O inquérito da Polícia Federal sobre a tentativa de golpe de Estado em 2022, que visava impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva, ainda apresenta muitas incógnitas. Uma das principais questões é entender por que o general Walter Braga Netto não foi preso preventivamente, ao contrário dos quatro militares e do agente federal também envolvidos no suposto plano.
A operação “Contragolpe”, deflagrada pela PF na terça-feira, 19, constatou que o general de brigada Mário Fernandes (na reserva), o tenente-coronel Helio Ferreira Lima, o major Rodrigo Bezerra Azevedo, o major Rafael Martins de Oliveira e o policial federal Wladimir Matos Soares teriam planejado matar o então presidente eleito, o vice Geraldo Alckmin (PSB) e o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes, à época também presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
Segundo a PF, uma das reuniões para tratar do plano teria ocorrido na casa do general, em Brasília, com a presença dos majores Hélio Ferreira Lima e Rafael Martins de Oliveira, dois dos presos pela corporação.
O site IstoÉ entrevistou Davi Tangerino, professor de direito penal da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), e Fernando Castelo Branco, professor de direito penal na PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), para explicar o motivo de o general Braga Netto não ter tido a sua prisão preventiva decretada até o momento.
IstoÉ: Por que o general Braga Netto não foi preso preventivamente como os outros investigados da operação da Polícia Federal, já que ele também estava envolvido no plano golpista?
Davi: Não ficou muito claro o motivo de não ter decretado a prisão do general Braga Netto, porque os fatores que autorizaram as demais prisões implicam na mesma cena e contexto, e o general possui uma posição hierárquica maior. Por conta disso, talvez, entre em campo vetores extrajudiciais, como uma avaliação política de que a prisão dele nesse momento possa aumentar o ruído e a tensão com as forças armadas.
Uma outra leitura possível é que na terça-feira não era viável se ter a detenção. Porém há possibilidade de haver um indiciamento em breve com 40 autoridades e, então, pode ser que apareça algo mais claro que justifique uma prisão preventiva do Braga Netto.
Fernando: Me parece que, na convicção da autoridade policial, não havia elementos suficientemente necessários para incluir o general Braga Netto no mesmo decreto de prisão dos outros investigados no caso.
É sempre bom lembrar que a autoridade policial faz uma interpretação subjetiva dos fatos investigados e das provas até então coletadas. Então me parece que nem para ela, nem para a autoridade judicial, pelo menos por enquanto, observou elementos suficientemente fortes para decretar a prisão do general Braga Netto.
IstoÉ: Essas novas revelações podem de alguma forma atingir o ex-presidente Jair Bolsonaro, que é investigado no inquérito sobre os atos golpistas do 8 de janeiro?
Davi: O general Braga Netto foi ministro da Defesa durante o governo Bolsonaro, depois assessor da Presidência, quando decidiu que seria o vice do ex-presidente na chapa de 2022. Portanto há uma aproximação com Bolsonaro. No entanto o que temos é que Bolsonaro teria não só sabido do documento como editado, alterado, mexido, enfim. Então caso esses elementos se confirmem e surjam provas, a proximidade com Bolsonaro fica muito alta.
Fernando: Da forma como os fatos estão sendo expostos, não temos a exata noção se é um retrato fiel e absoluto do que foi coletado até agora de informações no curso das investigações policiais, mas claro que parece existir uma tendência de se buscar um envolvimento ou uma ciência por parte do ex-presidente Jair Bolsonaro sobre esses fatos. Agora, se isso realmente evidencia um envolvimento do ex-presidente em uma tentativa de golpe, não há como saber exatamente.
Acho que precisa haver muita cautela por parte não só das autoridades públicas envolvidas, mas também da imprensa e da sociedade civil na interpretação do caso. Acho que é muito cedo para fazer juízo de valor sobre isso.
IstoÉ: Quais os possíveis próximos passos após o indiciamento do ex-presidente e de Braga Netto pela Polícia Federal?
Davi: Os próximos passos estarão nas mãos da PGR (Procuradoria-Geral da República), no sentido de denunciá-los ou não. Seria possível, a exemplo do que foi feito com os outros, haver um pedido de prisão preventiva. Pelo me parece, o arquivamento caso é improvável, o grande desdobramento previsível é o oferecimento de denúncia com alguma brevidade, porém não sei se ainda este ano. A questão é se isso será combinado ou não com uma prisão preventiva.
Fernando: Os próximos passos são os naturais de qualquer investigação policial. A polícia judiciária serve exatamente para coletar elementos de prova de uma eventual prática de crime, algo que está sendo feito agora. Não apenas da materialidade dos crimes (da existência e da efetiva prova de que esses crimes ocorreram), mas também de vincular e elencar quem seriam os responsáveis.
Parece que os documentos até aqui coletados demonstram que houve uma o planejamento de uma tentativa de golpe, mas ainda não está claro quais seriam as pessoas envolvidas (no núcleo total – se houve envolvimento de outras autoridades públicas e de outros militares). Então é para isso que a investigação policial serve e é evidente que, caso fique demonstrado que tanto o ex-presidente quanto o general Braga Netto tenham algum envolvimento nesses fatos, possivelmente eles sejam indiciados, que nada mais é do que um ato administrativo dentro do inquérito policial de apontar o eventual responsável pela prática criminosa.
Por conta disso, o indiciamento seria uma etapa da investigação policial e que, ao término dessa apuração, o inquérito policial seria relatado e encaminhado para a PGR para assim ocorrer o eventual oferecimento de denúncia contra os responsáveis pelas práticas dos crimes.