Sem aviso veio uma carta divulgada para escolas públicas e privadas de todo o País em que o ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, usa o slogan da campanha de Bolsonaro “Brasil acima de tudo. Deus acima de todos!” e convoca todos os jovens cidadãos a saudarem “o Brasil dos novos tempos”. Junto saiu um pedido para que garotas e garotos perfilados e cantando o hino nacional fossem filmados por representantes de escolas públicas e privadas e os vídeos enviados para o email do Ministério e do Gabinete da Presidência. Foi uma tentativa de construir um circo patriótico e exaltar o novo governo. E também uma lambança com viés ditatorial. Ainda que não haja problema em cantar o hino, o ministro conseguiu, com seus comunicados, incorrer em pelo menos dois erros graves: doutrinação ideológica e invasão da privacidade. Não se pode usar um slogan eleitoral para promover atos governamentais, o que caracteriza propaganda irregular. Tampouco se pode filmar e divulgar vídeos de crianças e adolescentes fazendo o que quer que seja nas escolas sem autorização de seus pais.

No dia seguinte, o ministro voltou atrás, mas a declaração de más intenções já estava feita. Saiu uma nova carta sem o slogan de Bolsonaro. E no pedido de filmagem acrescentou-se que seria necessária a autorização dos familiares. A assessoria do Ministério informou que a carta é uma recomendação e não uma ordem e que “a atividade faz parte da política de incentivo à valorização dos símbolos nacionais.” Ficou, porém, a sensação de que se depender de Vélez vai começar um período de lavagem cerebral nas escolas. Como já fez no mês passado, quando chamou os brasileiros de canibais e ladrões de hotéis, o ministro deu uma de desentendido e tentou demonstrar que não sabia o que estava fazendo. “Percebi o erro. Tirei esta frase, tirei a parte correspondente a filmar crianças sem autorização dos pais. Se alguma coisa for publicada, será dentro da lei, com autorização dos pais”, disse em visita ao Senado na terça-feira, 26. No dia 28, o ministro, sentindo o peso da trapalhada, voltou atrás mais uma vez e cancelou definitivamente o pedido de filmagem. No mesmo dia, o presidente Jair Bolsonaro deu um pito no ministro e exigiu que cancelasse a iniciativa. “Peça desculpas e desfaça”, disse Bolsonaro.

Medida tendenciosa

APOIO Em Genebra, ministra Damares defende obrigatoriedade de cantar o hino e não vê problemas em filmar crianças (Crédito:Mateus Bonomi)

Apesar de ser um adepto do movimento Escola sem Partido, Vélez se revelou extremamente partidário e saudoso da ditadura. Não se poderia ver uma medida tão tendenciosa quanto a que ele pretendia adotar em todas as escolas brasileiras. Foi claramente uma tentativa de doutrinação e propaganda política. Pelo teor dos comunicados, dá para perceber que a escola que o ministro ambiciona tem partido, o partido do governo. Em Genebra, onde participava de uma reunião da ONU, a ministra dos Direitos Humanos, Damares Alves, apoiou Vélez e defendeu a filmagem de crianças cantando o hino, o que segundo ela, é uma obrigação. Já o movimento Escola sem Partido se manifestou contra o ministro nas redes sociais. “Em princípio, nada de mais na recomendação de cantar o hino e filmar os alunos. Mas a carta convite para ‘saudar o Brasil dos novos tempos’ e o slogan da campanha eleitoral lembra o canteiro de sálvias em forma de estrela no jardim da Alvorada em 2002 (sic)”, disse, fazendo referência à estrela do PT que a então primeira-dama Marisa Letícia Lula da Silva determinou, em 2004, que fosse esculpida nas flores do jardim da residência oficial do presidente.

Como seus comunicados, Vélez pode ter violado o princípio da impessoalidade, que estabelece o dever da impessoalidade na defesa do interesse público. A Constituição proíbe a promoção de atos pessoais por integrantes do governo. Em seu Artigo 37 consta que “a publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos”, o que aconteceu no caso da promoção do bordão de Bolsonaro. A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, ligada ao Ministério Público Federal, enviou, terça-feira, um pedido de esclarecimentos ao ministro sobre seus atos administrativos. Para a deputada estadual Janaína Paschoal, do mesmo partido de Bolsonaro, os comunicados do Ministério foram “surreais” e o ministro, de acordo com ela, estaria precisando de uma assessoria jurídica. Faltou dizer: para um governo que prometia a desideologização da educação, nada mais ideológico. E estúpido.

Injustificável

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Durante a posse do diretor da usina de Itaipú, em Foz do Iguaçu (PR), terça-feira 23, o presidente Jair Bolsonaro classificou de “estadista” o ditador Alfredo Stroessner (foto). Só se for um estadismo absolutista. Stroessner, depois de liderar um golpe, passou 35 anos no poder. Liderou um regime tão corrupto quanto sanguinário. Enfileirou crimes contra a humanidade. Torturou 18 mil pessoas. Em 2016, a cereja do bolo: foi acusado de patrocinar um esquema de exploração sexual de crianças. Há um tempo sem falar em cerimônias, Bolsonaro poderia ter se mantido refugiado no silêncio.

Espírito autoritário

À esquerda, a primeira versão da carta que deveria ser lida nas salas de aula de todo o Brasil com o slogan “Brasil acima de tudo. Deus acima de todos!”.

Abaixo, o comunicado divulgado pelo ministro em que solicitava que representantes das escolas gravassem as crianças cantando o hino e lendo a carta com o slogan


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