Os militares estão nas ruas de Cali após os confrontos sangrentos entre manifestantes, policiais e civis armados. Em uma cidade dividida pela convulsão social na Colômbia, as tropas são aplaudidas em alguns bairros, mas em outros, como nas barricadas, há receio e medo.

Terceira cidade da Colômbia, com 2,2 milhões de habitantes, Cali viveu na sexta-feira um pesadelo. Vizinhos com coletes à prova de balas, e armados com pistolas e fuzis atiraram na direção de manifestantes à vista da polícia, que os observava de perto.

Treze pessoas morreram neste dia em que se lembrava o primeiro mês das manifestações contra o governo. Oito dos mortos, segundo as forças de segurança, tinham ferimentos a bala. A polícia anunciou investigações contra os agentes “permissivos”.

De Cali, o presidente Iván Duque ordenou a mobilização dos militares para apoiar os trabalhos de vigilância de uma polícia criticada internacionalmente pela repressão nas ruas.

Durante um percurso pela combalida capital colombiana da salsa – onde os barões da cocaína esbanjaram sua riqueza e influência -, uma equipe da AFP cruzou com escombros, montanhas de lixo, placas de trânsito destruídas, vidraças quebradas e até um cartucho de projétil nove milímetros.

Os militares começaram a patrulhar os prédios oficiais e a rede de comércios. Pelo caminho, passam por locais prestes a falir por causa da crise prolongada, postos de gasolina saqueados, enquanto recebiam o apoio de motoristas que os saudavam buzinando.

“Infelizmente, o exército não chegou a tempo. O edifício Torre Empresarial foi vandalizado por completo, assim como muitos locais de comércio que tiveram perda total”, afirma Ángela Sguerra, médica de 42 anos, que reside no abastado bairro de Ciudad Jardín.

Mesmo assim, ela se alegra de ter os soldados por perto. “Faz com que nos sintamos mais protegidos porque teremos mais oficiais que possam atender qualquer ocorrência”.

– Medo na barricadas –

Durante o fim de semana, os protestos continuaram ativos em cinco pontos que os manifestantes, orgulhosos, chamam de locais de resistência e onde se espera com medo a chegada dos militares.

“Até agora não tivemos inconvenientes”, diz à AFP Juliana Bonilla, líder comunitária do bairro popular de Siloé, que viveu dias sangrentos desde 28 de abril, quando os protestos começaram.

 

No entanto, a mulher de 28 anos alerta: “Com a polícia tem havido confrontos e atritos, e por isso estamos mais precavidos do que nunca”.

Segundo a ONG Indepaz, ao menos 44 das 71 mortes registradas durante os protestos ocorreram em Cali. A prefeitura reporta 550 feridos, entre civis e policiais.

Também em Siloé é possível ver o rastro de destruição. De um local saqueado à noite, pessoas ainda saíam de manhã cedo a pé ou em moto com ferro retorcido ou qualquer coisa que possam vender como ferro-velho. Do mesmo local, bombeiros de Cali disseram ter retirado o corpo carbonizado de um homem.

Elizabeth Serna, de 40 anos, também líder comunitária, critica o governo por ter mandado “militarizar” sem ouvir os jovens empobrecidos pela pandemia e exaustos das quarentenas, que foram às ruas reivindicar um Estado mais solidário e oportunidades de educação e trabalho.

Duque, que desatou a revolta popular quando propôs elevar os impostos com o vírus ainda fazendo estragos, pagou a conta em Cali durante uma visita no sábado.

Aplaudido em alguns trechos, foi vaiado em outros, aos gritos de “Fora!”.

Um jovem chegou, inclusive, a dizer-lhe cara a cara: “O senhor está nos matando. Não tem perdão!”. O presidente fez que não com a cabeça e voltou para seu veículo de segurança, como ficou registrado em vídeos que viralizaram nas redes sociais.

Apesar da ordem presidencial de mobilizar tropas, nem o exército, nem a polícia se aproximam das barricadas durante o dia.

Em uma delas, um manifestante em cima de um contêiner abandonado, vigia com binóculos. Apenas explica que quer garantir quem entra e quem sai.

Perto dali, um homem sai de uma barraca de camping e faz alguns disparos para o alto. Mais adiante, outro se amarra a um poste de energia. Julian Rojas, de 23 anos, com o rosto pintado com as cores da bandeira colombiana, explica que assim, amarrado, vai iniciar uma greve de fome para apoiar o movimento de protesto.

“Não tivemos presença de militares” nas ruas, comemora, mas garante ter visto helicópteros e aviões oficiais sobrevoando as barricadas.

Em outra parte da cidade, Lilibeth Tejada, empresária de 41 anos, expressa sua satisfação com a chegada das tropas. Quer que restabeleçam a autoridade para não chegar ao extremo de precisar “defender meu negócio quando forem saqueá-lo”.