Com o crescimento da agenda ESG, o uso responsável de energia é uma questão cada vez mais debatida nos departamentos de TI das empresas. Tradicionais “glutões” de energia, os datacenters muitas vezes são um dos principais pontos endereçados em estratégias de sustentabilidade. Mas, apesar dos avanços dos últimos anos, ainda há muito o que fazer nesse sentido. “Vemos muitas empresas ainda sem uma agenda clara de sustentabilidade na questão do uso de sua infraestrutura de tecnologia, e isso não se resolve da noite para o dia”, diz Jay Dietrich, diretor de pesquisa de sustentabilidade do Uptime Institute, instituto americano que produz pesquisa e organiza cursos sobre uso responsável de energia em departamentos de TI. Há algumas semanas, a consultoria publicou um estudo que analisa os desafios de sustentabilidade em datacenters e ambientes de nuvem, e nesta conversa Dietrich detalha alguns pontos do relatório. Confira a seguir a entrevista completa.

Estudos do Uptime Institute apontam que, por um lado, há uma mensagem da indústria de que o setor de TI está liderando em consumo de energia e sustentabilidade. Mas ainda há um longo trabalho a ser feito, correto?

É uma discussão bem complexa e é importante entender os diferentes tipos de solução. Em um nível mais básico há o aluguel simples de um servidor. Neste método as empresas basicamente alugam um servidor e têm total controle sobre ele. Portanto, elas controlam a eficiência do equipamento. Se as empresas escolhem usar só 10%, então é isso.

Em modelos de nuvem com IaaS é basicamente o mesmo princípio. O servidor é montado, tem software básico e está pronto para rodar. Eu coloco minhas aplicações lá, carrego o sistema e tenho o controle das configurações de consumo de energia. Então nestes dois casos a utilização de energia depende do operador, e não do fornecedor dos serviços de nuvem.

A sua pesquisa observa que, em alguns casos, a mudança para a nuvem pode servir como “muleta” para departamentos de TI em questões de sustentabilidade. Já que os grandes players de nuvem têm seus próprios compromissos de sustentabilidade, a migração pode ser de alguma forma vista com uma transferência de responsabilidade. Mas a questão é mais complexa, certo?

Sim, os departamentos de TI devem assumir a responsabilidade por ações sustentáveis, mesmo com a estrutura na nuvem. Há uma orientação da AWS para os clientes que diz que a AWS é a responsável pela sustentabilidade da nuvem, e os clientes são responsáveis pela sustentabilidade dentro da nuvem. A ideia aqui é que a AWS fornece uma boa plataforma, altamente eficiente, mas é você quem usa e é você quem vai determinar, no fim das contas, a eficiência do sistema.

Também nessa linha, há uma série de empresas que vendem software para otimização de operações em nuvem. Este tipo de software analisa as aplicações e pode sugerir algo como: “você pode reduzir o número de chips pela metade, usar 70% da capacidade de memória contratada, e ainda assim manter a eficiência atual”. Dessa forma pode-se chegar a uma operação mais sustentável, pois há redução no consumo de energia.

Então você contrata este tipo de software para usar recursos de forma mais eficiente. Neste processo você consome menos energia e se torna mais sustentável.

Outro ponto apontado pelo estudo é que apenas atualizar a infraestrutura de TI não necessariamente aprimora o uso de energia. Pode detalhar este ponto?

Sim, posso dar um exemplo deste caso. Em nossos estudos analisamos algumas atualizações de datacenters com servidores da HP. Esse estudo mostra que, dependendo da mudança de geração do novo equipamento, é possível eliminar 11 servidores e ficar com apenas um.
Mas quando conversamos com as empresas que fizeram essas atualizações, elas disseram que simplesmente trocaram servidores antigos por novos. Ou seja, ficaram com o mesmo número de servidores. É um típico exemplo de uma simples troca de servidor que não aproveita os avanços da tecnologia. Do ponto de vista do negócio, você tem essa capacidade de reduzir seu hardware – mantendo ou elevando a capacidade de processamento – e não está aproveitando.

Uma coisa que aprendi por experiência é que, em migrações de infraestrutura de TI, cerca de 20% das aplicações podem ser simplesmente movidas para a nova estrutura sem grande esforço, por meio de plataformas de virtualização.

Além dessas, há entre 30% e 40% de aplicações que vão exigir um esforço maior para migração. Mas não é algo de extrema dificuldade e o esforço certamente vale a pena, do ponto de vista do negócio.

E sobram aquelas aplicações que não valem o esforço da mudança. Aplicações mais antigas que rodam em COBOL, Fortran ou outras plataformas já defasadas. Para essas eu nunca compraria um novo servidor, na verdade. Eu deixaria lá rodando o maior tempo possível.

E quanto a metas de sustentabilidade, como está o mercado?

Nossa pesquisa apontou que entre 30% e 40% das empresas têm objetivos claros de sustentabilidade e consumo de energia em suas áreas de TI, e estão trabalhando ativamente para atingir essas metas.

Então, restam entre 60% e 70% da indústria ainda com muito trabalho a fazer nessa área. E isso não acontece da noite para o dia. Aqui no Uptime vemos duas áreas de oportunidade para melhorias. Uma delas é usar melhor a infraestrutura de TI, os servidores, equipamentos de rede e storage.

A segunda área é uma aposta contínua em energia limpa. Então o foco aqui é em mudar completamente as fontes de energia, e não em apenas comprar créditos de carbono. No fim das contas, é uma estratégia de aproveitar melhor a estrutura de TI e remover o carbono da matriz energética da melhor forma possível.

No último ano vimos o crescimento das aplicações de Inteligência Artificial generativa. Que tipo de impacto elas podem ter em datacenters?

De uma forma mais geral, há muito trabalho a ser feito para entendermos o impacto real de sistemas de alto consumo de energia, como os usados em aplicações de Gen AI. É fato que eles exigem muito mais energia para funcionar. E para lidar com isso muitos data centers estão recorrendo a sistemas de liquid cooling para manter a temperatura de seus ambientes.

Mas ainda há muito o que investigar e otimizar neste tipo de processo. É possível em alguns casos rodar aplicações de IA com um consumo menor, dependendo de como a aplicação é criada.

Creio que há preocupações válidas sobre o impacto da IA no consumo de energia. Mas há algumas previsões um pouco catastróficas demais, como a de que os datacenters vão usar 20% de toda a energia global em 10 ou 15 anos. Não acredito nisso.

É claro que esse percentual vai crescer bastante. Mas em todo sistema há uma curva rápida de desenvolvimento, e aos poucos essa curva desacelera e se estabiliza. Há também fatores econômicos envolvidos. Estamos vendo agora apenas o início deste processo.