Fundado em 2013, o MBL (Movimento Brasil Livre) ficou conhecido ao atuar pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), oficializado em 2016. Seus integrantes e bandeiras ganharam espaço nas ruas, nas redes e no Legislativo, em um contexto de ascensão da direita radical e negação da política tradicional, ao fazer oposição tanto ao petismo quanto a Jair Bolsonaro (PL) durante seu mandato.
Já como partido, o Missão, registrado no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) no início de novembro, o movimento pretende lançar seu fundador e presidente Renan Santos como candidato à Presidência da República nas eleições de 2026, quando o embate nas urnas deverá contar tanto com o incumbente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) quanto com um concorrente apoiado por Bolsonaro, que estará inelegível e provavelmente preso no pleito.
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Nesta entrevista à IstoÉ, Santos afirmou que o petista só está no poder por causa do ex-presidente, cuja incapacidade de governar interrompeu a ascensão da direita brasileira. O presidenciável ainda defendeu um modelo controverso de combate ao crime organizado, que considera o “principal problema” do país, e criticou o Bolsa Família ao dizer que sua prioridade é o “brasileiro que trabalha”.
Assista à entrevista com Renan Santos
Leia a íntegra
IstoÉ Por que o senhor quer se eleger presidente em 2026?
Renan Santos Nós temos um desafio de tornar o Brasil um país respeitado pelo mundo e capaz de executar, interna e externamente, seu destino. Nós somos a maior experiência tropical do mundo, uma nação capaz de conjugar raças, credos e um tipo de cultura único. Temos uma matriz africana, portuguesa e indígena, e temos a oportunidade de fazer uma síntese que torne possível a convivência entre os diferentes.
O papel global do país é único. Mas esse projeto é, até aqui, um misto de fracasso com sucesso. Temos grandes experiências civilizacionais, empresariais e, ao mesmo tempo, fracassos sociais e culturais. Resolver esse dilema é resolver também a questão do Sul Global e da América Latina. Uma experiência latina forte pode tornar o Brasil um dos cinco países mais importantes do mundo, capaz de dar as cartas ao lado de EUA, China e Europa no jogo da geopolítica, que tenha ordem interna e faça com que as pessoas mais pobres possam ascender socialmente sem medo de andar com seus celulares na rua.
IstoÉ O senhor tem se notabilizado por propostas radicalizadas de combate ao crime organizado. Essa é sua principal bandeira para 2026?
Renan Santos Quem diz isso hoje são as pesquisas, ao demonstrar que a maior preocupação do brasileiro é com o crime organizado, a segurança pública e a violência. É uma preocupação que extrapola qualquer elemento eleitoral. Seria nossa bandeira ainda que não fosse representada pelo eleitorado. O território brasileiro, em especial nas periferias, está em grande parte sob controle do crime organizado. As pessoas mais pobres não sabem o que é viver de maneira livre, porque vivem sob o jugo de organizações criminosas, e precisam ser libertadas.
IstoÉ O MBL é gestado em um processo histórico que começa com a mobilização da classe média, que vai às ruas em 2013 contra um sistema político considerado corrupto e ineficaz, passa pelo impeachment de Dilma Rousseff e pela chegada da direita ao Palácio do Planalto. Mas um presidente de esquerda, Lula, foi eleito em 2022. Esse processo se rompeu em algum momento?
Renan Santos Sim, a ruptura é Bolsonaro. Os erros do bolsonarismo permitiram a volta de uma expressão de poder extemporânea. O ciclo do PT acabou e Lula não deveria ter voltado ao poder, a ponto de fazer um mandato em que ninguém sabe qual é o projeto.
Uma experiência como essa não deveria estar ocorrendo agora, mas ela acontece porque a direita ascendeu ao poder por meio do Bolsonaro, com memes e sem projeto. O ex-presidente começa falando em “golden shower” e utilizando memes, mas não sabia o que fazer quanto a saúde, educação e economia. O Lula só está aí porque o presidente eleito em 2018 foi Bolsonaro.
“Os erros do bolsonarismo permitiram a volta de Lula ao poder“.
IstoÉ O senhor afirmou que, mesmo em posição antagônica à do Missão, PT, PSOL e PCdoB têm um programa, ao contrário das legendas da centro à direita, que integram o chamado “centrão”. Por que a direita nunca foi capaz de se organizar como partido?
Renan Santos O fenômeno da direita no Brasil é recente e organizado pela internet, o que o faz obedecer a critérios de algoritmo, disputa por likes e audiência. O preço disso é a ausência de vínculos legítimos – ou seja, seu aliado pode te expor e trair em troca de engajamento digital.
Nós vimos isso acontecer com Fernando Holiday [ex-vereador de São Paulo], que deixou o MBL e passou a ofender aqueles que eram seus amigos para ocupar um espaço no bolsonarismo. Isso mostra que a baixeza é premiada, e impede a articulação de qualquer projeto consistente a longo prazo. O único lugar em que isso funciona é o MBL e, agora, o partido Missão, onde não somos guiados pela popularidade e pela vontade de sermos famosos na rede social.
IstoÉ Já houve episódios dentro do MBL em que condutas equivocadas de integrantes foram defendidas pelo grupo. Qual é a linha que rompe os limites da lealdade?
Renan Santos Temos dois exemplos neste ano. Elegemos dois vereadores em capitais, Sandro Filho, em Salvador (BA), e João Bettega, em Curitiba (PR), muito bem votados e com potencial para serem deputados federais. O João não gostava de trabalhar. Ele prometeu gravar muitos vídeos, entrevistar pessoas na rua, mas disse que o trabalho parlamentar não lhe dava alcance – estava viciado nessa lógica da direita. O gabinete se insurgiu contra ele, os membros pediram demissão e nós o expulsamos do movimento.
Já o Sandro Filho teve uma rápida mudança no padrão de vida, começou a se associar com pessoas estranhas e sua esposa ficou sócia de um agiota na Câmara de Salvador. Nós expulsamos o vereador e os funcionários do gabinete estão pedindo demissão. Ao mesmo tempo, se a falha cometida não for ética, mas uma falha de intenção como a do Arthur do Val [ex-deputado que, em conversa vazada, disse que as ucranianas refugiadas da guerra eram “fáceis porque eram pobres”], em que o que aconteceu foi um áudio ruim, não um crime, então, nós o defendemos, ainda que isso venha com um dano.

Arthur do Val, colega de Renan Santos no MBL, foi autor de áudio ofensivo a ucranianas em 2022
IstoÉ As legendas do “centrão”, por mais problemas que possam ter, controlam uma fatia relevante do orçamento público. Há instrumentos possíveis para mudar isso?
Renan Santos A mudança no sistema de incentivos. Hoje, o propósito dos dirigentes partidários é eleger deputados federais, porque uma boa bancada na Câmara garante robustez nas emendas parlamentares, nos fundos partidário e eleitoral e em tempo de televisão. Neste cenário, os prefeitos servem para atender às bases dos deputados. Está tudo invertido.
A dinâmica da política tem de se mover em direção do Executivo. Prefeitos e governadores têm de atender bem à população e garantir bons indicadores de desempenho. Se uma cidade tem boa cobertura de esgoto, melhora no desempenho de educação e queda nos índices de homicídios, roubos e furtos, o prefeito ganha pontos. Esses números determinarão a distribuição das emendas e dos fundos de financiamento eleitoral, o que vai fazer com que o principal incentivo aos partidos seja eleger bons prefeitos.
Com esse critério, o dinheiro ficará com o partido que melhor atende às necessidades reais das pessoas, e não com as administrações populistas, que compram votos em troca de shows do Wesley Safadão e do Alok nos municípios.
“O propósito dos partidos é eleger deputados federais. Está tudo invertido“.
IstoÉ Mas há condição política de aprovar uma reforma como essa no Congresso?
Renan Santos Muitos partidos gostariam de ter isso. O Gilberto Kassab [presidente do PSD], que é um político profissional, preferiria um modelo como esse ao atual porque veria melhores condições de controle da distribuição. Outros, que são focados nas eleições legislativas, não. A dinâmica premiaria alguns e puniria outros. Emendas representam R$ 30, R$ 40 ou R$ 50 bilhões, a depender do orçamento anual; o fundo eleitoral é de R$ 5 bilhões. Eu não gosto [desses dispositivos], mas se esse é o jogo, que ele sirva para recompensar os melhores.
IstoÉ Na história democrática brasileira, nenhum presidente foi eleito com discurso impopular. Michel Temer (MDB), responsável por reformas impopulares, terminou o mandato com aprovação na casa dos 3%. Como se eleger com um discurso que não representa os desejos do eleitor?
Renan Santos A impopularidade de Temer se deve muito mais à origem dele, ao caso do Joesley [Batista, sócio da JBS que gravou um diálogo discutindo subornos com o então presidente] e à falta de base de comunicação com a sociedade civil, não às reformas. É possível fazer um governo altamente reformista, que leve as pessoas a se sentirem parte de um processo doloroso de mudança. Não é nada diferente do que o Javier Milei faz hoje na Argentina e, em certa medida, o próprio Nayib Bukele faz em El Salvador, e ambos mantêm índices de popularidade elevados.
Enfrentar privilégios da máquina pública, reduzir desigualdades regionais e declarar guerra ao crime organizado fazem parte de um mesmo programa. Um político não pode ter medo de falar coisas impopulares, porque o líder lidera; ser liderado pela maioria não passa de oportunismo.
Eu vou rodar o Norte e o Nordeste e falar para a população do Maranhão que o estado é pessimamente administrado e estaria em melhores mãos com um interventor federal no governo. Vou falar que as pessoas que estão recebendo Bolsa Família e não trabalham são um peso para os maranhenses que trabalham, e promover frentes de trabalho em municípios onde mais de 40% das famílias são beneficiárias do programa, porque o desenho político que nós temos premia a ineficiência e deve ser alterado.
Os beneficiários do programa que votam no Lula não votarão em mim, mas tenho certeza que aqueles que trabalham, são entregadores ou motoristas de aplicativo, proprietários de pequenos comércios, concordarão comigo. Meu lado é o do brasileiro que está trabalhando, porque ele é quem paga a conta.
“Os beneficiários do Bolsa Família que votam no Lula não votarão em mim,
mas aqueles que trabalham vão concordar comigo. Meu lado é esse“.
IstoÉ O senhor defende a adoção de um modelo chamado “Direito Penal do Inimigo” para o combate ao crime organizado. Como isso funcionaria?
Renan Santos Esse conceito é de um jurista alemão chamado Günther Jakobs, que diante da ascensão de grupos terroristas e do terrorismo islâmico na Alemanha, entendeu que o direito penal existente era insuficiente para enfrentar essas ameaças. Se há pessoas que agem para inverter a ordem do Estado, o Estado também deve agir de maneira diferente, adotando maior velocidade e rigidez. A
definição não pode ser ampla, porque há risco de gerar injustiças. Se você integra uma facção criminosa que ocupa territórios, trafica drogas e explora a população local, você está circunscrito como um inimigo do Estado. Ao localizar esses faccionados, a polícia não pode depender de um processo ou da autorização do Ministério Público. Ela precisa agir rapidamente e garantir que eles sejam punidos exemplarmente.
A América Latina é tomada pelo crime organizado e opera como fornecedora de drogas para os EUA. Quando isso se expande, você tem a origem daquilo que se chama de narcoestado. O México e a Venezuela são narcoestados, e o Brasil se tornará um se não aplicar o direito penal do inimigo e continuar fingindo que esse problema não existe.
IstoÉ Não há um risco muito alto de cometer injustiças com esse modelo?
Renan Santos Tenho certeza de que a aplicação disso terá algumas injustiças, mas o que existe hoje é a certeza da impunidade. Milhões de brasileiros vivem uma injustiça diária nas mãos do crime organizado, e no mundo concreto e imperfeito, os eventuais erros desse processo justificam a possibilidade de reverter este cenário.

Operação contra o Comando Vermelho deixou 121 mortos no Rio de Janeiro: presidente do Missão defende letalidade policial contra facções
IstoÉ O PL Antifacção, como foi aprovado na Câmara, representa em alguma medida um avanço no combate ao crime organizado?
Renan Santos O Guilherme Derrite [deputado do PP de São Paulo e relator do projeto] desagradou à direita porque não enquadrou as facções como grupos terroristas e à esquerda porque não centralizou o combate às facções no governo federal, mas conseguiu conjugar as coisas muito bem. É um avanço, mas estou receoso quanto à postura do Senado [a quem caberá votar o texto].
IstoÉ Há algo de positivo no governo Lula?
Renan Santos Que ele acaba. Ainda que se comemore a isenção do imposto de renda para quem ganha até R$ 5 mil, isso está inserido em um contexto geral de discurso de guerra de classes e aumento geral de impostos para cumprimento do arcabouço fiscal.
É um governo que tem de acabar e, se nos organizarmos bem, será encerrado nas eleições de 2026. Deixamos de avançar em muitas coisas, nos posicionamos geopoliticamente de forma vergonhosa, com a vassalagem à China e a vergonha da COP30, que tem como efeito positivo a desmobilização da tentativa de sabotagem da exploração de petróleo na Margem Equatorial e do agronegócio brasileiro.