Cambistas, mas também hospitais particulares indianos estão se aproveitando da emergência para se enriquecer com a miséria alheia. E, com crematórios superlotados, a exploração continua mesmo depois da morte.Quando a bancária Anumeha Kumar, da cidade de Hyderabad, no sul da Índia, contraiu covid-19 e teve que ser hospitalizada com sintomas severos, sua família foi forçada a desembolsar quase 43 mil rupias (3.100 reais) para obter a droga antiviral remdesivir no mercado negro.

“Não tivemos outra opção, já que ela precisava do remédio, que não estava disponível em nenhum outro lugar. Todas as farmácias diziam que estava esgotado, e tentamos por toda parte”, conta sua mãe, Pradeep. O preço original do antiviral empregado em grande escala na Índia para tratar pacientes graves de covid-19 é de 1.000 a 5.400 rupias por 100 miligramas.

No início de maio, na cidade central de Indore, o taxista Rattanjeet Lal, de 45 anos, dirigiu por mais de dez horas em busca de um cilindro de oxigênio medicinal para sua esposa, cujos níveis de oxigenação estavam caindo drasticamente. “Por fim, consegui um cilindro de 30 litros por quase 60 mil rupias, quase três vezes o preço em tempos normais.”

Escassez de remédios na “farmácia do mundo”

Tanto Kumar quanto Lal estão entre os numerosos cidadãos de todo o país forçados a recorrer ao mercado negro para obter artigos médicos, num momento em que a segunda onda da pandemia devasta a Índia. Muitos apelam para as redes sociais, implorando por leitos, oxigênio e medicamentos.

Diante desse pano de fundo, o mercado negro está florescendo, com cambistas estocando suprimentos vitais, criando escassez artificial e revendendo os artigos por preços exorbitantes aos pobres pacientes. Essa forma de exploração da pandemia tem agravado a aflição dos atingidos e até custado vidas.

“As pessoas estão tomando medidas desesperadas para tentar manter vivos os seus entes queridos. Em alguns casos, recorrem a tratamentos não confirmados ou ao mercado negro para medicação vital, que está escassa”, confirma o cirurgião Anil Bhan.

Apesar de sua reputação de “farmácia do mundo”, como maior produtora de medicamentos genéricos, a Índia tem sido incapaz de suprir a demanda de antivirais como o remdesivir e o favipiravir.

“Assalto em pleno dia”

Com a demanda suplantando a oferta, a polícia e outras agências de investigações têm investido contra os cambistas. Na capital Nova Délhi, onde a carestia do gás medicinal é enorme, a polícia apreendeu 400 concentradores de oxigênio numa batida em edifício de um bairro elegante.

“Prendemos diversos suspeitos sob as leis de artigos essenciais e de doenças epidêmicas. Estamos caçando o mentor desse esquema de corrupção, que é uma celebridade”, comenta o chefe de polícia Atul Thakur.

Até agora, os órgãos de segurança registraram mais de 110 casos e fizeram mais de 100 detenções por promessas falsas de ajuda em obter drogas vitais ou oxigênio. Até mesmo operadores de ambulância cobram preços exorbitantes para transportar pacientes de covid-19 até os hospitais.

Por sua vez, diversos hospitais particulares têm defraudado cidadãos vulneráveis, exigindo centenas de rupias de famílias desesperadas. “Exigiram que eu pagasse por antecedência por um leito, e quando finalmente a minha mãe teve alta, depois de uma semana, me deram uma conta por volta de 200 mil rupias, o que é demais”, relata o mecânico Paneer Selvan, do estado de Tamil Nadu.

O funcionário de saúde pública Rajan Shukla descreve o procedimento como “assalto em pleno dia”: “Devido às circunstâncias inéditas que enfrentam as famílias atingidas, elas não têm alternativa, senão pagar a esses cambistas inescrupulosos.”

Extorsão até depois da morte

Diversos hospitais têm ignorado as regras de controle de preços, superfaturando kits de equipamento de proteção individual (EPI), cuidados nas unidades de tratamento intensivo e quartos, entre outros serviços. Em alguns estados, os tribunais tiveram que intervir nas cobranças hospitalares: na segunda-feira (10/05), a Corte Superior de Kerala expressou apreensão pela “extorsão” dos pacientes nos estabelecimentos privados.

“Encontramos cobranças injustificáveis, de 22 mil rupias [1.585 reais] por kits de EPI. Olhem as contas! Vimos exigirem 1.300 rupias por um mingau de arroz simples. Imaginem os apuros de um cidadão que ganha mil rupias e vê uma conta de 200 mil, 300 mil rupias. Estamos vendo os contágios crescerem rapidamente. Este não é um caso isolado, qualquer um pode contrair o vírus agora. Vocês estão extorquindo o público. Pensem só! Nós temos que intervir agora.”

Com os crematórios superlotados em várias cidades, há também relatos de as famílias que tiveram que pagar um preço extra pela cremação de seus entes queridos. Na segunda-feira, dezenas de cadáveres de presumíveis vítimas do novo coronavírus deram às margens do rio Ganges, no norte indiano.

Segundo moradores, tais cenas se tornaram frequentes nos últimos dias. Os responsáveis teriam passado a lançar os corpos no rio por falta de lenha nos crematórios ou por as famílias não poderem pagarem os preços exagerados pelo procedimento fúnebre.

“Em certos locais, recebemos queixas de que os funcionários de saúde pública estavam exigindo muito dinheiro para realizar uma cremação. Estamos investigando”, relatou um empregado municipal de Buxar, no estado de Bihar, no leste da Índia.