RESUMO

• Presidente da Câmara vive novo atrito com o Palácio do Planalto
• A causa seria uma suposta interferência do governo em votação sobre prisão de deputado
• Também na conta está a demissão de um primo do comando do Incra em Alagoas
• Lira ameaça com retaliações
• Pano de fundo é a sobrevivência política do alagoano, que vai deixar a presidência da Câmara
• Governo Lula tenta conter os danos, mas políticos suspeitam que pode ser tarde demais 

 

A reação do presidente da Câmara a uma série de movimentos do governo federal contra ele e seu grupo político segue o roteiro clássico de alguém que anseia por vingança. Sentindo-se traído e desprestigiado pelo corte de emendas parlamentares e demissão de parentes, entre outras coisas, Arthur Lira não teve pudor em mandar recados ao presidente Lula: o governo terá problemas no Congresso na discussão de projetos e vetos presidenciais.

Os principais ministros sentiram o golpe e viram piscar a luz de alerta sobre uma nova crise entre o Executivo e Legislativo, mas ainda não sabem ao certo como conter a ira de Lira. “Há um consenso de que ele está agindo por vingança e que quer mostrar que tem poder e influência. Isso beira a chantagem”, comentou um parlamentar da base aliada do governo que pediu anonimato.

Entenda a ira de Arthur Lira contra o Planalto e seu “pacote de maldades”
(Divulgação)

A nova fase de atritos com o Palácio do Planalto faz parte de um jogo de xadrez que tem como pano de fundo a sobrevivência política de Arthur Lira no Congresso. Ao mesmo tempo em que pressiona Lula e o governo em busca de espaço, prestígio e mais benefícios, o presidente da Câmara é muito pressionado por um Centrão cada vez mais ávido por cargos e verbas públicas. E as cobranças sobre ele são muitas, principalmente da oposição, em um ano que precede a eleição da nova mesa diretora da Casa. Lira tem como prioridade fazer o seu sucessor.

A origem do atual desgaste está na prisão do deputado Chiquinho Brazão (sem partido-RJ) pela Polícia Federal sob acusação de ser um dos mandantes do assassinato da vereadora Marielle Franco, em 2018.

Instigado pelo Centrão, Lira reclamou da orientação das lideranças petistas para que a Câmara votasse a favor da manutenção da prisão do deputado, considerando uma “interferência indevida” no Legislativo.

Queixou-se também de um suposto vazamento, atribuído ao Palácio do Planalto, de que teria atuado em favor da soltura de Brazão, o que lhe teria causado desgaste junto à opinião pública.

Por conta disso, em um evento em Curitiba, chamou o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, responsável pela articulação política do governo, de “incompetente” e “desafeto pessoal”. Embora esperasse que Lula afastaria Padilha do ministério, aconteceu o inverso.

O presidente afirmou que “só por teimosia, Padilha ficaria por muito tempo ainda no governo”. A coisa piorou quando Lira soube pelo Diário Oficial que o superintendente do Instituto Nacional de Reforma Agrária (Incra), em Alagoas, Wilson César de Lira Santos, seu primo, foi demitido.

Pautas-bomba

Sem perder tempo, o presidente da Câmara começou a articular um “pacote de maldades” contra o governo.
Avisou que deve autorizar a abertura de cinco CPIs (Comissões Parlamentares de Inquérito) simultâneas, todas com potencial de desgaste, como o “abuso de autoridade do Judiciário” e “avanço da epidemia de crack nas cidades”.
Também articula a derrubada de vetos presidenciais, como o que impede a concessão de R$ 5,6 bilhões em emendas parlamentares e os trechos do projeto que restringe as saídas temporárias de presos de presídios, conhecidas por “saidinhas”.
Pretende também dar andamento às discussões sobre propostas que limitam a atuação do Judiciário da Polícia Federal no Legislativo e sobre os parlamentares e (“PEC da Blindagem”), que tem a oposição do governo, e pautar discussões sobre a regulamentação das redes socais, mas sob o ponto de vista da oposição.
Outro projeto que pretende colocar na pauta prevê mais rigor nas punições a invasões de terra promovidas por movimentos sociais, como o MST, algo sensível para o Palácio do Planalto.

Entenda a ira de Arthur Lira contra o Planalto e seu “pacote de maldades”
Mesmo irritado com as críticas de Lira, Lula aceita conversar para aparar as arestas (Crédito:Ettore Chiereguini)

O governo Lula começou a agir para tentar conter os danos, mas pode ter sido tarde demais, na avaliação de alguns agentes políticos.

Rui Costa, o ministro-chefe da Casa Civil, está em contato direto com Lira para arrefecer a ira do parlamentar. Recebeu a incumbência de dizer que Lula estaria disposto a recebê-lo para resolver as pendências.

Paulo Teixeira, o ministro do Desenvolvimento Agrário, disse que Lira sabia com antecedência da troca no Incra de Alagoas – ocorrida por pressão do MST – e abriu a possibilidade para que o presidente da Câmara indique o sucessor.

Como o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, está no exterior, há um desfalque no time para defender os vetos presidenciais que envolvem questões orçamentárias – justamente aquelas que estão na mira de Arthur Lira.

Por enquanto, a reação do Palácio do Planalto parece ser insuficiente para aplacar a ira de Lira, além de não garantir que o presidente da Câmara volte à carga no futuro.