olga. “Thomas Bach (presidente do COI) disse que há outras guerras no mundo, mas até onde eu sei, ninguém além da Rússia começou três na história recente”.

“Como os atletas ucranianos têm que se sentir? O COI deveria estar do nosso lado e fazer justiça, mas na realidade fazem coisas totalmente contra nós”, questiona.

– “Na linha de frente” –

Para a esgrimista, medalhista de bronze em 2008 e de prata em 2016, a questão é ainda mais dolorosa, já que devido à política de Kiev, ela pode não se classificar para os Jogos de Paris 2024, caso não participe dos eventos que dão vaga ao torneio olímpico.

Por isso, ela defende que os esgrimistas possam fazer como os tenistas, que entram em quadra com mais motivação contra russos e bielorrussos. “Estou muito orgulhosa dos jogadores de tênis e me imagino no lugar deles, enfrentando pessoas cujo país bombardeia e mata nossos compatriotas”.

“Deve ser muito difícil”, admite, “mas você sabe o que deve fazer porque é uma forma de lutar. Você é um combatente à sua maneira”, continua a ucraniana, que justifica totalmente a recusa dos tenista do país em cumprimentar russos e bielorrussos depois dos jogos.

“Eles têm razão em não dar as mãos, eu não consigo me imaginar fazendo isso”, disse. “Existem várias frentes. O esporte também é um combate e uma luta”.

Os comentários que ela recebeu de combatentes da linha de frente a emocionaram ao ponto de levá-la às lágrimas: “Espero poder participar as provas individuais (dos Jogos) porque acho que é muito importante para os ucranianos em geral”, explica.

“Os militares que nos protegem acompanham nossos resultados”, afirma. “Quando ouvi dizer que alguém na linha de frente assistia meus combates pela internet, fiquei sem voz. Não conseguia acreditar! Meu Deus! Tiram um tempo, enquanto protegem minha família, para ver esgrima. Você se sente orgulhosa de si mesma, é incrível! Que honra!”.

– Sirenes e explosões –

Desde o início da guerra, em fevereiro de 2022, Olga visitou a Ucrânia duas vezes, pois mora com o namorado italiano, e cada viagem a seu país é uma lembrança do que sua família e compatriotas vivem todos os dias.

Em outubro do ano passado, ela esteve em Lviv para o campeonato ucraniano. “Incrível, mesmo em tempos de guerra conseguimos nos organizar”, comemora. “Eu estava com meu pai… pela primeira vez na minha vida escutei as explosões, as sirenes dos ataques aéreos e os foguetes”.

“Estava com medo, mas meu pai me olhou e disse: ‘É assim, tudo bem, você precisa se acalmar”, relata.

“Em um mundo ideal, todos sabem que o mundo não é ideal”, diz Olga, que gostaria que sua família pudesse ir a Paris no ano que vem para apoiá-la durante os Jogos.

“Não é o meu sonho”, ressalta. “Meu sonho seria o fim da guerra, mas meu objetivo é ir a Paris e ter minha família lá para me ver”.

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