Escritório em remota ilha do Pacífico permite que ‘petroleiros fantasmas’ da Rússia e Irã operem

Dezenas de petroleiros suspeitos de contrabandear petróleo bruto para a Rússia e o Irã utilizam um escritório localizado próximo a uma praia no Pacífico Sul para ocultar seus rastros, revelou uma análise da AFP de dados relacionados às sanções.

Ao lado de uma pizzaria nas remotas Ilhas Cook encontra-se a modesta sede de um dos registros marítimos de crescimento mais rápido no mundo.

Sem sequer colocar os pés neste arquipélago paradisíaco, armadores estrangeiros podem pagar à Maritime Cook Islands para navegar sob sua bandeira repleta de estrelas.

Os dados sobre as sanções impostas pelos Estados Unidos identificam 20 petroleiros registrados nas Ilhas Cook suspeitos de contrabandear combustível russo e iraniano entre 2024 e 2025.

Outros 14 petroleiros com bandeira das Ilhas Cook estão na lista de um banco de dados independente de sanções britânicas que abrange o mesmo período.

A Nova Zelândia, o parceiro diplomático mais próximo das Ilhas Cook, disse que era “alarmante e indignante” ver como os esforços de sanção eram minados.

“A Nova Zelândia continua muito preocupada com a forma como as Ilhas Cook têm gerido seu registro marítimo”, disse um porta-voz do ministro das Relações Exteriores, Winston Peters.

As Ilhas Cook desfrutam de autogoverno, mas permanecem em “associação livre” com sua antiga potência colonial neozelandesa, que intervém em áreas como defesa e relações exteriores.

A Maritime Cook Islands, que administra o registro marítimo de Cook, nega ter violado suas obrigações de controle ou abrigado navios sancionados.

– Frota fantasma –

As sanções ocidentais têm como objetivo reduzir as receitas do Irã e da Rússia com a venda de petróleo, o que, por sua vez, limita o financiamento do programa nuclear de Teerã ou da invasão da Ucrânia por Moscou.

“Há países em todo o mundo que aderiram às sanções contra a Rússia e que não permitiriam que esses navios hasteassem sua bandeira”, afirmou Anton Moiseienko, especialista em sanções e crimes financeiros da Universidade Nacional da Austrália.

“Mas há países que são um pouco mais relaxados a esse respeito”, explicou à AFP. “É aí que entram as Ilhas Cook”.

Em abril, uma empresa de transporte marítimo com sede nos Emirados Árabes Unidos foi acusada de contrabandear “milhões de dólares” em combustível em nome do Exército iraniano no Golfo.

De acordo com as sanções dos EUA, a empresa era proprietária de petroleiros com bandeira de Barbados, Gâmbia, Panamá e Ilhas Cook.

Suspeita-se que navios como esses façam parte de uma rede de contrabando marítimo conhecida como “frota fantasma”, que contorna as sanções passando-se por navios de carga que realizam atividades legítimas.

Eles cobrem seus rastros registrando-se em locais como as Ilhas Cook, onde podem desfrutar de uma supervisão muito menos rigorosa.

– “De crescimento mais rápido” –

A revista marítima Lloyd’s List nomeou no ano passado a Maritime Cook Islands como o “registro de crescimento mais rápido” do mundo.

“Há vários navios que hasteiam a bandeira das Ilhas Cook que foram identificados como parte da frota fantasma”, afirmou Moiseienko.

“No que diz respeito aos Estados de onde provém a bandeira – Ilhas Cook, Libéria e outros -, não existe realmente nenhum mecanismo internacional para fazer cumprir suas obrigações”, acrescentou.

Esses registros navais também são uma maneira fácil para que as nações insulares do Pacífico, ávidas por receitas, reforcem os cofres do governo.

Mas esses escritórios, que geralmente operam como empresas privadas, não são estranhos a polêmicas.

As redes de contrabando norte-coreanas exploram há anos os registros navais de nações do Pacífico Sul como Palau, Niue e Tuvalu. Muitos deles, incluindo o das Ilhas Cook, não publicam suas tarifas.

Mas a AFP obteve uma estimativa de Palau que sugeria que um petroleiro de 30.000 toneladas poderia pagar cerca de 10.000 dólares (53 mil reais) em taxas de matrícula.

Essa prática em que os registros navais permitem que navios de propriedade estrangeira ostentem sua bandeira é conhecida como “bandeira de conveniência”.

“Muitos navios de frotas fantasmas utilizam ‘bandeiras de conveniência’ de países que são menos propensos ou incapazes de aplicar as sanções ocidentais”, aponta um relatório do Parlamento Europeu de 2024.

As Ilhas Cook eram naquele ano um dos “principais países cujas bandeiras foram utilizadas por petroleiros fantasmas que transportam petróleo russo”, segundo o documento.

– “Detectar eficazmente” –

O Royal United Services Institute, um importante grupo de especialistas do Reino Unido, afirmou também que o Irã e a Coreia do Norte exploram há anos os pequenos registros navais.

No entanto, a atividade da frota fantasma “expandiu-se drasticamente” depois que a Rússia foi alvo de sanções devastadoras após sua invasão da Ucrânia, alertou o instituto em setembro.

A Maritime Cook Islands administra o registro marítimo como uma empresa privada “sob uma delegação de autoridade” do governo e é supervisionada pelo regulador de transporte do país.

As receitas do governo provenientes das taxas de transporte marítimo aumentaram mais de 400% nos últimos cinco anos, como mostram os documentos orçamentários das Ilhas Cook, e estavam a caminho de atingir um total de 175.000 dólares (935 mil reais) durante o último exercício financeiro.

A Maritime Cook Islands afirmou, por sua vez, que qualquer navio acusado de contornar as sanções era rapidamente removido de seu registro naval.

“O registro das Ilhas Cook nunca abrigou navios sancionados” e “possui plataformas que permitem monitorar e detectar eficazmente atividades ilícitas”, garantiu.

sft/oho/arm/pc/dd