A Tardezinha não é apenas um evento musical. Tornou-se um fenômeno industrial, cultural e simbólico que escancarou o potencial do pagode quando tratado com visão estratégica, investimento e respeito ao público. Em 2025, ao completar dez anos, o projeto idealizado por Thiaguinho, ao lado de Rafael Liporace e Rafael Zulu, alcança um patamar que o Brasil ainda insiste em tratar como exceção, quando, na verdade, deveria ser regra.
No próximo sábado, 20, Thiaguinho, 42, realiza o último show da edição comemorativa de 10 anos da Tardezinha com uma apresentação no Autódromo de Interlagos, na zona sul de São Paulo. O encerramento simboliza não apenas o fim de uma turnê, mas a consolidação de um dos maiores cases da história do entretenimento nacional. Mesmo em clima de despedida, o projeto já olha para o futuro: a Tardezinha anuncia oficialmente sua próxima turnê para 2028, reforçando que sua trajetória está longe de ser encerrada.
Os números falam por si. Ao longo de uma década, a Tardezinha ultrapassou a marca de R$ 1,5 bilhão em receita, segundo dados divulgados pela equipe do evento, com projeção de R$ 300 milhões somente em 2025. A turnê mais recente colocou o projeto no mesmo patamar financeiro de grandes festivais de música, cujo faturamento pode chegar a R$ 500 milhões. Só em 2023, mais de 750 mil ingressos foram vendidos, superando o recorde histórico da turnê de Sandy & Junior, até então referência absoluta no país.
Em 2025, a dimensão do projeto ficou ainda mais evidente. A Tardezinha lotou arenas e estádios em 22 cidades brasileiras e passou por quatro praças internacionais, Miami, Lisboa, Luanda e Sydney, reunindo um público estimado em um milhão de pessoas. Um alcance raramente visto em turnês nacionais, especialmente fora do eixo do pop internacional.
Mas o que torna esse fenômeno ainda mais relevante é o ponto de partida. Criada em 2015 como uma roda de samba despretensiosa de domingo, a Tardezinha cresceu sem perder identidade. Evoluiu para um megashow capaz de lotar estádios dentro e fora do país, transformando-se oficialmente na maior turnê da história da música brasileira.
O sucesso não ficou restrito a Thiaguinho, e é aí que está o ponto central. A Tardezinha virou modelo. Outros artistas entenderam que o público queria mais do que um show isolado. Queria uma experiência com conceito, continuidade e pertencimento. Péricles criou o Pagode do Pericão, voltado aos clássicos do samba e do pagode dos anos 80 e 90, além de releituras de seus próprios sucessos. Ludmilla, inspirada diretamente nesse formato, lançou o Numanice, que se tornou um dos projetos mais bem-sucedidos do gênero, ultrapassando R$ 185 milhões em faturamento. Mumuzinho apostou na informalidade e na proximidade com o público ao criar a Resenha do Mumu.
O impacto do movimento chegou até artistas de outros gêneros. Quando se diz que “clareou” para Ivete Sangalo em dezembro de 2025, a expressão se refere não apenas a uma mudança visual, mas também à sua aproximação com o samba em uma nova turnê, evidenciando como o gênero voltou a ocupar o centro do mercado e da conversa cultural.
A força da Tardezinha extrapola o entretenimento. Em 2025, o projeto foi reconhecido oficialmente como Patrimônio Cultural de Natureza Imaterial do Rio de Janeiro, reforçando seu papel na valorização da cultura preta e do pagode contemporâneo. Sua estrutura monumental mobiliza mais de 30 mil profissionais e gera mais de 100 mil empregos a cada temporada, um impacto econômico que raramente recebe o devido destaque.
E talvez seja justamente aí que mora o risco: normalizar a Tardezinha. Tratar esse fenômeno como algo comum é ignorar que ele rompeu uma lógica histórica de subvalorização do pagode e dos artistas populares no mercado de grandes turnês. Não é “só mais um show”. É um modelo de negócio, um movimento cultural e um exemplo de como a música brasileira pode e deve ser pensada em escala global.
Encerrar a turnê de 10 anos no Autódromo de Interlagos não é apenas um gesto simbólico. É a confirmação de que a Tardezinha redefiniu o mercado de shows no Brasil e provou que, quando bem tratado, o pagode não apenas ocupa o centro do palco, ele domina o espetáculo inteiro.
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A Disneylândia do pagode
A IstoÉ Dinheiro conversou com Rafael Zulu e Rafael Liporace, dois dos responsáveis pelo sucesso da turnê considerada a maior do país. Zulu explica que chamou mais dois sócios para colocar a ideia nos trilhos.
“Eu falei com o Thiago, que também é um idealizador, que topou na hora. Sem ele acreditar, a ideia não teria saído do papel. Eu falei com o Renan (Coelho, o terceiro sócio) e ele falou que toparia se pudesse chamar o Liporace. No primeiro contato com ele, eu ouvi uma frase que eu não esqueci: ‘talvez a gente esteja à frente do maior projeto de entretenimento do Brasil’. E estamos aqui hoje”, explicou.
Thiaguinho e Rafael Zulu Foto: divugação
Pensando pequeno e pensando grande
Para colocar a ideia na estrada, Rafael Zulu, Thiaguinho e o empresário Renan Coelho chamaram o professor de publicidade e propaganda da ESPM Rafael Liporace. Dono de uma agência de eventos, ele afirmou que enxergou no negócio um grande potencial logo em seu início.
“Desde o começo a gente via que esse negócio poderia ser grande e enxergamos ele assim, nós não o víamos como uma festa pontual, em volta da piscina, mas uma coisa grande. Hoje a gente tem um tamanho que permite sermos assunto em rodas da Faria Lima, mas pensando nas premissas e características de gestão e cultura de quando éramos pequenos”, explicou.
Thiaguinho Foto: reprodução/Instagram
O castelo da Disney
Desde o início, o projeto segue basicamente a mesma fórmula: uma roda de samba, com um palco 360 graus, onde Thiaguinho convida nomes importantes do pagode para um show que geralmente dura mais de quatro horas. Por conta disso, Liporace explica que a ideia entre uma turnê e outra não é pensar em inovação, mas em ampliação.
“A nossa inspiração para isso é a Disney, pela inspiração da percepção do consumidor. Se você olhar, você vai na Disney em Paris, ela não é igual à Disney de Orlando, que não é igual à da Califórnia, que não é igual à Disney da Ásia, mas você se enxerga dentro da Disney. O castelo da Disney não muda todo ano, ele está lá há 50 anos, mas muda o show, muda a projeção mapeada. As pessoas querem ir para ver o mesmo castelo”, explicou.
Tardezinha no Engenhão, Rio de Janeiro Foto: BS Fotografias
Ativações com marcas
Atualmente, a turnê conta com 18 parceiros, entre patrocínios master, oficiais, complementares e de mídia. Procurado pela reportagem, o Grupo Petrópolis, dono da marca Itaipava, um dos patrocinadores master do evento, afirma que são consumidos, em média, mais de 40 milhões de litros de cerveja por show.
“A gestão profissional de toda a equipe faz toda a diferença. Nós estamos com eles desde o começo, quando era pequeno, e vemos a seriedade com que a equipe trata todo o evento e o produto. Garanto que, se tiver mais 10 anos pela frente, eu quero estar 10 anos com eles, porque eu sei que ali vai ter profissionalismo”, explicou José Luiz Sinti, gerente de Patrocínios do Grupo Petrópolis.
Questionado pela reportagem, Rafael Liporace não garantiu quando será a próxima edição do evento. O grupo também conta com produtos oficiais e parcerias que vão desde a cerveja da turnê até curso de pós-graduação em gestão de eventos, em parceria com a Estácio.
Itaipava (Grupo Petrópolis) Foto: divulgação
As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva da repórter Letícia Sena e não refletem, necessariamente, a posição editorial do veículo.