Uma onda de violência explodiu no Equador e o presidente do país, Daniel Noboa, declarou na segunda-feira, 8, um estado de exceção de 60 dias em que o exército saiu às ruas para auxiliar nos patrulhamentos da polícia e um toque de recolher que vai das 23h às 5h foi instituído. A medida foi tomada após organizações criminosas do país realizarem uma série de ataques e sequestros que teriam culminado em dez mortes, até o momento.

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Os acontecimentos dos últimos dias denotam um confronto entre as autoridades e as organizações criminosas envolvidas com o tráfico de drogas no país. As forças de segurança informaram que ao menos quatro policiais foram sequestrados durante a terça-feira, 9, e ocorreram explosões em diversas cidades do Equador, além de um telejornal ter sido invadido por homens armados durante um programa ao vivo, em Guayaquil.

Acredita-se que o estopim para a onda de violência tenha sido a fuga de Adolfo Macías, conhecido como “Fito”, da prisão onde estava encarcerado. O indivíduo é líder de uma das maiores facções do Equador, intitulada de Los Choneros, uma gangue que possui ligação com o cartel de Sinaloa, organização criminosa mexicana. O homem seria transferido para uma penitenciária de segurança máxima.

Causas do conflito interno

Os ataques são uma resposta à postura de Daniel Noboa, o presidente mais jovem da história do Equador, com 36 anos, que governa o país desde novembro do ano passado e tem como um dos objetivos conter a violência no Equador. Entre 2018 e 2023, os homicídios quadruplicaram, e o número de assassinatos atingiu um recorde chegando em 46 a cada 100 mil habitantes, de acordo com o jornal El Universo.

O cientista político do Insper Leandro Consentino traça um paralelo entre os eventos que ocorreram nesta semana no Equador com o que aconteceu no estado de São Paulo em 2006, quando o PCC (Primeiro Comando da Capital) sequestrou e matou agentes de segurança, além de colocar fogo em ônibus. A motivação, à época, teria sido uma reação da organização criminosa após o governo mostrar a intenção de transferir os líderes da facção para outras penitenciárias.

O especialista relembra, como mais um sinal da violência que só cresceu no Equador ao longo dos últimos seis anos, o assassinato do candidato a presidência do país, Fernando Villavicencio, morto com três tiros na cabeça durante o dia 8 de agosto de 2023, logo após sair de um comício na cidade de Quito, em meio às eleições. Na ocasião, a facção criminosa “Los Lobos” assumiu a autoria do crime.

Entretanto, as causas para a escalada de um conflito interno no país não estão apenas no governo de Daniel Noboa, como explica o professor de relações internacionais da UFABC, Gilberto Maringoni. “O Equador tem fronteiras com dois países, Colômbia e Peru, ambos os maiores produtores de cocaína do mundo. Apesar de não ser originalmente um local de passagem e refino de drogas, o território passa a ser após um desmonte das FARC [Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia].”

Os remanescentes da facção colombiana teriam visto no Equador uma oportunidade, já que a economia dolarizada do país favorece a lavagem de dinheiro. Ainda segundo o especialista, a privatização da segurança pública do Equador, que ocorreu durante o governo de Rafael Correa (2007 a 2017), além da adoção de uma política rasa de guerra às drogas, a corrupção e a chegada de cartéis mexicanos no país favoreceram o aumento do crime organizado nos últimos anos, chegando a 22 quadrilhas.

Política Instável

Gilberto Maringoni explica que a política do Equador também passa por uma instabilidade, já que o então presidente Guillermo Lasso dissolveu o parlamento e convocou novas eleições em 2023 para evitar um impeachment. “O Daniel Noboa, eleito no final do ano passado, tem um mandato de 17 meses, apenas para cumprir o do chefe de estado anterior”, o especialista complementa que o político sente a necessidade de mostrar serviço para tentar ser reeleito.

Leandro Consentino explica que os eventos observados no Equador expressam um país que vem falhando como estado, já que o governo não possui capacidade de ao menos garantir a segurança de seus habitantes. “É uma demonstração clara de que a forma como combatemos a questão do narcotráfico talvez já seja um modo ultrapassado”, conclui o cientista político.

Economia do Equador

O governo do Equador pretendia efetuar um corte de gastos em uma tentativa de atrair investimento para o país, que enfrenta uma crise econômica desde a pandemia, que deixou 167 mil mortes e fez com que ruas de cidades grandes como Guayaquil ficassem cheias de corpos após um colapso sofrido pelo sistema funerário do território.

Além de uma tragédia sanitária, Gilberto Maringoni esclarece que a economia já vinha desacelerando desde quando houve quedas no preço do petróleo, produto mais exportado pelo Equador, que vive do comércio internacional de commodities como combustíveis fósseis e bananas. É estimado que ao menos 25% da população equatoriana viva abaixo da linha da pobreza, de acordo com o Banco Mundial.

“Todo capital deseja se instalar em um lugar estável, o que não estamos vendo no Equador. O momento de controle de gastos e de tentar colocar a casa em ordem talvez tenha que ser adiado devido à onda de violência”, explica Leandro Consentino, complementando que qualquer empresário que tivesse a intenção de investir no país não o faria neste momento, o que pode agravar a situação financeira do território.

Reação Internacional

O Itamaraty destacou que acompanha “com preocupação” a situação que afeta o Equador, e que segue atento em relação à situação dos cidadãos brasileiros que vivem no país. Um deles, Thiago Allan Freitas, foi libertado pela polícia local após ser sequestrado por criminosos que pediram um valor equivalente a R$ 14 mil para soltura do refém. Nesta quarta-feira, 10, o presidente Lula (PT) se reuniu com Mauro Vieira para discutir o tema.

Durante a terça-feira, 9, o Peru anunciou um aumento na força policial que faz o controle das fronteiras com o Equador, em uma tentativa de reforçar a segurança do país após a escalada dos conflitos internos que ocorrem no território vizinho.

**Estagiário sob supervisão