Ficou evidente, de maneira clara e simples, exposta em praça pública, a derrota da antipolítica. Os extremistas terão de reinventar o discurso, de se readaptar, buscar novas bandeiras. É um desafio e tanto, caso queiram estar em linha com os anseios dos eleitores e com a pauta propositiva que esses almejam. A polarização vazia foi jogada no espaço. O presidente insano converteu-se em um ser quase contagioso. A rejeição a suas práticas aumentou tanto que candidatos tiveram de se distanciar dele para amealhar alguma chance. Nas urnas, os jovens, em especial, manifestaram de forma eloquente o repúdio ao atual estado de política. Estão cada vez mais preocupados com a sustentabilidade, a igualdade de gênero e raça, a disparidade social, a inclusão econômica, tudo que pseudos salvadores da pátria — à esquerda e à direita — deixaram de lado em prol de projetos pessoais. Há, no momento, um mercado de votos diferente daquele encontrado dois anos atrás nas campanhas majoritárias para presidente. Ali valia, sim, a aventura de um ser endiabrado contra o sistema, um mal-ajambrado “mito” sem base municipalista, sem estrutura partidária, sem programa de gestão, sem nada que não o grito raivoso contra os erros então vigentes.

Passou o tempo, o berreiro ficou fora de época e nada de novo brotou dali. Ao contrário. Quem assumiu o poder aprofundou deformidades e carências. A bizarrice da radicalização, da antipolítica, da polarização cansou. Restou meros lampejos de protestos dos insatisfeitos de sempre, majoritariamente, esmagados. Soou risível a alegação de manipulação dos resultados e a desconfiança do sistema eletrônico que há 20 anos funciona sem incidentes. Como atual força no comando, o bolsonarismo abusou de casuísmos que não prosperaram. Ao o entrar de maneira improvisada, não institucionalizada, muito menos orgânica, com base personalista, na corrida perdeu feio e terá de se reagrupar em um esforço hercúleo para a montagem de uma coalizão sustentável. O capitão cloroquina precisa, de uma vez por todas, entender que na onda do eu sozinho, do prestígio pessoal, sem partido, sem aliança, sem projeto, não irá longe. A “nova política” que preconizou no início, com o Centrão de muleta dos últimos tempos, está em exposição nos museus de esquisitices. Um e outro, o Messias e o Centrão, fingem fidelidade e tentam, na verdade, se engolir, numa autofagia geradora de monstrengos. A narrativa do descaso com a negociação, o diálogo, a estruturação de projetos — todos assistem — está dando com “os burros n’água”. Venceu quem fez mais e melhor em desafios concretos, tal qual o do combate à pandemia. O extremismo de seitas vai perdendo força e espaço no imaginário popular e ficou distante do modelo ideal. Meros referendos para mais quatro anos dos atuais ocupantes do poder irão depender da atuação e de resultados efetivos na gestão. Simples assim. Outsiders sem planos já começam a ser vistos como fraudes e a lorota cede espaço à economia, que ditará os humores futuros. Na bifurcação do certo e do errado, em termos de solução para o País, encontra-se a chave para o sucesso e mesmo os oponentes, desafiantes do capitão, terão de encontrar a fórmula. Não há, naturalmente, prognósticos certeiros, mas, a julgar pelas “prévias” municipais, dá para se perceber que o eleitor é capaz de fortes guinadas, repensando escolhas e difundindo, de forma contundente, outras prioridades. A isso se chama maturidade. O bolsonarismo e o lulismo foram massacrados no escrutínio, não há dúvida, por uma razão simples: não evoluíram, ficaram obsoletos. Há uma lição aos extremistas que fica da experiência recente: caso almejem algum êxito adiante, terão de entregar daqui para frente, um e outro, saídas viáveis, ideias estruturantes para um País que precisa retomar o desenvolvimento.

Plataformas comuns de entendimento entre as legendas deverão entrar no radar, enterrando a surrada tática do grito e das bazófias. O atual ocupante do Planalto pode até insistir no enredo — afinal é o único no qual se mostrou à vontade para atuar —, mas, aviso dado, será aposta errada. Intransigência nunca foi virtude e, se prevaleceu como resposta a adversários tão ou mais intolerantes do passado, perdeu relevância no script da vez. E quem levar o comportamento adiante provavelmente terá ranhuras na reputação. Bolsonaro está fadado a aderir à boa política, mesmo que não goste, correndo atrás de consensos e da conciliação, não mais de conflitos, como boia de sobrevivência. A brigalhada das redes sociais não lhe garante mais respaldo ou colchão para segurar a queda de popularidade. De uma forma ou de outra, o problema para os protagonistas da vencida e cansativa pendenga entre bolsonaristas e lulistas é que, ambos, rejeitam, desde sempre, o exercício da autocrítica. Não assumem erros, não são dados a rompantes altruístas, capazes de ajustar rotas para seguirem de maneira diferente. São o que são e devem persistir na obtusa alternativa de conduta aloprada. A esperança no ar: mesmo que incorram novamente na incúria, uma hora ou outra cairão em si. Como bem disse outro verborrágico ator da cena política, o ex-ministro e eterno presidenciável, Ciro Gomes, “o brasileiro mandou o lulopetismo radical e o bolsonarismo boçal para fora”. Isso é fato. Os números das urnas reforçam a rejeição. Repetindo Ciro: “Vão brigar lá fora”. Não é de hoje, os dois extremos se retroalimentam, dependem, umbilicalmente, entre si para sobreviver e, por conseguinte, o enfraquecimento de um representa também o enfraquecimento do outro. Como irmãos siameses. O PT de Lula, que saiu das últimas eleições — principalmente dessa — em farrapos, presenciou um Bolsonaro do eu sozinho, praticamente, sem conseguir eleger ninguém que apoiou. Polarizados numa disputa cega e particular, como animais guiados por viseiras que lhe cobrem os olhos contra o que se passa ao redor, estão agora fragmentados. O presidente mostrou-se um verdadeiro fiasco no papel de cabo eleitoral. Dos 78 candidatos lançados às urnas, carregando seu sobrenome a tiracolo, na vã expectativa de uma travessia fácil, nenhum — exceto o próprio filho Carlos, e mesmo assim com uma margem percentual de votos menor que a obtida em tentativa anterior – logrou vitória. Humilhação antológica. O “mito” circense, traduzido como piada ambulante pela sucessão de espetáculos excêntricos que protagoniza, derreteu, em menos de dois anos, tal como o acontecido, lá atrás e agora, com o demiurgo Lula. Em direções opostas, mas com os mesmos fundamentos, se parecem tanto que foram engolfados pela onda saneadora da política. Estão em um beijo de afogados devido ao radicalismo peculiar que professam. No momento, o pêndulo da preferência nacional segue para o centro. Não aquele nefasto, constituído pela base fisiológica de oportunistas de plantão. Há, efetivamente, um terceiro bloco de forças em ascensão. Mais equilibrado, menos fanfarrão, mais proativo, longe do lulismo e do bolsonarismo, amparado no mainstream da boa política, distante da prevalência dos adoradores-raiz de seitas dos redentores. Aconteceu um golpe de misericórdia nos galos de briga e eles ficaram falando sozinhos.


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