No começo de fevereiro, centenas de jovens drogados, oriundos da cracolândia de São Paulo, invadiram uma loja de produtos eletrônicos na rua Santa Efigênia, depredaram o local e levaram toda a mercadoria avaliada em R$ 300 mil. O dono do empreendimento resolveu fechá-lo. Eventos como esse tornaram-se comuns no centro da maior cidade brasileira. Em dez anos, a quantidade de empresas no local caiu de 15 mil para cerca de 2,5 mil, como calcula Fábio Zorzo, presidente da União Santa Efigênia. Os comerciantes estão abandonados à própria sorte. A polícia não sabe o que fazer com os drogados que são abastecidos pelos traficantes de drogas comandados pela facção que domina o comércio de entorpecentes diretamente das cadeias, sob as vistas grossas das autoridades.

O PCC hoje já virou uma multinacional do crime. Produz drogas no Paraguai, Bolívia e Colômbia e as comercializa nos grandes centros do Brasil e na Europa e EUA, passando por barreiras policiais coniventes com os criminosos. Somente no ano passado, o PCC faturou R$ 4,9 bilhões com o comércio de drogas, de acordo com o Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público de São Paulo.

Com tal poder financeiro, o crime organizado já tomou conta inclusive de órgãos públicos, como admitiu o novo ministro de Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, ao tomar posse no dia 1/2, em Brasília. “Já há notícias de que a desfaçatez do crime organizado, em moldes empresariais, como ocorre em outras nações, começa a se infiltrar em órgãos públicos e a forjar empresas de fachada para se banquetear com recursos públicos”, afirmou Lewandowski em sua concorrida posse.

O ministro, no entanto, foi honesto. “Não há soluções fáceis” para resolver o problema da insegurança, que não acontece só em São Paulo. A situação é muito pior em estados como o Rio de Janeiro, Bahia e no Norte do País, onde os criminosos invadem terras indígenas e exploram ouro e madeira ilegal, deixando rastros de destruição e mortes.

O Brasil registrou, em 2021, 45.502 homicídios, de acordo com a ONU, o que equivale a 25,67 assassinatos por 100 mil habitantes, praticamente o mesmo volume da Colômbia (25,67) e muito acima das mortes da média mundial (5,8 homicídios por 100 mil).

Entenda como Lewandowski quer enfrentar o bilionário negócio do crime organizado
Flávio Dino passa o cargo para Lewandowski: promessa de continuidade de trabalho no Ministério (Crédito:Sergio Dutti)

O plano Lewandowski de segurança
Em um País que está batendo recordes de violência, com mais de 45 mil homicídios por ano, o novo ministro da Justiça traça estratégias para atenuar o quadro de insegurança que toma conta das cidades, dominadas por milicianos e pelo crime organizado a partir das cadeias. Ele é pressionado a endurecer as leis contra os bandidos, mas prefere uma aliança nacional com estados e municípios para reduzir a criminalidade

O novo ministro, assim como Lula, têm consciência de que a segurança é o problema número um a ser resolvido pelo ministério. A situação é tão crítica que ainda durante a transição o presidente chegou a pensar em desmembrar a Segurança Pública da Justiça para implementar medidas de combate ao crime organizado, mas achou melhor desenvolver ações em conjunto com os governos estaduais e municipais para minimizar a violência.

O governo chegou a anunciar medidas de desintrusão nas reversas indígenas, mas não obteve resultados positivos. Lançou mão de uma GLO (Garantia da Lei e da Ordem) nos portos e aeroportos do Rio e em São Paulo, dominados pela milícia e quadrilhas poderosas, e também não foi bem-sucedido, além de apreender alguns quilos de drogas e poucas armas que iriam abastecer os criminosos em todo o País.

“Para enfrentar o crime organizado, é preciso aprofundar alianças com estados e municípios”, disse Lewandowski. Seu antecessor no cargo, Flávio Dino, que assume do STF no próximo dia 22, propôs que seja criado um Sistema Único de Segurança Pública (Susp), para funcionar como uma espécie de SUS espraiado para todo o País, ideia que o atual ministro também gosta.

“O combate à criminalidade e à violência, para ter êxito, precisa ir além de uma permanente e enérgica repressão policial, demandando a execução de políticas públicas que permitam superar esse verdadeiro apartheid social, que continua agregando boa parte da população brasileira”, emendou o novo ministro.

• O criminalista Alberto Toron também não vê um quadro de fácil solução. “Ninguém vai resolver a crise provocada pelo crime organizado, mas Lewandowski pode melhorar. Segurança no Brasil é como a guerra entre o Hamas e Israel. Difícil de resolver.”

• Já o presidente da Federação dos Bancos (Febraban), Isaac Sidney, entende que o novo ministro terá credibilidade para enfrentar os desafios que a função trará. “O País ganha a estatura institucional de quem, por si só, é o fiador dos mais profundos e nobres valores democráticos que uma nação precisa.”

A aliança com o STF

Esse quadro caótico da segurança pública no Brasil não é desconhecido por Lewandowski, que, afinal, já foi ministro do STF por 17 anos e presidiu a Corte durante dois anos, período no qual comandou também o Conselho Nacional de Justiça, responsável pela formulação de políticas para o sistema carcerário, que conta com mais de 800 mil presos vivendo em precárias condições.

Por isso mesmo, o novo ministro já deu um recado aos parlamentares da bancada da bala (a maioria bolsonaristas) que desejam que ele endureça o tratamento dispensado aos presos, como o fim das chamadas “saidinhas”, impedindo que eles possam se ressocializar.

Ele defende a progressão de penas para os detentos e esse, inclusive, é um direito do Código Penal que Lewandowski não pensa em mexer. “Não basta, como querem alguns, exacerbar as penas ou promover o encarceramento em massa de delinquentes”, disse o novo ministro.

Essa também é a opinião de seu novo secretário Nacional de Segurança Pública, o procurador Mário Sarrubbo, que deve assumir o posto nos próximos dias, após se desincompatibilizar da chefia do Ministério Público de São Paulo: “Tratar segurança com firmeza não significa violar direitos”.

A escolha de Sarrubbo, inclusive, foi muito aplaudida por juristas, como Celso Vilardi, criminalista e professor da FGV-SP: “Lewandowski fez escolhas importantes para sua equipe, como o procurador Mário Sarrubbo para a Secretaria de Segurança Pública, que é um dos maiores problemas do Brasil e o ministro saberá como enfrentá-lo.”

Para Sarrubbo, o crime organizado precisa ser tratado com inteligência e “seguir o dinheiro”, com o uso de organizações governamentais como o Coaf e Receita Federal.

“A organização criminosa é como uma empresa, busca o lucro. Esse lucro precisa ser em algum momento lavado. Então é aí que está o grande foco. Se a gente conseguir achar o dinheiro, você desestrutura essas organizações”, mostrou o novo secretário Nacional de Segurança Pública, concluindo: “É preciso asfixiar o crime organizado, tirando-lhe o dinheiro”.

Antes mesmo de assumir, Sarrubbo propôs a criação de um Gaeco nacional, contando com as forças dos estados integradas ao organismos federais, já que a lavagem de dinheiro depende do sistema financeiro nacional. Mas alguns secretários de Segurança nos estados criticaram a proposta, alegando que o órgão ameaçaria as prerrogativas policiais nos estados.

O mais importante é que a equipe do novo ministro está disposta a dialogar com governadores, Congresso e sociedade para discutir as melhores formas de combater a criminalidade.

“A segurança é um de seus principais desafios, mas Lewandowski tem todas as condições para fazer uma gestão histórica: ele tem credibilidade, competência, espírito público e sensibilidade social”, diz Marco Aurélio de Carvalho, advogado do grupo Prerrogativas.

• O criminalista Pierpaolo Bottini, pensa muito parecido. “A experiência do ministro no Poder Judiciário, a boa articulação dele com o Congresso e com a sociedade civil são indispensáveis para a construção de diálogos e pactos que permitam o enfrentamento de temas sensíveis, como a segurança pública.”

Entenda como Lewandowski quer enfrentar o bilionário negócio do crime organizado
(Divulgação)

Mazelas históricas

Lewandowski reconhece que em função das críticas que a população dispensa ao setor da segurança pública, quase que no mesmo nível das preocupações com a saúde, irão merecer maior atenção do Ministério da Justiça, mas ele lembra que o problema é muito antigo e não será resolvido do dia para a noite. “É nossa obrigação, e o povo brasileiro assim o espera, que o Ministério da Justiça dedique especial atenção à segurança pública, mas é preciso entender, todavia, que a violência e criminalidade não são problemas novos, são mazelas que atravessam séculos de nossa história”, lembrou Lewandowski.

Os desafios são grandes e a nova gestão ainda não delineou os projetos que pretende priorizar para debelar a crise de insegurança que toma conta dos brasileiros, desde o pequeno empresário da Santa Efigênia até o portador de um celular que tem o aparelho arrancado com violência de suas mãos para ser usado por bandidos para saques ou transferências de PIX, mas a atual gestão já deu sinais que pretende adotar alguns projetos que estão em debate pelos especialistas em segurança.

Um deles é o uso das câmeras digitais nos uniformes dos policiais, para conter, sobretudo, a letalidade policial. Os policiais brasileiros mataram 17 pessoas por dia ao longo do ano de 2022, segundo o Anuário de Segurança Pública, e Sarrubbo acha que as câmeras nos uniformes podem reduzir não só a letalidade dos policiais, mas também reduzir a mortalidade dos próprios agentes da lei.

Sarrubbo entende também que o País não precisa de mais leis ou apenas mais ações policiais nas ruas. Para ele, é preciso que as autoridades entendam que não existe uma bala de prata para resolver o problema. Afinal, a criminalidade cresce onde não há a presença do Estado. “É preciso que a gente olhe também para a desigualdade social”, disse o procurador.

Entenda como Lewandowski quer enfrentar o bilionário negócio do crime organizado
As milícias e as facções criminosas organizadas dentro das cadeias deixam a população refém de marginais que matam mais de 45 mil brasileiros indefesos nas ruas (Crédito:Carl de Souza)

Um jurista na Segurança

Filho de pai polonês e de mãe suíça que imigraram para o Brasil depois da Segunda Guerra Mundial, Ricardo Lewandowski é uma pessoa sisuda. Raramente é visto sorrindo. Aos 75 anos, porém, é um homem dedicado à Justiça e seu nome é visto com entusiasmo pelos especialistas no combate à violência como alguém que pode resolver a crise de intranqüilidade que domina o País.

Nomeado por Lula, assumiu o Ministério da Justiça e Segurança Pública no último dia 1/2, com a missão de derrotar as facções que espalham o crime a partir das cadeias, sobretudo de São Paulo, e as milícias incrustadas nas maiores cidades brasileiras, como o Rio de Janeiro.

Aos 75 anos, exerceu a advocacia de 1974 a 1990 e chegou a ocupar o cargo de Secretário de Governo e de Assuntos Jurídicos de São Bernardo do Campo, no ABC paulista, onde conheceu Lula, que também se desenvolveu como sindicalista na cidade nesse mesmo período. Ele e sua mulher Iara, ficaram amigos íntimos do casal Lula e Marisa. Além de Direito, ele estudou também Ciências Políticas e Sociais na USP.

De 2003 a 2023, foi professor de Direito do Estado na USP. Lá, deu aulas para grandes juristas da atualidade, como Alexandre Moraes, ministro do STF.

Os dois são grandes amigos.

A vida deu volta e Lula e Lewandowski se encontraram mais tarde. Em março de 2006, o presidente Lula o nomeou para o Supremo Tribunal Federal, onde permaneceu por 17 anos. Como ministro, absolveu vários petistas acusados no mensalão, como José Dirceu.

De 2014 a 2016, foi o presidente da Corte. Nessa condição, foi presidente do Senado no processo de impeachment de Dilma Rousseff e mais uma vez ajudou os petistas. Impediu que a então presidente não perdesse os direitos políticos.

Acabou se aposentando do STF em abril de 2023, passando imediatamente à advocacia privada. Foi incorporado ao time de advogados da JBS que briga na Justiça por uma ação bilionária pelo controle da Eldorado Celulose. Lula, no entanto, impediu que ele permanecesse longe do setor público. Agora, Lewandowski tem a missão de resolver a crítica situação da segurança pública brasileira.

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(Divulgação)