MAIS VELHOS Parcela da população com mais de 65 anos era de 10,5% em 2018, será de 15% em 2034 e alcançará 25,5% em 2060, quando haverá mais idosos do que crianças no País (Crédito:José Cordeiro/AE.)

A empregada doméstica gaúcha Tereza Beatriz Viega, de 77 anos, moradora da região central de São Paulo, é o típico caso de uma idosa brasileira desamparada. Ela poderia estar em casa, aproveitando sua pensão alimentícia e cuidando dos netos. Mas a realidade torna isso impossível. Ela não ganha o suficiente e precisa trabalhar duro.

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Para conseguir um posto de trabalho depois de dois anos sem emprego formal, Tereza circulou pelas ruas da cidade e no transporte público com um cartaz em suas mãos, com a inscrição “o trabalho fica, a esmola vai embora, por misericórdia me arrume um emprego. Obrigado”. Felizmente ela conseguiu o tão sonhado emprego.

Seu pedido chegou aos ouvidos do gerente geral de recursos humanos do supermercado Extra, do grupo Pão Açúcar, Anderson Brugnera, que a contratou. “Ela nos surpreendeu com sua coragem e dedicação”, afirma Brugnera. Tereza, por sua vez, não reclama de sua situação e diz que pretende trabalhar até os 100 anos. “Você não pode imaginar quanta dignidade esse emprego me trouxe”, desabafa.

O que resta aos idosos hoje no Brasil é arrumar um emprego porque, se depender do Estado, eles ficarão numa situação de abandono. O aumento da expectativa de vida dos brasileiros, que cresce três meses ao ano, pressiona os cofres públicos, expõe a precariedade da previdência pública, aumenta a necessidade de uma previdência privada para aumentar a renda e acaba com o sonho da velhice tranquila.

Os brasileiros com mais de 60 anos somam, atualmente, cerca de 30 milhões de pessoas, o equivalente a 15% da população. Desse total, pelo menos 350 mil idosos estão em busca de emprego e 41% dos ocupados, na informalidade.

A situação de falta de trabalho ocorre por diversas causas. Uma delas é o preconceito de muitas empresas brasileiras com os trabalhadores idosos. Outra é a baixa escolaridade ocasionada pelo histórico de pobreza da maioria, que dificulta ou torna impossível uma reinserção no mercado de trabalho. Nesses casos, as pessoas acabam se virando como podem ou contam com a ajuda de familiares para sobreviver.

“Quem contrata diz que, na minha idade, não temos mais saúde e disposição para o trabalho, mas me sinto forte a adoro minha profissão” Enídia dos Santos, 66, auxiliar de enfermagem (Crédito:Divulgação)

Desde 1940, quando o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) realizou o primeiro censo demográfico no País, a expectativa de vida da população subiu de 45,5 anos, em média, para mais de 76. Houve um aumento de 30 anos na longevidade e nem a sociedade nem o poder público se prepararam para esse envelhecimento. “O processo de modernização da sociedade contribuiu para que as pessoas vivessem mais, mas o Estado não se preparou para acolher essa nova população idosa”, diz o geógrafo do IBGE Marcio Minamiguchi. “Ano após ano percebemos o aumento contínuo da longevidade”. Junta-se a isso, para aumentar a pressão sobre a Previdência Social, uma importante diminuição na taxa de fecundidade. “Desde 1970 notamos que houve uma diminuição do índice de fertilidade”, afirma o geógrafo. Há 50 anos, as mulheres brasileiras tinham mais de cinco filhos e hoje a média é de dois filhos. A tendência, já confirmada em números, é de que um em cada quatro brasileiros tenha mais de 65 anos, em 2060. Então, pela primeira vez, haverá mais idosos de que crianças no País.

Gastos públicos

Em 2018, segundo o IBGE, a parcela da população com mais de 65 anos era de 10,5%, mas esse percentual vem crescendo e alcançará 15% em 2034 e 25,5% em 2060. Diante desse quadro, haverá uma pressão permanente para a elevação dos gastos públicos, principalmente na área da saúde. Uma estimativa da Secretaria do Tesouro Nacional divulgada na semana passada indica que haverá necessidade de gastos adicionais de R$ 50,7 bilhões entre 2020 e 2027 para garantir serviços de saúde e medicamentos para a população que está envelhecendo. A maior parte dessas despesas estará concentrada em assistência farmacêutica e em atendimentos hospitalares e ambulatoriais, que envolvem casos de média e alta complexidade. Apesar danecessidade crescente de recursos, no ano passado o governo deixou de aplicar R$ 9 bilhões em saúde.

Além de necessário, já que o Estado não garante proteção suficiente aos idosos, o trabalho dos mais velhos é uma forma de conter o ônus demográfico que se verifica quando o crescimento da população em idade ativa acontece em ritmo inferior ao do aumento da população total. É exatamente o que vem sendo registrado desde 2018 no País. Há cada vez menos gente em idade ativa. E cada vez mais dependentes de aposentadorias e pensões, que vão exigir os gastos adicionais na saúde nos próximos anos. O ônus demográfico tende a se intensificar na medida em que cai progressivamente a taxa de natalidade e a população em idade ativa envelhece e deixa o mercado de trabalho. Indivíduos mais produtivos param de atuar e dão espaço para os teoricamente menos produtivos. Mas a máquina não pode parar. Uma atenuante para o ônus demográfico é a continuidade do trabalho dos idosos.

QUALIDADE DE VIDA Sem proteção governamental, idosos só dependem de si próprios para serem produtivos e felizes (Crédito:SERGIO NEVES/AE)

Empregos para idosos

Pensando na precariedade da situação dos mais velhos, a Secretaria de Envelhecimento Saudável, Qualidade de Vida e Eventos do Rio de Janeiro lançou o programa Empregabilidade, que oferece 250 vagas para o pessoal da terceira idade. “Induzimos as empresas a serem amigas da terceira idade”, diz Felipe Michel, secretário da pasta. O programa conta com a participação de quinze companhias de grande e médio porte e, segundo o secretário, em apenas um mês 700 pessoas foram empregadas. “Com o apoio da imprensa, das empresas e da sociedade, o nosso programa vai crescer”, afirma. Graças a essa iniciativa da secretaria, a auxiliar de enfermagem Enídia dos Santos, de 66 anos, moradora da Pavuna, na zona norte do Rio, conseguiu voltar ao mercado de trabalho, depois de dois anos desempregada. Ela não se aposentou porque não comprovou a contribuição para o INSS. “Vi o anuncio na televisão e corri para a Prefeitura. Quem contrata diz que, na minha idade, não temos mais saúde e disposição para o trabalho”, conta. “Tenho plenas condições de trabalhar e adoro minha profissão”. Empresas como o Extra, onde Tereza Viega foi empregada, também tem uma política de recursos humanos que destina um parte de suas vagas para os mais velhos. Dos 30 mil funcionários da empresa, 10% têm mais de 50 anos.

No Brasil, infelizmente, quando alguém ultrapassa os 65 anos entra numa zona de risco de abandono e precariedade. A Organização Mundial de Saúde (OMS) considera que uma nação é idosa quando o número de pessoas com essa idade ultrapassa 8% do total da população. O País atingiu essa condição há muito tempo e as condições como os brasileiros estão envelhecendo causam enorme preocupação. Segundo o médico José Mário Tupiná Machado, professor da PUC-PR e chefe do serviço de geriatria da Santa Casa de Curitiba, é muito difícil num país subdesenvolvido garantir uma velhice adequada para a população e há entraves socioeconômicos que impedem que a maioria das pessoas consiga envelhecer mantendo uma boa qualidade de vida, com acesso à renda e a cuidados essenciais. Pensar nos gargalos da administração pública e nas deficiências na implementação do Estatuto do Idoso e da Política Nacional do Idoso é algo desanimador, segundo Tupiná. A população de baixa renda tem pouco acesso a geriatras e dificuldade para ser atendida por médicos especialistas.

O Sistema Único de Saúde (SUS) que é o grande aparato de prestação de saúde em nível nacional sofre com problemas de gerenciamento e as pessoas demoram a receber atendimento. Acrescenta-se a isso questões referentes ao governo federal, que dificulta para boa parte dessa população o Beneficio de Prestação Continuada (BPC), que garante um salário mínimo para maiores de 65 anos que não conseguem manter-se e nem ser mantidos por suas famílias. Cerca de 20% das pessoas que conseguem receber o benefício precisam fazer isso pela via judicial. As despesas do governo com o BPC cresceram de R$ 6 bilhões em 2004 para R$ 53,8 bilhões em 2018, mostrando que há uma crescente demanda dos idosos em situação de penúria pelo benefício. Nos próximos anos, essas despesas devem crescer ainda mais. Enquanto aumenta a expectativa de vida, o risco da miséria absoluta ronda a população de idosos brasileiros.