Nas mesas de bar, reuniões de pauta, grupos de amigos ou nas timelines dos algoritmos — em todo canto, a mesma avalanche: previsões sobre como a inteligência artificial vai reprogramar o mundo, substituir empregos, redesenhar relações, decidir por nós. Enquanto isso, muitas vezes me vejo remando contra a corrente com minha torcida por revistas impressas, textos que não cabem em prompts e discos de vinil que precisam ser virados na metade. Tudo bem, eu aceito. A inteligência artificial virou protagonista silenciosa, inclusive no turismo contemporâneo. Recomenda roteiros, ajusta horários, traduz em tempo real, cria itinerários com precisão cirúrgica — tudo em nome de uma experiência mais eficiente, mais personalizada, mais segura.
Mas é aí que mora o desconforto: tanta inteligência aplicada para nos conduzir justamente a lugares que deveriam nos lembrar da falta de controle. Quando até a trilha é otimizada pelo algoritmo, o que resta da aventura e da descoberta ? A natureza, que sempre foi espaço de improviso e desvio, corre o risco de virar cenário bem iluminado — só que previsível, higienizado, sem margem para o inesperado.
Ai que medo. A IA, ao suavizar o caminho, corrói parte do atrito que faz a experiência ser transformadora. Quando tudo é otimizado, o inesperado desaparece — e com ele, parte do sentido da viagem.
Me desculpem a visão pessimista sobre a tecnologia — talvez seja só cansaço de ver tudo virar tendência antes de virar vivência. Juro que não sou contra a IA. Só me incomoda essa pressa em transformar cada experiência em dado, cada emoção em métrica, cada paisagem em conteúdo. E ouvindo e consumindo esse assunto que domina o momento, pude listar alguns argumentos que defendem a minha opinião, veja se concordam comigo:
. Os padrões e preferências globais, serão tendenciosos nas infos sobre recomendações dos mesmos lugares, trilhas, pousadas e experiências para milhões de pessoas é óbvio que a autenticidade morrerá.
. O turismo, que deveria desacelerar, vira mais um campo da produtividade: otimização de tempo para visitar mais, rotas mais curtas, gastos, etc.
. A centralização de informações em apps e assistentes virtuais com certeza vai reduzir o papel de guias e dos locais — que carregam as melhores histórias e saberes do local.
. Você confia tudo à tecnologia, e corre o risco de viver a viagem como um checklist — sem presença, sem escuta, sem envolvimento real.
. A inteligência artificial pode, sim, nos ajudar a chegar até uma montanha. Pode traçar a melhor rota, prever a previsão do tempo, sugerir onde pisar e até avisar quantos minutos faltam para o pôr do sol atingir seu ápice fotográfico.
. Mas a experiência da montanha é outra coisa. É o frio que chega sem aviso, é o som do silêncio que só se escuta depois de horas sem sinal, é o guia que para no meio da trilha e, com um gesto de quem conhece o tempo e a terra, aponta uma pegada que você jamais veria sozinho.
. É também o que não acontece. A onça que não aparece, o céu que fecha, a trilha que vira barro — e mesmo assim, tudo isso deixa uma marca. Porque nem sempre a natureza se mostra. E quando se mostra, não é para quem pressiona, é para quem espera.
Nada disso pode ser programado. Nem captado por sensor. São vivências que não cabem num itinerário inteligente. Porque a natureza, quando é vivida de verdade, não tem botão de replay, nem tutorial, nem atalho.