Com gatinhos, capivaras e trocadilhos românticos, os perfis oficiais do governo federal têm adotado um tom bastante informal nas redes sociais. As postagens do @govbr em plataformas como o Instagram vêm chamando atenção pela estratégia usada para alcançar mais engajamento e lançam dúvidas sobre os limites da comunicação institucional. É um assunto que divide especialistas: enquanto alguns a defendem o modelo como forma legítima de aproximar o governo das pessoas, outros alertam para os riscos de descontextualização e excesso de informalidade.
Nesta semana, por exemplo, o perfil recorreu a capivaras e até ao hype do “morango do amor” para reforçar a ideia de que, com Lula, o Brasil está prezando pela garantia da soberania nacional diante dos últimos movimentos do governo Donald Trump, com tarifaço e sanções ao ministro Alexandre de Moraes. Para o jornalista e professor da ECA-USP Eugênio Bucci, o uso de elementos infantis na comunicação do perfil pode parecer estranho à primeira vista, mas cumpre uma função legítima de interesse público.
“À primeira vista, é algo que fere a sobriedade da voz do Estado. Mas é necessário que o conjunto da população entenda o que é soberania, o que é autodeterminação, o que é a ordem constitucional. Como o Estado pode fazer isso se ele não se aproximar dos repertórios das diversas camadas da população?”, questiona.
Bucci recorre a exemplos históricos para contextualizar a prática de adaptar a linguagem institucional. “Nós vamos achar em muitos momentos adaptações da mensagem oficial para os universos e para as linguagens dos públicos específicos. Isso é muito importante”, diz. Ele cita desde peças da ditadura militar até adaptações infantis como Os Saltimbancos, de Chico Buarque. “Nós não podemos ter uma leitura formalista e restritiva do que é preciso comunicar no Brasil. Todos os públicos devem ser contemplados nessa comunicação.”
Segundo ele, os vídeos do governo não apenas evitam distorções como também ajudam a alcançar públicos que se tornaram impermeáveis à linguagem tradicional. “Embora a forma seja surpreendente, desconcertante, aquilo cumpre o interesse público de transmitir noções sobre o ordenamento do Estado Democrático e, nesse sentido, cumpre também o interesse nacional”, afirma. “A questão é: tem alguma mentira lá? Não tem. Tem barateamento de algum conceito? Também não tem.”
Para o cientista social e historiador Yagoo Moura, doutorando na FGV, o uso de memes, gatinhos e até do tal morango do amor por um perfil institucional reflete uma escolha comunicacional adaptativa. “O governo tem, por conta dessa conjuntura que está colocada, o desafio de se comunicar com a população, de explicar o que está acontecendo, de apresentar os fatos como eles estão ocorrendo, de forma que a população compreenda”, afirmou.
Moura entende que a linguagem leve pode ser uma forma eficiente de traduzir temas densos como soberania nacional: “A população que não tem tempo para se aprofundar nesses assuntos precisa de uma ferramenta que lhe seja útil para a interpretação do que está acontecendo”.
Tom arriscado
O marqueteiro político Alberto Laje entende que a linguagem adotada pelo @govbr é pensada para um nicho muito específico, que é a base mais engajada do governo. A escolha, segundo ele, não busca convencer quem está fora da bolha, mas mobilizar quem já é simpático à gestão.
“Essa não é uma comunicação do governo para virar a opinião de ninguém. É uma comunicação para alimentar a militância”, avaliou, Laje, acrescentando que o conteúdo tende a funcionar bem entre seguidores mais afinados com o governo, que acabam replicando as postagens em seus círculos sociais.
O risco, no entanto, aparece quando esse conteúdo ultrapassa a bolha para a qual foi criado. “Ações de mobilização de militância sempre têm o potencial de serem constrangedoras fora do ambiente de militância”, alertou. Para Laje, uma peça criada para animar apoiadores pode virar piada quando tirada de contexto, como já ocorreu em episódios recentes nas redes sociais envolvendo apoiadores de diferentes espectros políticos.
Engajamento é a aposta
Professor da PUCRS e pesquisador em comunicação digital, André Pase avalia que a estratégia do perfil oficial do governo mira o engajamento como principal ativo nas plataformas. “O governo precisa ser entendido por todos, porque todos são brasileiros”, diz. O desafio, segundo ele, é equilibrar a linguagem acessível com a responsabilidade institucional.
Pase ressalta que o tom bem-humorado e leve dos posts busca adaptar a comunicação ao “dress code” de cada rede social. “Uma coisa é você fazer esse tipo de conteúdo. Outra é saber fazer. Porque qualquer deslize pode virar um problema.” Para ele, o uso de memes pode até gerar críticas, mas cumpre o objetivo de circular e alcançar públicos diversos: “É um conteúdo que engaja, e isso é o que a plataforma quer. Ela precisa de conteúdo que gere discussão, seja com riso, com compartilhamento ou até com briga nos comentários.”