Escola ‘mais alegre e viva’: os efeitos da proibição do celular no ensino do RJ

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Um ano depois do decreto que proibiu o uso de celulares nas escolas do Rio de Janeiro, os alunos garantem que voltaram a brincar “como antigamente” e sua concentração nas aulas melhorou.

Desde o início do ano letivo de 2025, a medida começou a valer em todo o país, após o presidente Lula (PT) sancionar uma lei aprovada com amplo apoio no Congresso. Com sua implementação, o uso do aparelho fica restrito a situações e comunicações emergenciais nesses ambientes.

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Com a configuração, o Brasil se juntou a países como Espanha, França e Dinamarca na restrição aos aparelhos, em medida que ganhou força justamente após o “período de testes” na capital fluminense — e, naturalmente, seus resultados positivos.

“Foi difícil porque a gente vicia, aí acaba que quando fica sem [o celular], gera uma certa abstinência. Mas depois que o costume passa, a gente interage mais”, disse Kamilly Marques, estudante de 14 anos da escola municipal Reverendo Martin Luther King, na zona norte da cidade.

Ela não é a única. Os estudantes param debaixo de um grande mural do herói da luta pelos direitos civis americano que dá nome à escola para colocar seus aparelhos em caixas de plástico antes de entrar em sala de aula sem sinais de insatisfação.

Embora a princípio tenha pensado que a proibição era “chata” e “sem graça”, Kamilly relatou se sentir mais feliz porque suas notas e sua vida social melhoraram. “Antes tinha um colega que sofria cyberbullying, e a gente nem sabia, porque a gente estava mais concentrado no nosso telefone do que nos amigos“, disse.

Dependentes e ansiosos

Segundo dados divulgados pela Unesco em dezembro 2024, 40% dos sistemas educacionais do mundo adotaram algum tipo de restrição para o uso do celular, frente a 30% do ano anterior.

Uma pesquisa feita com pais em 2024 pela empresa de estudos digitais Opinion Box e pela plataforma da indústria móvel Mobile Time mostrou que a maioria das crianças brasileiras teve o primeiro celular aos 10 anos de idade, em média.

Enquanto os menores de três anos passam quase uma hora e meia por dia com o dispositivo, o tempo aumenta para quase quatro horas na faixa dos 13 aos 16 anos.

O secretário municipal de Educação do Rio, Renan Ferreirinha (PSD), disse à reportagem que os professores notaram que, após a pandemia de covid-19, os alunos voltaram às aulas mais agitados, impacientes, dependentes dos celulares e muito mais ansiosos.

Como deputado federal, Ferreirinha foi relator da lei que estendeu a proibição a todo o país. Se moderar o uso do telefone “é difícil pra um adulto, imagina pra uma criança. Não faz nenhum sentido o professor ficar tentando dar uma aula e a criança vendo um videozinho na rede social ou estar num jogo de celular”, disse.

Em visita recente a uma escola, um estudante lhe contou que voltou a brincar com os colegas “como antigamente”.

Mais alegria

Fernanda Heitor, de 46 anos, vice-diretora da Reverendo Martin Luther King, afirmou que antes da proibição, a situação nas aulas tinha se tornado “insustentável”.

“Eles não tinham interação, não tinha tanta brincadeira, não conversavam. Agora eles brincam. Foi uma transformação na escola. Ela ficou muito mais alegre, muito mais viva“, disse.

Em entrevista ao site IstoÉ, Cláudia Costin, ex-secretária municipal da Educação do Rio de Janeiro, diretora global de Educação do Banco Mundial e atual professora da FGV-SP (Fundação Getulio Vargas) e da Universidade de Harvard, disse que a restrição restabelece as escolas como um ambiente que “desenvolve uma entrada na sociedade de forma mais ativa, o que depende de construir conexões, interagir e brincar”.

“A tecnologia é importante para a formação das crianças e jovens, mas o problema dos celulares é a portabilidade. Esse fator os transforma em um forte distrator, tanto na sala de aula quanto nos espaços em que ocorre a interação entre alunos, a brincadeira, o que dá sentido à especificidade da proibição [aparelhos portáteis]”, afirmou Costin, uma das principais referências brasileiras no tema.