Entenda o ataque com motivação política sofrido pelos jornalistas da Globo

Jornalistas da TV Globo se tornam alvo de hostilidade e ameaças em meio à polarização política e desinformação nas redes sociais

William Bonner cita apresentador morto ao revelar momento inesquecível de sua carreira
William Bonner cita apresentador morto ao revelar momento inesquecível de sua carreira Foto: Reprodução/TV Globo

A jornalista Leilane Neubarth, da GloboNews, passou por uma situação constrangedora na noite de terça-feira, 29, e decidiu relatar o episódio em suas redes sociais. Durante compras, ela foi alvo de ataques verbais por parte de uma mulher, que a ofendeu por trabalhar na TV Globo.

O vídeo publicado por Leilane mostra a agressora disparando insultos direcionados à emissora e aos profissionais de jornalismo da casa. “Vocês, repórteres da Globo, são insuportáveis. Fazem um jornalismo de lixo. Eu posso falar, porque assistia à Rede Globo… Vai colocar no jornal? Ai, estou com o cabelo bom hoje? Queria estar melhor. Estou vindo do hospital, entendeu? Trabalho muito, com gente pobre, muito pobre, que acredita nas bobagens que vocês dizem. Jornalixo!”, gritou a mulher, visivelmente exaltada.

Na legenda da publicação, Leilane explicou o contexto da agressão. “Isso aconteceu comigo hoje à tarde. Estava em uma loja, fazendo compras normalmente, quando fui surpreendida por insultos sem motivo. Essa mulher começou a me xingar do nada. Levei alguns instantes para perceber que a única maneira de reagir era com o celular na mão. Consegui registrar apenas o final da agressão. Além de ofensiva, ela parecia querer se exibir. Por isso resolvi compartilhar. Ninguém é obrigado a gostar de ninguém, mas acredito que ‘o respeito é a luz que ilumina a escuridão da intolerância’”, escreveu.

Diversos colegas de profissão e personalidades se manifestaram em apoio à jornalista. A também apresentadora Sandra Annenberg comentou: “Querida, sabemos o valor do trabalho que fazemos. Espero que o dela seja tão digno quanto o nosso. Uma coisa é certa: jamais trataríamos alguém daquela forma, mesmo em desacordo. Respeito é essencial — e, infelizmente, essa mulher não sabe o que isso significa. Lamento pelos pacientes dela, não pela falta de recursos, mas pela ausência de humanidade”.

Outros nomes da GloboNews também prestaram solidariedade. “Minha solidariedade, querida Lei”, escreveu Natuza Nery. Renata Ceribelli reforçou: “Amiga, sinta-se acolhida. Essa atitude diz muito mais sobre ela do que sobre você”. Já André Trigueiro acrescentou: “Querida, receba meu abraço e minha admiração. Você é gigante!”.

O jornalista Edney Silvestre foi direto: “A democracia, a verdade e a liberdade de expressão são indigestas para os radicais de direita. Você agiu com serenidade. É claramente alguém que procura confronto. Recomendo que consulte um advogado”.

A jornalista Daniela Lima também se emocionou ao comentar: “Sempre me pergunto por que seguimos nesse caminho, escutando injustiças, sendo julgadas… só pode ser por espírito público. Você já fez tanto, já poderia estar tranquila, mas segue firme. Os tempos são duros, e quem luta pelo país não desiste. Tenho muito orgulho de você. Estar ao seu lado é um dos maiores presentes que já recebi. Te amo”.

O ataque com motivação política sofrido pelos jornalistas da Globo

A frase “Globo lixo” é usada como um ataque verbal à TV Globo e, por consequência, muitas vezes atinge também os jornalistas que trabalham na emissora. Essa expressão se tornou um símbolo de crítica e rejeição à linha editorial da empresa, especialmente por parte de grupos que discordam da cobertura jornalística feita pela Globo.

Críticas à linha editorial
Muitos críticos — especialmente políticos e seus apoiadores — afirmam que a Globo adota uma postura parcial em suas reportagens, favorecendo ou atacando determinados grupos políticos. Essa percepção se intensificou durante governos recentes, como o do ex-presidente Jair Bolsonaro, que frequentemente acusava a emissora de publicar notícias negativas para prejudicá-lo.

Polarização política
O Brasil vive um cenário político altamente polarizado. A mídia, especialmente veículos grandes como a Globo, tornou-se alvo de desconfiança por parte de pessoas que se sentem representadas por políticos ou ideologias que se consideram injustiçados pela cobertura jornalística.

Fake news e desinformação
Em redes sociais e grupos de mensagens, circulam frequentemente boatos e informações falsas sobre a TV Globo. Esses conteúdos contribuem para alimentar o ódio e a desconfiança contra a emissora e seus jornalistas, reforçando a ideia de que a Globo manipula ou distorce fatos.

Histórico de influência
A Globo é a maior emissora do país e tem um histórico de grande influência na formação da opinião pública. Há quem acredite que a empresa usou esse poder, no passado, para favorecer determinados interesses políticos ou econômicos — como nas críticas ao seu papel durante a ditadura militar e no apoio indireto a certos candidatos em eleições.

Personificação da marca nos jornalistas
Em situações de protesto ou confronto, os jornalistas da Globo acabam sendo o rosto visível da emissora. Assim, mesmo que estejam apenas fazendo seu trabalho de informar, muitos repórteres são hostilizados ou agredidos verbalmente com o grito de “Globo lixo”, que simboliza um repúdio generalizado à empresa.

Os ataques contra Bonner

Ao participar do programa ‘Altas Horas’, em fevereiro deste ano, William Bonner fez uma revelação sobre sua vida pessoal. O âncora do ‘Jornal Nacional’ disse que evita frequentar lugares públicos por conta da polarização política. Na atração, Bonner ainda contou que já foi “xingado das mais variadas formas” em diversas situações nos últimos anos e, por isso, não gosta de sair de casa, temendo ataques de haters.

“Se você só tem contato com quem concorda com você, quando alguém discordar de você, haverá um enorme estranhamento. Até aí está tudo bem. O problema é que estimulou-se todo mundo a transformar o estranhamento em hostilidade”, disse o jornalista.

Segundo William Bonner, ele não deixou de praticar atividades físicas na rua. No entanto, tem evitado eventos e outros compromissos “mais públicos”, como shows e teatros, para não correr o risco de sofrer agressões ou ataques.

“Quem pensa diferente de você passa a ser seu inimigo — essa é a lógica das redes sociais. Se o mundo não acabar, em algum momento a humanidade perceberá que isso está acontecendo. É só examinar o que acontece; as pessoas ficaram muito intolerantes”, ressaltou o editor-chefe do JN.

“Então, prefiro viajar de carro. Eu evito esse tipo de coisa, mas tem muita gente ainda que está com o coração aberto para escutar o outro, aplaudir talentos. Então, enquanto houver isso, haverá esperança, que seja assim”, completou.

A reportagem de IstoÉ Gente relembra todas as vezes em que William Bonner se tornou alvo de ataques, pagando um alto preço por estar à frente do telejornal de maior audiência da televisão brasileira, especialmente na cobertura de denúncias e questionamentos contra os dois líderes políticos mais populares do país, o presidente Lula e Jair Bolsonaro.

Em 2020, extremistas acessaram dados fiscais de William Bonner, de seus filhos e até de seus pais falecidos. Informações confidenciais do filho Vinícius foram usadas em fraudes e estelionatos.

O jornalista também recebeu ameaças de morte pela internet e foi constrangido em público diversas vezes, como em uma padaria no Rio, quando uma mulher começou a gritar insultos após reconhecê-lo.

Em junho de 2020, os âncoras do Jornal Nacional, Renata Vasconcellos e William Bonner, pediram paz na edição do noticiário. Renata, aniversariante do dia, foi alvo de um homem que invadiu a sede da emissora durante a tarde, armado com uma faca, e acabou fazendo a repórter Marina Araújo refém.

Renata e Bonner agradeceram as manifestações de apoio recebidas e exaltaram o fato de que ninguém se feriu durante o episódio.

“Ao longo da tarde, a notícia se espalhou e nós recebemos muitas mensagens de apoio. Agradecemos todas as manifestações de solidariedade de autoridades, colegas e do público. E agradecemos muito. Foi um susto enorme, mas nós recebemos aqui, neste ambiente da redação, as duas colegas sãs e salvas. Por isso, também agradecemos, claro, a ação impecável da Polícia Militar na proteção delas”, disse William Bonner.

Em maio do ano passado, Bonner sofreu diversos ataques durante a cobertura da tragédia climática que atingiu o Rio Grande do Sul. O jornalista foi hostilizado ao vivo enquanto comandava o JN no Estado.

“Cadê a Globo dentro da água? Tem empresário no Brasil trabalhando mais que o próprio presidente. Por que a Globo só veio agora gravar? Por que não teve ninguém dentro da água antes? Por que vocês não estiveram com a gente nesse resgate? Na hora de botar na mídia é fácil, depois que está tudo seco é fácil falar”, disparou uma pessoa para Bonner.

“Pode fazer a proteção que for, irmão. Esse espaço aqui é público”, disse o homem a um segurança que acompanhava Bonner, até então, o único com escolta na região.

‘Eu ainda me assusto’

Em uma entrevista a Pedro Bial, há quatro anos, Bonner fez um desabafo: “Ainda me assusto com o ódio que escorre nas palavras, nas palavras mal escritas, nas palavras cuspidas. É um ódio tão intenso que não sabemos para onde nos levará. E aí vamos para as ruas e assistimos a essa mesma incivilidade.”

“Tem gente hoje me aplaudindo que, há dois ou três anos, me xingava. Pessoas que hoje me xingam, há dois ou três anos, batiam palmas”, completou na ocasião.