O governo do ex-presidente Jair Bolsonaro teria tentado trazer ao Brasil de forma ilegal joias avaliadas em cerca de R$ 16,5 milhões. Uma reportagem do jornal O Estado de S.Paulo expôs o caso, e novas revelações envolvendo os supostos presentes da Arábia Saudita ao ex-presidente e a sua esposa, Michelle Bolsonaro, surgiram desde a publicação da primeira notícia, em 3 de março.

Nesta quarta-feira (05/04), Bolsonaro deverá depor sobre o caso à Polícia Federal, em Brasília, numa investigação sobre peculato, ou apropriação de bens públicos.

Confira o que já se sabe sobre o caso:

Joias apreendidas no aeroporto

  • De acordo com a reportagem do O Estado de S.Paulo, as joias foram apreendidas quando uma comitiva do governo Bolsonaro retornava ao Brasil após uma viagem oficial à Arábia Saudita, em outubro de 2021. As peças estariam na mochila de um militar que era assessor do então ministro de Minas e Energia, Bento Alburquerque.
  • Segundo o documento da Receita Federal sobre o ocorrido no aeroporto de Guarulhos, o militar da comitiva de Bolsonaro disse não ter nada a declarar, mas, ao passar pela alfândega, um fiscal solicitou que ele colocasse sua mochila no raio-x, onde “observou-se a provável existência de joias”. A bagagem então foi revistada, e os agentes encontraram um par de brincos, um anel, um colar e um relógio com diamantes. Os objetos foram apreendidos.
  • De acordo com o documento, o militar informou o ocorrido ao ministro Bento Alburquerque, que tentou liberar as peças alegando se tratar de um presente para a então primeira-dama, Michelle Bolsonaro. A Receita, porém, manteve a apreensão.
  • No dia 14, em depoimento à PF, Albuquerque mudou sua versão e negou que tivesse conhecimento sobre o destino final das peças.

O que justificou a apreensão

  • De acordo com a lei, para entrar no país com mercadorias adquiridas no exterior com valor superior a 1 mil dólares (pouco mais de R$ 5 mil), o viajante deve declarar o bem e pagar um imposto de importação equivalente a 50% do valor do produto. Caso tenha omitido a declaração, para a liberação do bem, além do pagamento do imposto é aplicada uma multa adicional de 25% do valor.
  • Dessa forma, para reaver as joias, Bolsonaro deveria desembolsar cerca de R$ 12 milhões.
  • Uma alternativa para a entrada legal das joias no Brasil, sem o pagamento de impostos, seria por meio de uma declaração do governo de que as peças eram um presente oficial para o Estado brasileiro. Nesse caso, porém, as joias passariam a ser propriedade do Estado.

Tentativas de reaver as joias

Segundo a reportagem, o governo Bolsonaro fez várias tentativas de recuperar as joias, mobilizando os Ministérios da Economia, Minas e Energia e das Relações Exteriores. Numa delas, em 3 de novembro de 2021, o Ministério de Minas e Energia teria pedido a intervenção do Itamaraty no caso. A Receita, porém, informou que isso só seria possível se fosse feito o pagamento do imposto e da multa.

O Estado de S.Paulo afirmou ainda que o comando da Receita também tentou conseguir a liberação, mas os fiscais, que têm estabilidade na carreira, negaram o pedido.

Em outra tentativa de recuperar as peças ainda em 2021, o governo Bolsonaro teria alegado que as joias seriam analisadas para incorporação “ao acervo privado do Presidente da República ou ao acervo público da Presidência da República”. A justificativa aparece num documento divulgado nas redes sociais pelo ex-chefe da Secretaria Especial de Comunicação Social Fabio Wajngarten, após a revelação do caso.

Um ofício do gabinete de Bento Albuquerque também de 2021 pedia a liberação dos “presentes retidos”, ao alegar ser “necessário e imprescindível que seja dado ao acervo o destino legal adequado”. O documento, no entanto, não menciona o destino que seria dado às joias.

Poucos dias antes do fim do governo, em 28 de dezembro de 2022, outra tentativa de recuperar as joias teria sido feita. O próprio Bolsonaro teria enviado um ofício para a Receita pedindo a liberação dos bens.

No dia seguinte, um funcionário do governo foi a Guarulhos para tentar, sem sucesso, recuperar as peças, argumentando que elas não podiam ficar retidas devido à iminente mudança de governo.

Segundo o jornal Folha de São Paulo, em dezembro do ano passado, Bolsonaro também teria conversado por telefone como então chefe da Receita Federal Julio Cesar Vieira Gomes sobrea liberação das joias.

Gomes teria pressionado os servidores de Guarulhos para liberarem a entrega das peças ao ex-presidente.

Bolsonaro não cumpriu ritos para regularizar joias

A Receita Federal informou que não foram cumpridos os ritos necessários para incorporar ao patrimônio da União as joias trazidas da Arábia Saudita, apesar de ter orientado o governo Bolsonaro sobre o processo para a regularização das peças.

“A incorporação ao patrimônio da União exige pedido de autoridade competente, com justificativa da necessidade e adequação da medida, como por exemplo a destinação de joias de valor cultural e histórico relevante a serem destinadas a museu. Isso não aconteceu neste caso”, afirmou a Receita em nota. “Não cabe incorporação de bem por interesse pessoal de quem quer que seja, apenas em caso de efetivo interesse público.”

O órgão informou ainda que o prazo para a regularização dos objetos terminou em julho de 2022, e destacou que todos os brasileiros, “independentemente de ocupar cargo ou função pública”, estão sujeitos às mesmas leis aduaneiras.

“Na hipótese de agente público que deixe de declarar o bem como pertencente ao Estado brasileiro, é possível a regularização da situação, mediante comprovação da propriedade pública, e regularização da situação aduaneira. Isso não aconteceu no caso em análise, mesmo após orientações e esclarecimentos prestados pela Receita Federal a órgãos do governo”, diz a nota.

Mais presentes da Arábia Saudita

Outros presentes enviados pela Arábia Saudita foram entregues a Bolsonaro, segundo a Folha de S.Paulo e O Estado de S. Paulo. Documentos mostram que um pacote com relógio, caneta, abotoaduras, anel e um tipo de rosário islâmico não foi interceptado pela Receita Federal em outubro de 2021.

Os objetos estariam na bagagem de outro integrante da comitiva de 2021 e só foram repassados para o ex-presidente em novembro do ano passado. As peças foram entregues pelo então assessor especial do Ministério de Minas e Energia Antônio Carlos Ramos de Barros Mello.

À Folha, Mello afirmou que a demora na entrega ocorreu devido à lentidão no processo para determinar para onde e com quem os objetos ficariam. A Presidência, porém, teria sido informada imediatamente após a pasta ter recebido os presentes.

A Polícia Federal descobriu que o pacote com relógio, caneta, abotoaduras, anel e um tipo de rosário islâmico foi listado como um bem pessoal de Bolsonaro.

O ex-presidente confirmou à CNN Brasil que incorporou ao seu acervo privado esse pacote de presentes. “Não teve nenhuma ilegalidade. Segui a lei, como sempre fiz”, afirmou Bolsonaro.

Segundo o Blog da Andréia Sadi no G1, o tenente-coronel do Exército Mauro Cid, ajudante de ordens do ex-presidente, disse que o estojo que continha os itens estaria no acervo privado de Bolsonaro e comparou as peças a “qualquer outro bem que ele recebeu”, como uma caneta, uma Bíblia ou um tênis.

O jornal O Estado de S. Paulo revelou ainda a existência de um terceiro pacote de joias, avaliado em mais de R$ 500 mil. Entre as peças estariam uma caneta da marca Chopard, um anel de ouro branco e um relógio Rolex.

Esses itens teriam sido entregues a Bolsonaro durante uma viagem ao Catar e à Arábia Saudita em 2019. O pacote ficou guardado numa fazenda do ex-piloto de Fórmula 1 Nelson Piquet, em Brasília. O TCU determinou a entrega imediata do pacote.

Bolsonaro proibido de usar ou vender joias

O Tribunal de Contas da União (TCU) proibiu em 9 de março Bolsonaro de usar ou vender as joias que ele recebeu de presente da Arábia Saudita. O ex-presidente ficou com um segundo pacote que não foi descoberto pela Receita. Na decisão, o ministro Augusto Nardes também determinou que o ex-presidente e Bento Alburqueque sejam ouvidos nas investigações.

“Considerando o elevado valor dos bens envolvidos e, ainda, a possível existência de bens que estejam na posse de Jair Bolsonaro, conforme noticiado pela imprensa, entendo importante, determinar que o responsável preserve intacto, na qualidade de fiel depositário, até ulterior deliberação desta Corte de Contas, abstendo-se de usar, dispor ou alienar qualquer peça oriunda do acervo de joias objeto do processo em exame”, afirma Nardes na decisão.

PF vai apurar se houve crime

O ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, enviou no dia 6 de março um ofício à Polícia Federal (PF) pedindo que o caso seja investigado. No ofício ao diretor-geral da PF, delegado Andrei Augusto Passos Rodrigues, o ministro afirma que, “da forma como se apresentam”, os fatos divulgados pela imprensa “podem configurar crimes contra a administração pública”.

A PF também investigará se Bolsonaro levou as joias sauditas que ele recebeu para fora do país. Há suspeita do crime de descaminho, pois, se os bens eram pessoais, Bolsonaro deveria ter pago os impostos referentes às peças para sua entrada no país. Ao entrar sem pagamento, os objetos não poderiam fazer parte do acervo pessoal do ex-presidente.

A PF já intimou Bento Albuquerque e o ex-assessor Marcos André Soeiro, que carregava as joias apreendidas, a deporem no inquérito aberto para apurar o caso.

Além da PF, a Receita Federal acionou o Ministério Público Federal (MPF) para apurar o caso e informou que já enviou informações para uma possível investigação.

Bolsonaros negam irregularidades

Tanto Michelle Bolsonaro como o ex-presidente negam irregularidades. A ex-primeira-dama afirmou que não sabia do suposto presente e chegou a fazer piada nas redes sociais sobre as joias. Em sua primeira reação pública, Michelle disse estar “rindo da falta de cabimento dessa imprensa vexatória”.

Já o ex-presidente negou irregularidades e disse em entrevista à emissora CNN Brasil que estaria sendo “acusado de um presente que eu não pedi nem recebi. Não existe qualquer ilegalidade da minha parte. Nunca pratiquei ilegalidade”. Dias depois, ele voltou a negar ter conhecimento dos presentes que estão retidos pela Receita Federal – um colar, um anel, um relógio e um par de brincos de diamantes. “Eu não pedi, nem recebi esses outros presentes”, destacou.

Posteriormente, depois de negar ter conhecimento dos presentes e com a revelação do recebimento do segundo pacote com joias, Bolsonaro confirmou que as peças – relógio, caneta, abotoaduras, anel e um tipo de rosário islâmico – foram incorporadas ao acervo pessoal dele. Em declaração à CNN, o ex-presidente disse ainda que não houve ilegalidades no caso e teria seguido a lei em relação aos presentes sauditas.

Ao jornal Folha de S.Paulo, o ex-ministro Bento Alburquerque negou que sua equipe teria tentado trazer presentes caros para Michelle e que ele próprio teria tentado reaver as peças. Posteriormente, a assessoria de Bento Albuquerque afirmou que as joias seriam “presentes institucionais destinados à representação brasileira integrada por Comitiva do Ministério de Minas e Energia – portanto, ao Estado brasileiro”, e que, em decorrência, “o Ministério de Minas e Energia adotaria as medidas cabíveis para o correto e legal encaminhamento do acervo recebido”.

A declaração contrasta com relatos anteriores do ex-ministro, segundo os quais ele teria dito que as joias eram um presente do governo saudita a Michelle Bolsonaro.

Denúncias freiam ambições políticas de Michelle

O envolvimento de Michelle Bolsonaro nas denúncias levou o PL, partido do casal Bolsonaro, a adiar sua estratégia de dar maior projeção à ex-primeira-dama e teria levado o ex-presidente a estender sua permanência nos Estados Unidos, onde está desde 30 de dezembro, pouco antes da posse de Luiz Inácio Lula da Silva.

Segundo uma reportagem do Estadão do dia 7 de março, aliados próximos ao clã Bolsonaro e parlamentares do PL avaliaram que as denúncias possuem “materialidade” e desgastam o capital político do ex-presidente, cujas explicações sobre o caso não teriam sido convincentes.

O PL tinha intenção de aproveitar a data do Dia Internacional da Mulher para anunciar a posse de Michelle no PL Mulher, mas a repercussão negativa do caso das joias levou o partido a adiar a cerimônia que deveria dar maior visibilidade à ex-primeira-dama. Segundo apurou o jornal, Michelle já despacha na sede do PL e já estaria montando sua equipe.

Ex-ministro muda versão

Em depoimento à PF, no dia 14 de março, o ex-ministro Bento Albuquerque contradisse suas declarações iniciais e negou que tivesse conhecimento sobre o destino final das peças, numa provável tentativa de proteger o casal Bolsonaro.

Em depoimento de mais de uma hora à PF por videoconferência, o ex-ministro e ex-almirante da Marinha afirmou que as joias seriam presentes de Estado entregues por uma autoridade do governo saudita à comitiva chefiada por ele, pouco antes do retorno ao Brasil.

Segundo o advogado do ex-ministro, ele alegou que os presentes não foram abertos até a chegada do grupo ao aeroporto de Guarulhos, e que em nenhum momento foi informado de que as joias seriam para o ex-presidente ou para Michelle.

O depoimento contrasta com o que foi dito pela defesa de Bolsonaro e por um de seus filhos, o senador Flávio Bolsonaro, segundo os quais as joias deveriam ficar no acervo pessoal do ex-presidente.

A explicação de Bento Albuquerque também contradiz sua própria declaração aos fiscais da Receita Federal no dia da apreensão das joias em Guarulhos, registrada em uma gravação divulgada na imprensa de um vídeo do circuito interno do aeroporto.

Na imagem, o ex-ministro aparece dizendo que “isso tudo vai entrar lá pra primeira-dama”. Seus advogados dizem que esta teria sido somente uma suposição por parte de Bento Albuquerque, ao tomar conhecimento do conteúdo do pacote.

Bolsonaro entrega joias e armas

O ex-presidente Jair Bolsonaro devolveu no dia 24 de março um conjunto de joias recebido da Arábia Saudita em 2021. O conjunto é avaliado em R$ 500 mil e é composto por relógio, abotoaduras, caneta, anel e um tipo de rosário islâmico, todos da marca suíça de diamantes Chopard.

Ele também entregou à Polícia Federal um fuzil e uma pistola que recebera de presente de autoridades dos Emirados Árabes Unidos, em 2019, após determinação do Tribunal de Contas da União (TCU).

O advogado de Bolsonaro afirmou que a legislação referente a presentes recebidos por autoridades brasileiras é confusa, e Bolsonaro disse que entregou as armas com dor no coração.

Na véspera de depor à PF, o ex-presidente entregou também o pacote de joias recebido em 2019, avaliado em mais de R$ 500 mil. Entre as peças estariam uma caneta da marca Chopard, um anel de ouro branco e um relógio Rolex.