O deputado federal Paulo Bilynskyj (PL) exaltou nesta última quinta-feira (18), na Câmara dos Deputados, a luta do avô contra o comunismo na Ucrânia. Seu avô fez parte da Waffen SS (SS Armada), exército pessoal nazista de Adolf Hitler durante a Segunda Guerra Mundial, cuja função também era a de vigiar campos de concentração, locais responsáveis pelo aprisionamento e o extermínio em massa de judeus.
O parlamentar fez a sua fala vestindo camisa em homenagem ao Dia Internacional da Vyshyvanka com um símbolo de herança da Ucrânia. “Essas vestes são uma homenagem às minhas origens, ao meu avô Bohdan Bilynskyj, que chegou ao Brasil, em 30 de setembro de 1948, após lutar bravamente pela liberdade de seu país, invadido por russos comunistas. É na Ucrânia dos anos 30 que começa a luta da minha família contra o comunismo”, disse.
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Para entidades e especialistas, a fala do deputado foi uma apologia clara do nazismo. “O deputado Paulo Bilynskyj afirmou nas próprias redes sociais, ao responder um seguidor, que o avô era parte da SS. Ciente do que era essa milícia nazista, tomou a decisão de subir ao púlpito da Câmara dos Deputados e exaltar a participação do avô em uma célula de massacre de minorias – não só de judeus, mas também negros, pessoas LGBTQIA+, deficientes físicos e comunistas. É, sem dúvidas, uma exaltação ao nazismo, usando a falsa justificativa de que o comunismo seria ‘o mal do mundo’, ‘o pior cenário’. Sendo assim, para ele, o nazismo seria mais tolerável e o nazismo nunca é tolerável”, afirma Michel Gherman, assessor acadêmico do Instituto Brasil-Israel.
A Conib (Confederação Israelita do Brasil) emitiu nota condenando a fala do deputado. “A Conib condena e lamenta profundamente as declarações do deputado Paulo Bilynskyj na Câmara dos Deputados exaltando ação do Exército alemão na Segunda Guerra Mundial. Sob o comando de Hitler, as tropas nazistas provocaram a morte de dezenas de milhões de pessoas e foram fundamentais para a perpetração do Holocausto, que exterminou 6 milhões de judeus na Europa”, disse Cláudio Lottenberg, presidente da entidade.
Para o pesquisador de pós-doutorado do departamento de ciência política da USP, Ronaldo Tadeu de Souza, estudioso do pensamento político conservador e de direita, o discurso do deputado é declaradamente nazifascista. “O mais grave é que ele não faz uma referência genérica, que já seria terrível e condenável, mas ele faz uma exaltação particular e pessoal. Ou seja, ele tem plena percepção do que está enunciando ao fazer referência elogiosa ao Waffen SS, que era não apenas o exército (convencional) do hitlerismo, mas o setor de elite daquele, altamente violento, racista, elitizado, fiel ao ideário de Hitler e seu grupo, convicto da missão de extermínio das raças, culturas inferiores, judeus e comunistas. É um louvor pleno e cabal do nazismo”.
Crescimento do neonazismo no Brasil
O discurso do deputado, entretanto, não é um fato isolado e se insere em um contexto de crescimento de grupos neonazistas no país. Mapa elaborado pela antropóloga Adriana Dias, pesquisadora do neonazismo no Brasil, mostra que, de janeiro de 2019 a maio de 2021, houve um crescimento de 270,6% na quantidade desses núcleos extremistas no país, o que significa pelo menos 530 grupos.
A eleição de Jair Bolsonaro (PL) para a Presidência foi um dos fatores que multiplicou a ideologia em território nacional. O ex-presidente de extrema-direita marcou sua carreira política por discursos nacionalistas e preconceituosos contra população LGBTQIA+, negros, mulheres e minorias de forma geral, posturas apoiadas por nazistas. Em 2011, antes de Bolsonaro assumir a presidência, lideranças de grupos neonazistas convocaram uma manifestação de apoio ao então deputado na Avenida Paulista.
O próprio slogan de campanha do ex-presidente — “Brasil acima de tudo” —, lembra a frase “Deutscland über alles”, que significa “Alemanha acima de tudo”, bordão utilizado na Alemanha de Hitler. Entre os atos de seu governo que o aproximaram de elementos nazistas, está a reunião, no Palácio do Planalto, dele com a deputada alemã Beatrix von Storch, neta do ministro das Finanças de Hitler, Lutz Graf Schwerin von Krosigk, e líder do partido de extrema direita alemão AfD (Alternativa para a Alemanha). Em 2018, a parlamentar foi investigada por incitar o ódio contra imigrantes muçulmanos nas redes sociais, quando o Twitter e Facebook removeram suas postagens, classificadas como discurso de ódio.
Outro exemplo de aproximação entre o governo Bolsonaro e a ideologia extremista se deu quando o ex-secretário especial da Cultura Roberto Alvim veiculou vídeo parafraseando um discurso do ministro da propaganda nazista, Joseph Goebbels.
Outra razão para o recrudescimento do nazismo no Brasil está na falta de uma legislação clara contra discursos de ódio, principal obstáculo para que esses crimes sejam punidos de maneira exemplar. Atualmente, o nazismo é punido com base na Lei de Crimes Raciais, com pena de até cinco anos de prisão, mas há dúvidas se a legislação é clara e dura o suficiente. Segundo especialistas, faltam ainda treinamento e melhor compreensão das normas nas polícias, nos Ministérios Públicos e no Judiciário.
“Há uma ligação clara entre o aumento de grupos neonazista e o sentimento de liberdade de um deputado federal de exaltar um grupo nazista na Câmara. Vivemos um longo processo de normalização do nazismo. No Brasil, hoje, pessoas que simpatizam com a ideologia de Adolf Hitler não têm sequer medo de esconder o que pensam. São orgulhosos, mesmo que a apologia ao nazismo seja crime. É constrangedor que o país tenha chegado neste ponto e mostra a urgência de passarmos por um processo de desnazificação”, afirma Gherman.
Para Tadeu de Souza, não há dúvidas de que a manifestação do deputado federal não se trata de um fato isolado. “As evidências são bastante consistentes de que há um crescimento de grupos, movimentos e de uma gestualidade nazista entre nós e o próprio deputado Bilynskyj tem essa noção. Não é algo fortuito a declaração dele”.
O pesquisador da USP acredita ser difícil prever o desfecho ou o horizonte dessas manifestações na vida política e na sociedade. “De todo modo, temos de estar muito atentos a essas manifestações, especialmente por vir de um deputado federal que era policial civil do Estado de São Paulo”, alerta.