Você pode não ter percebido, mas existem dois planetas Terra. Um é a Terra esférica, outro, a plana. Ambos sempre existiram e conviviam com certo equilíbrio. No que é uma esfera, as pessoas enxergam em três dimensões e em technicolor. Já na Terra plana, não avistam um palmo diante do nariz e tudo está em preto e branco. No que é um globo, os habitantes voam de avião e conseguem enxergar a olho nu uma curvatura lá no horizonte. Ou completaram o ginasial e sabem o que são as teorias da gravitação e da evolução das espécies. No planeta plano, as coisas caem por serem mais densas que o ar. E o sujeito jura de pé junto que se utilizar um bom binóculo, conseguirá divisar a África a partir de Ipanema.

Mas o contraste entre os dois planetas está mesmo é nos detalhes. No mundão plano, os moradores seguem as dicas de Olavo de Carvalho e concordam com terraplanistas que mal conseguem ficar em pé sobre duas patas. No vasto globo, uma feira de ciências do ensino fundamental esclarece qualquer dúvida que ainda possa existir sobre o diâmetro do planeta azul. O bom de existirem esses dois mundos é que, com o advento das redes sociais, você pode escolher em qual planeta viver. Você pode optar por ser ou não achatado pela imbecilidade.

Os que estão na Terra esférica compreendem que se você não gosta de Bolsonaro, não é necessariamente petista. Os da Terra plana só conhecem esquerda e direita. Por definição, globalistas são quânticos, terraplanistas, binários. Quem está na Terra esférica pode viajar para o outro lado do mundo. Na Terra plana não existe outro lado. Todos vivem numa bandeja.
A gente vinha bem antes dos Trump, dos Olavo, dos Jair e dos Putin apresentarem ao planeta suas visões sem perspectiva. Aí a globalização falhou e deu lugar à terraplanização. O que chama atenção é que justo para aqueles que acreditam na planicidade, o horizonte deveria ser amplo. Mas são esses os mais tacanhos, abobalhados sob uma abóboda que não permite a circulação de ideias novas, diversidade, criatividade e arte.
Enquanto para os que acreditam no globo, com seus horizontes limitados pela curvatura do planeta, o universo é infinito, na Terra plana o Sol só ilumina as ideias de quem acredita nela. Assim, o mundo se torna, aos poucos, mais obscuro. Exposições são proibidas e livros vão para o fogo. Esse planeta plano é um enorme Jardim do Éden repleto de cobras falantes. Um mundão do capeta. Já na Terra esferoide existem diversos ângulos para cada assunto, há arestas para serem aparadas, possibilidades, curvas, desvios, atalhos, becos e caminhos alternativos.

É plano o mundo do homem mais poderoso do mundo e seus rednecks incapazes de compreender as dimensões da liberdade. A Terra redonda ri dos políticos de discursos rasos. Mas no mundo plano, aperta-se um botão aqui e um drone assassina alguém ali. Ou compra-se um revólver na ilusão de viver com mais segurança. Na esfericidade, os drones são para lazer. E não é armado que se encontra a paz. Mas não pense que só a direita tóxica vive nesse mundinho achatado.

Esta semana, o presidente venezuelano Nicolás Maduro fechou as portas da eleição para seus opositores. Ele provou que cada um escolhe seu caminho, não importa o viés político. E, aos poucos, essas realidades vão chegando a um conflito irreconciliável que se dá entre youtubers, vlogers e influenciadores. É uma guerra de algoritmos injustos.

Assustadoramente, essa divisão não está mais equilibrada. Quanto mais o tempo passa, mais gente opta por viver numa paisagem sem relevo. A cada tuíte, mais e mais seres humanos planos são convencidos pelo criacionismo, pelo conservadorismo e pela xenofobia. Porque plano é todo o infeliz que acredita nessa nova ordem sectária.

Há um conflito que se acirra entre as diferentes visões de mundo. Enquanto os globalistas são quânticos e diversos, os terraplanistas adotam um binarismo excludente e limitante. Eu escolhi meu lado