Entre remakes e continuações, Globo busca reconectar gerações com sua dramaturgia

Para Catarina Flório, da WPP Media Services, revisitar clássicos é uma forma eficaz de unir memória afetiva e novas audiências

Entre remakes e continuações, Globo busca reconectar gerações com sua dramaturgia
Entre remakes e continuações, Globo busca reconectar gerações com sua dramaturgia Foto: Reprodução/montagem web

Em um momento de profundas transformações no consumo de conteúdo e de concorrência cada vez mais intensa com as plataformas de streaming, a TV Globo tem adotado uma estratégia que combina nostalgia e inovação para manter a relevância de sua dramaturgia. A emissora atua em duas frentes principais: os remakes de clássicos que marcaram época e as possíveis continuações de novelas consagradas, capazes de expandir universos já conhecidos do público.

Nos últimos anos, a Globo revisitou obras icônicas como ‘Pantanal’ (2022), que se tornou um dos maiores fenômenos recentes do horário nobre, e ‘Renascer’ (2024), elogiada tanto pela audiência quanto pela crítica. Para 2025, está prevista a nova versão de ‘Vale Tudo’, novela que entrou para a história da TV brasileira por sua força narrativa e pelo debate social que propôs. Paralelamente, dentro dos Estúdios Globo, ganha espaço a discussão sobre sequências de tramas de grande sucesso, como ‘Êta Mundo Bom!’ e ‘Avenida Brasil’, títulos frequentemente citados como candidatos a ganhar novos capítulos e oferecer novas jornadas a personagens que permanecem vivos no imaginário popular.

Com essas escolhas estratégicas, a Globo busca reconquistar uma parcela do público que migrou para as plataformas digitais, ao mesmo tempo em que apresenta a novas gerações histórias que fazem parte da memória afetiva brasileira. A IstoÉ Gente conversou com Catarina Flório, Media Strategy Director na WPP Media Services, que analisou o papel da mídia na construção do interesse do público e na consolidação do sucesso de uma novela, especialmente quando o projeto carrega um legado relevante.

Para a especialista, a combinação entre nostalgia e inovação é eficaz justamente por unir familiaridade e descoberta. A memória do público cria um vínculo imediato, enquanto as atualizações de linguagem, ritmo e valores funcionam como porta de entrada para novas audiências. Segundo Catarina, quando uma história é revisitada com um olhar contemporâneo, ela dialoga tanto com quem acompanhou o original quanto com quem passa a conhecê-la agora, ampliando seu alcance de forma orgânica.

A executiva ressalta ainda que a memória afetiva é um ponto de partida poderoso, mas não garante sozinha o sucesso de uma produção. Ela desperta curiosidade, sentimento de pertencimento e o desejo de reviver algo marcante, porém o engajamento real depende da capacidade de reinterpretar a narrativa. Na avaliação de Catarina, quando o público percebe que aquela trama foi atualizada para refletir questões e sensibilidades do presente, a nostalgia se transforma em envolvimento contínuo.

Em um cenário cada vez mais dominado pelo streaming, a especialista aponta que a TV aberta mantém um papel central como espaço de encontro coletivo. Embora as plataformas digitais ofereçam autonomia ao espectador, a televisão ainda concentra o ritual social de assistir junto, comentar e reagir em tempo real. As novelas, segundo ela, ocupam esse lugar simbólico e, quando bem articuladas com as redes sociais, passam a existir de forma híbrida, combinando o impacto do ao vivo com a força do ambiente digital.

Ao analisar o êxito de remakes como Pantanal e Renascer, Catarina Flório avalia que a força do nome original funciona como um convite inicial, mas não sustenta a audiência sozinha. O público é atraído pela lembrança, mas permanece pela relevância da nova versão. Para ela, o desafio está em traduzir a essência do clássico para o presente, ajustando valores, linguagem e estética, sem descaracterizar a obra.

Sobre a possibilidade de continuações de novelas consagradas, a especialista destaca que os riscos são diferentes dos enfrentados nos remakes. Expandir universos conhecidos exige coerência narrativa e emocional, além de profundidade na construção dos personagens. O principal perigo, segundo Catarina, é depender excessivamente da nostalgia e perder o frescor criativo, transformando a sequência em um exercício limitado à memória afetiva.

Quando o título carrega um legado forte, como Vale Tudo, a expectativa do público tende a ser ainda maior. Nesse contexto, a estratégia de comunicação precisa equilibrar respeito ao original e inovação. De acordo com Catarina, a divulgação deve reconhecer o valor simbólico da obra, mas apresentá-la como um produto alinhado ao seu tempo, seja no tom das campanhas, nos conteúdos paralelos ou na forma de dialogar com o público nas redes sociais.

Do ponto de vista de construção de marca, revisitar histórias icônicas reforça a imagem da Globo como produtora de conteúdo premium e referência em dramaturgia. Para a executiva, esse movimento demonstra que a emissora entende o valor de seu acervo e sabe reposicioná-lo em um novo contexto de consumo. Trata-se, segundo ela, de um gesto que combina confiança, memória cultural e reinvenção criativa.

Na avaliação da especialista, essa tendência também é uma resposta direta à fragmentação do consumo de mídia e à busca por engajamento nas redes sociais. Em meio ao excesso de estímulos digitais, o público tende a procurar referências comuns, e os clássicos cumprem esse papel ao funcionar como pontos de convergência. Integrada a uma estratégia multiplataforma — que envolve TV aberta, redes sociais e streaming —, essa abordagem mantém a narrativa ativa ao longo do dia e transforma a novela em uma experiência contínua.

Olhando para o futuro, Catarina Flório acredita que o público seguirá aberto tanto a narrativas inéditas quanto a novas versões de clássicos. Para ela, o fator decisivo não está em repetir fórmulas, mas em reinterpretá-las com propósito, consistência e relevância. “O futuro da dramaturgia não está em escolher entre o velho e o novo, mas em encontrar novas formas de contar histórias que continuam verdadeiras”, conclui.

O Enredo de ‘Avenida Brasil’

‘Avenida Brasil’ foi uma novela que se tornou um marco na TV brasileira, principalmente pela complexidade de suas tramas e personagens. Exibida em 2012, a história gira em torno de Nina (Débora Falabella), uma mulher que, após ser separada de sua mãe e passar por uma infância cheia de traumas, retorna ao Brasil com um único objetivo: se vingar de Carminha (Adriana Esteves), sua madrasta cruel que destruiu sua vida. Nina se infiltra na casa de Carminha, se tornando sua empregada, para arquitetar sua vingança de forma meticulosa, mas sua missão se complica quando ela se apaixona por Jorginho (Cauã Reymond), filho de Carminha, que também tem seu próprio conjunto de questões familiares.

A trama explora temas como vingança, justiça e redenção, enquanto Nina tenta equilibrar seus sentimentos e o desejo de punir Carminha por tudo o que lhe fez. Carminha, por sua vez, é uma das vilãs mais memoráveis da história da teledramaturgia brasileira, manipulando todos ao seu redor e tentando esconder seus crimes. A novela foi um sucesso estrondoso, tanto no Brasil quanto no exterior, e se tornou referência por sua habilidade em misturar elementos clássicos da telenovela com uma abordagem mais moderna e com personagens profundos e multifacetados.

‘Avenida Brasil’ acumulou diversos prêmios de destaque no Brasil e também teve reconhecimento internacional ao ser indicada ao Emmy Internacional. A novela foi laureada em premiações como o Troféu Imprensa, o Melhores do Ano, o Prêmio Contigo! de TV e o Prêmio Extra de Televisão, com destaque especial para as atuações de Adriana Esteves, premiada por sua icônica Carminha, e Murilo Benício, reconhecido pelo papel de Tufão. Ao todo, a trama somou cerca de 118 indicações e conquistou mais de 40 prêmios, consolidando-se como um dos maiores fenômenos da teledramaturgia brasileira.