Uma das equipes mais vencedoras da história recente da Fórmula 1, a Red Bull Racing acumula oito campeonatos mundiais de pilotos e seis títulos de construtores nos últimos 15 anos. Em 2021, a equipe resolveu aumentar fortemente sua aposta em aplicações de nuvem ao assinar um amplo contrato com a Oracle.
No comando da área de tecnologia do Red Bull Technology Group, Matt Cadieux é responsável por toda a área de TI da equipe, incluindo soluções de simulação de pistas e monitoramento em tempo real dos veículos durante as provas.
Nessa entrevista, o CIO da RBR fala sobre o aumento da aposta em tecnologias de cloud computing e detalha como a nuvem ajuda nos processos de design dos carros e nas tomadas de decisão durante as provas. Confira.
Quais foram os desafios que a Red Bull queria resolver quando resolveu aumentar seus investimentos em nuvem?
Cadieux: A Fórmula 1 é obviamente uma atividade que exige alto nível de desempenho e evolução contínua. E isso vale não só para os carros em si, mas para toda a parte de tecnologia, incluindo aí processos de negócio, aplicações e infraestrutura.
Por isso, sempre estivemos de olho na evolução da nuvem, desde seus primeiros anos. Por volta de 2019, 2020, tínhamos basicamente uma estrutura de nuvem privada. Era baseada em soluções on-premise.
Usávamos muitas aplicações de virtualização, e conseguíamos ter agilidade. Mas isso exigia que tivéssemos dois datacenters. E tínhamos que planejar muito bem muito bem a questão de capacidade de processamento exigida pela equipe.
É claro que já usávamos algumas aplicações de nuvem em modelo SaaS há um bom tempo, como Workday, Zoom, algumas aplicações de governança de TI. Mas a nossa jornada para a nuvem se acelerou muito desde 2021 após a parceria com a Oracle. Então agora o cenário mudou. Ainda temos um ambiente híbrido e nossos datacenters ainda estão operacionais. Mas temos muito mais na nuvem do que tínhamos quatro anos atrás.
E como as tecnologias de nuvem são usadas atualmente na RBR? O que é possível fazer hoje que não era viável cinco anos atrás?
![Entrevista: Red Bull investe na nuvem para acelerar nas pistas 1 Entrevista: Red Bull investe na nuvem para acelerar nas pistas](https://istoe.com.br/wp-content/uploads/2025/02/Matt-Cadieux-300x169.jpeg?x29807)
Matt Cadieux, CIO do Red Bull Technology Group
Cadieux: Há muitos avanços nesse sentido. A questão das estratégias de corrida foi um dos primeiros pontos que trabalhamos nessa nova etapa. Antes de qualquer corrida, rodamos muitas simulações. Quando é a melhor hora pra fazer pit stops? Que tipo de pneus usamos em cada fase da corrida? Essas são algumas perguntas que procuramos ajudar a responder por meio das simulações, e ganhamos agilidade para fazer isso com a nuvem.
Historicamente, sempre fomos limitados pela capacidade de processamento de nossas estruturas. Agora com a nuvem conseguimos ter modelos de simulação mais robustos e rápidos. Assim, as equipes de estratégia não precisam mais esperar pelo aumento da capacidade de processamento, que é de responsabilidade do time de infraestrutura. Podemos ter essa capacidade extra de modo instantâneo.
Dessa forma, tentamos liberar nossos engenheiros para trabalhar em melhorias para o carro e ajudar em tomadas de decisão, em vez de consertar gargalos na infraestrutura de TI. E agora com a nuvem podemos usar a clássica estratégia de pagar pelo uso. Antes de uma corrida, temos um aumento de demanda por processamento, e depois da corrida diminuímos então o uso das soluções em cloud.
Você mencionou a questão financeira. E sabemos que a FIA impõe limites de gastos para as equipes de F1. Como a Red Bull lida com isso do ponto de vista da tecnologia?
Cadieux: Nossa maior implementação de nuvem no momento é aproveitar a capacidade da nuvem da Oracle para rodar as soluções CFD (aplicações de simulação usadas na Fórmula 1), na nossa divisão Red Bull Powertrains (RBPT), que é responsável pelo desenvolvimento do motor.
A CFD é a principal ferramenta usada para simulações e cálculos de combustão interna do motor, e envolve a solução de problemas físicos e químicos. Nosso uso de nuvem para questões do motor é muito maior do que para outras questões do chassi do carro. E isso ocorre por uma razão: temos limitações impostas pela FIA sobre a capacidade computacional usada no chassi. Mas no motor não há essas restrições.
Assim, quando criamos a RBPT, pudemos começar aos poucos e escalar rapidamente usando a nuvem. Se tivéssemos que rodar nossas simulações com o CFD em nossos datacenters, eles não dariam conta. Precisávamos de uma escala que só poderíamos resolver com soluções de cloud computing.
Na fase inicial da RBPT, a nuvem ajudou a colocar as soluções em funcionamento em poucas semanas, e escalamos rapidamente. Se tivéssemos que usar soluções on-prem, teria levado provavelmente uns dois anos, pois possivelmente teríamos que ter um novo datacenter.
As equipes precisam transportar muitos equipamentos de um circuito para outro. E o espaço nos boxes é limitado. Como foi o impacto da nuvem na tecnologia da Red Bull durante as corridas?
Cadieux: Certamente hoje levamos menos equipamentos após o uso mais intenso da nuvem. A razão pela qual ainda temos que levar muita coisa é que algumas pistas são antigas, o cabeamento de fibra ótica não é completamente seguro, há muitas máquinas espalhadas, pessoas andando pra lá e pra cá, e acidentes acontecem.
Então, precisamos de alguns recursos para uso de emergência, caso haja por exemplo alguma falha na estrutura da rede local. Mas muitas simulações que fazemos durante a corrida já ficam na nuvem.
Carros de F1 possuem mais de cem sensores, e durante as corridas recebemos uma grande variedade de dados sobre a situação do veículo e do piloto. Quando esses dados chegam ao paddock, uma parte mais crítica é processada localmente. Outra parte dos dados, usados em simulações adicionais e questões de analítica, é enviada para a nuvem.
Pode dar mais detalhes sobre esse processo?
Cadieux: Temos especialistas em áreas como aerodinâmica, funcionamento interno do veículo e questões específicas de motor. Esses engenheiros recebem os dados de suas áreas e os analisam.
Temos também aplicações bem específicas de simulação que processam esses dados e orientam os engenheiros sobre quais medidas podem ser tomadas em uma determinada situação. Isso tudo é feito de forma contínua, durante a corrida.
Há ainda times monitorando nossos adversários e olhando informações públicas, como as transmissões da TV, diálogos entre pilotos e equipes. E combinamos todas essas fontes de dados para elaborar nossa estratégia de corrida.
As decisões finais são tomadas pela equipe que está na pista. Mas temos engenheiros remotos que dão apoio a essas decisões. Eles ficam em uma sala de engenharia no circuito e também na nossa sede aqui no Reino Unido.
Em termos de inovação e uso de inteligência artificial. Quais são os planos?
Cadieux: Já usamos tecnologias de machine learning há um bom tempo, mas elas tendem a ser usadas de modo bem específico. Vejo que há muito potencial para o uso das novas tecnologias de IA, mas no momento temos muitas restrições, pois a FIA tem limites para uso de capacidade computacional nos chassis. Além disso, na prática não podemos usar GPUs, devido à forma como a FIA calcula os limites computacionais.
Sobre este último ponto, estamos em conversas com a FIA, no sentido de atualizar essas regras para viabilizar o uso de GPUs. Gostaríamos de usar o quanto antes os recursos que essa nova leva de aplicações de IA traz ao mercado. E com a nuvem creio que poderemos usá-los rapidamente assim que forem regularizados.
Pode contar mais sobre como essas restrições de uso de tecnologia são aplicadas?
Cadieux: Há uma série de regulamentações bem detalhadas. A FIA envia as documentações e todas as equipes se comprometem a segui-las. Auditores fiscalizam o cumprimento dessas regras, e visitam as equipes várias vezes por ano.
Assim, temos que informar a eles todo tipo de hardware que usamos, seja em instalações locais ou na nuvem. Precisamos fornecer logs de todas as simulações que rodamos, e estamos sujeitos a inspeções a qualquer momento. Na questão do motor não há essas restrições, apenas no chassi do carro. São questões que fazem parte do nosso esporte, e lidamos com elas.