Por Maria Carolina Marcello

BRASÍLIA (Reuters) – Diante da escalada retórica de Jair Bolsonaro contra a confiabilidade do sistema eleitoral brasileiro, entidades, juristas, artistas e até mesmo banqueiros e empresários decidiram se posicionar em mobilizações que terão seu ápice na quinta-feira, quando estão previstos atos que envolvem desde faculdades até movimentos de rua pelo país.

Enquanto espera-se que os eventos promovidos pela Faculdade de Direito da USP tenham um enfoque menos eleitoral e explicitamente centrado na defesa da democracia e das eleições, atos convocados em diversas cidades para o mesmo dia por movimentos populares ligados historicamente à esquerda têm o objetivo de resgatar a mobilização de rua e promover um “esquenta” para protestos de “Fora Bolsonaro” que se seguirão ao longo do ano.

Os atos de rua, a depender da força que demonstrem ter, podem funcionar como um impulso à mobilização pela candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que lidera as pesquisas de intenção de voto contra Bolsonaro, mas tem visto sua confortável vantagem se reduzir nos levantamentos mais recentes.

“O tema de todos os atos é o mesmo: é a defesa da democracia e por eleições livres. O mote de todas as mobilizações é esse, o respeito à soberania popular do voto contra um golpe. Porque na medida em que tem ameaça a respeito do resultado eleitoral, é uma ditadura”, disse à Reuters o coordenador Nacional da Central de Movimentos Populares (CMP), Raimundo Bonfim, que organiza os protestos de ruas e também deve comparecer ao evento da Faculdade de Direito.

Três fontes ouvidas pela Reuters afirmaram que os atos a serem realizados na USP serão propositalmente mais amplos, focados em representantes da sociedade civil, entidades e setores. Segundo duas dessas fontes, ligadas a campanhas de presidenciáveis, ficou implícito o recado para que candidatos não comparecessem ao evento, ainda que muitos deles tenham assinado manifesto que será lido na ocasião. A ideia é que não haja contaminação eleitoral do ato. Também foram colocadas questões de segurança como empecilhos para a participação dos políticos.

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Comemorada no Direito por marcar a criação dos cursos jurídicos no Brasil, a quinta-feira, 11 de agosto, começará no Largo de São Francisco, na Faculdade de Direito da USP, quando será lida carta “Em Defesa da Democracia e da Justiça”. Endossado por entidades com a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) –ainda que apoiada apenas por 18 de seus mais de 100 filiados– a Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo, e a Anistia Internacional, entre outros, o documento afirma que “a estabilidade democrática, o respeito ao Estado de Direito e o desenvolvimento são condições indispensáveis para o Brasil superar os seus principais desafios”.

Em um segundo momento, será lida a “Carta às Brasileiras e aos Brasileiros em defesa do Estado Democrático de Direito”. Inspirado por outra carta escrita em agosto de 1977 –a “Carta aos Brasileiros”, que denunciava a ilegitimidade do governo militar e conclamava o restabelecimento do estado de direito– o manifesto afirma que o país passa por um “momento de imenso perigo para a normalidade democrática, risco às instituições da República e insinuações de desacato ao resultado das eleições”.

O texto, que não cita Bolsonaro, cresceu em tração após reunião de Bolsonaro com embaixadores estrangeiros, em julho, quando o presidente voltou a questionar, sem fundamentos, o resultado das eleições pelo sistema eletrônico de votação.

Segundo Bonfim, que organiza os atos de rua, foi também o inusual evento do presidente com o corpo diplomático que levou à decisão política de convocação dos atos da quinta.

“Independentemente da preferência eleitoral ou partidária de cada um, clamamos as brasileiras e brasileiros a ficarem alertas na defesa da democracia e do respeito ao resultado das eleições”, diz o texto da USP.

A carta, que já conta com mais de 870 mil assinaturas, ganhou a adesão de artistas de peso como a atriz Fernanda Montenegro e do cineasta João Moreira Salles, mas também conta com os nomes de banqueiros como Roberto Setubal e Pedro Moreira Salles, do conselho administrativo do Itaú Unibanco, e Candido Botelho Bracher, ex-presidente do Itaú Unibanco, além dos empresários Guilherme Peirão Leal, copresidente do Conselho de Administração da Natura&Co, e Walter Schalka, presidente da Suzano.

Ministros eméritos do Supremo Tribunal Federal (STF) e juristas também corroboram a carta, que conta ainda com a subscrição de candidatos ao Palácio do Planalto, caso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), de Ciro Gomes (PDT) e de Simone Tebet (MDB), entre outros.

Já Bolsonaro (PL) não assinou o documento, referiu-se a ele como uma “cartinha” e tem convocado seus apoiadores a transformar a parada de 7 de Setembro em um grande comício, emulando a ideia de que os militares, enquanto Forças Armadas, o apoiam.

ESQUENTA

As leituras na manhã de quinta-feira devem ser retransmitidas por outras faculdades e há ainda os centros universitários que produziram suas próprias cartas, caso do “Manifesto da Unicamp pela Democracia”.

Na esteira dos eventos na Faculdade de Direito, também estão previstos atos em diversas capitais e cidades médias do país convocados na intenção de retomar a mobilização popular após um longo período sem manifestações nas ruas, informou Bonfim.


Os protestos terão a defesa da democracia e das eleições livres como mote, explicou o coordenador da CMP, mas também irão abordar pautas como os direitos sociais, o desemprego, a carestia e o aumento da fome no Brasil, no contexto da campanha “Fora Bolsonaro”.

Na leitura de Creomar de Souza, Fundador da Consultoria de Risco Político Dharma Politics, é possível que a adesão aos atos da quinta-feira fique mais restrita ao representantes e lideranças dos setores envolvidos.

“Não tem povo. A preocupação do povo é comida no prato e nisso os benefícios resolvem até 31 de dezembro”, avaliou, referindo-se ao Auxílio Brasil, reajustado para 600 reais até o fim do ano — medida encarada por muitos como eleitoreira.

Souza pondera, no entanto, que os manifestos previstos podem servir à estratégia de polarização, bastante explorada por Bolsonaro.

“É isso que Bolsonaro deseja, porque alimenta a ideia de incerteza e choque. Pensa o encadeamento de ações: amanhã as ações nas faculdades de direito, que não necessariamente serão uníssonas, e como resposta a este movimento, Bolsonaro tem a máquina, o 25 de agosto e o 7 de setembro”, afirmou, em referência a atos convocados pelo presidente.

Bonfim, por outro lado, adiantou que a retomada dos atos de rua na quinta-feira tem como objetivo preparar as manifestações previstas para 10 de setembro, após as mobilizações de apoiadores de Bolsonaro no Dia da Independência.

“Nós estamos chamando até de esquenta, porque nós estamos nos propondo a organizar no dia 10 de setembro, aí sim, atos grandes para se contrapor ao 7 de setembro golpista”, afirmou.

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