MINHA LUTA Com mentiras e distorções que glorificam a sua própria vida, o livro de Adolf Hitler tenta seduzir o público para suas causas malignas

Há um conjunto de obras que resume o mais pérfido da alma totalitária, o fundamento da maldade humana e a vontade de controlar as massas e torná-las submissas. Todas elas foram escritas por líderes sanguinários que dominaram a política do século 20, como Adolf Hitler, Benito Mussolini e Mao Tsé-Tung, e tiveram como objetivo central mitificar seus autores e torná-los exemplos para as massas. Aliada a uma irrefreável vontade de poder, sempre houve em todos os déspotas uma indisfarçável veleidade literária.

Quem fala desses escritos macabros é o jornalista Daniel Kalder, no seu livro “A Biblioteca dos Ditadores” (Harper Collins), que acaba de ser lançado no Brasil. Kalder reúne o suprassumo do esforço de lavagem cerebral empreendido por líderes despóticos e desvenda textos concebidos para funcionar como instrumentos de doutrinação. São obras malditas que ainda estão à venda e contaminam o século 21. “Esse é um livro sobre literatura ditatorial – ou seja, é sobre obras escritas por ditadores ou atribuídas a eles. Sendo assim, é um livro sobre alguns dos piores livros já escritos”, define Kalder.

Mitificação

A mais famosa e uma das piores obras ditatoriais é, sem dúvida, “Minha Luta” (Mein Kampf), de Adolf Hitler, um livro precário e mal escrito que incentiva o ódio aos judeus e promove a superioridade alemã. Hitler escreveu “Minha Luta” quando estava na prisão e sua primeira edição é datada de 1925. Nela, tratou de engrandecer sua atuação medíocre como soldado na Primeira Guerra e de estabelecer o que, segundo ele, era o direito humano mais sagrado: manter o sangue puro. “Como todos os políticos que produzem tijolões ilegíveis para mitificar as próprias vidas, Hitler desejou seduzir seus leitores apresentando-se como uma criança predestinada”, diz Kalder. Em 1945 circulavam na Alemanha 10 milhões de exemplares de “Minha Luta” e Hitler havia recebido mais de oito milhões de marcos em direitos autorais. Curiosamente, a publicação ainda é um best-seller nas bancas de jornal que vendem livros em diversas cidades do Brasil.

O livro de Hitler ainda é um best-seller nas bancas de jornais de diversas cidades do País

Para Kalder, Lênin, líder da Revolução Bolchevique, é o pai da literatura de ditadores, e Joseph Stálin, seu sucessor, também produziu obras de grande impacto, como “Sobre os Fundamentos do Leninismo” e “A História do Partido Comunista na União Soviética”, trabalho no qual atuou como editor e que se transformou no livro sagrado do regime. Kalder o descreve como uma “fábula moral tosca sobre os bons contra os maus”. Entre as obras ditatoriais, “O Livro Vermelho”, de Mao Tsé-Tung, é a mais lida e publicada. Lançado em 1964, a publicação já tinha mais de um bilhão de exemplares em circulação no final da década. Na obra, Mao prega o trabalho duro, a obediência cega ao partido e o ódio aos imperialistas. Por fim, Benito Mussolini, que, para Kalder, foi o melhor escritor entre os ditadores, deixou um legado literário macabro. Produziu o romance histórico erótico “A Amante do Cardeal” e a autobiografia “Minha Vida”. “Ao contrário de outros ditadores-escritores, Mussolini escreveu uma prosa que, às vezes, era bastante legível”, diz. Mesmo assim, era tão maligna como a de qualquer outro de seus colegas sanguinários. O destino ideal para esses escritos totalitários é um só: que caiam no esquecimento.