A mentira existe desde o começo da civilização. O uso político da maledicência também não é novidade dos nossos tempos. Na Roma Antiga, por volta de 33 a.C., Otaviano empreendeu uma campanha difamatória contra Marco Antônio, colocando sua lealdade à Roma em dúvida por causa do amor dele por Cleópatra. O casal, por sua vez, contra-atacou questionando as origens de Otaviano — ele era parente de Júlio César apenas por parte de mãe. Até moedas foram cunhadas por ambos com imagens que os favoreciam nesse esforço de propaganda.

O que mudou nos últimos anos, depois da explosão das redes sociais, foi a escala e o meio de difusão de mentiras, que passaram a ser chamadas de fake news (notícias falsas) e desinformação. Usados popularmente como sinônimos, os dois termos têm diferenças conceituais de acordo com os estudiosos do assunto e as instituições que os utilizam.

Segundo Eugênio Bucci, professor titular da Escola de Comunicações e Artes da USP, “fake news é a falsificação da forma notícia. Parece ser uma notícia jornalística, mas não é”. Ele explicou o conceito em evento da Procuradoria Regional Eleitoral de São Paulo no ano passado, do qual também participou o presidente do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE-SP), desembargador Paulo Galizia.

O professor argumenta que não se deve usar a expressão como sinônimo de mentira. “Fake news são um tipo historicamente datado de mentira. São uma criação do século XXI, que frauda a forma notícia a partir das plataformas sociais e das tecnologias digitais que favorecem a difusão massiva de enunciados”, explica. “As fake news não existem desde sempre.”

Já a desinformação, de acordo com o professor, trata-se de um ambiente comunicacional hostil à informação. “A desinformação é o efeito geral da disseminação de fake news e de outros recursos para enganar ou manipular pessoas ou públicos com fins inescrupulosos”, afirma. “Na era da desinformação, a capacidade social de distinguir fato e opinião se desfaz.”

Contradição

Para muitos pesquisadores, a expressão “fake news” é contraditória, pois as notícias por definição são verdadeiras, não sendo possível caracterizar algo falso como notícia. Além disso, muitas vezes a notícia não é propriamente falsa, mas sim descontextualizada. E determinados conteúdos mentirosos não são sequer notícias de fato, mas sim memes ou mensagens compartilhadas por WhatsApp ou Telegram, por exemplo.

Já “desinformação” tem um sentido mais amplo, que abarca as diferentes formas de difusão de informações mentirosas pela internet. Em inglês, há três palavras para o fenômeno: disinformation, para informações falsas criadas com a intenção de causar dano; misinformation, para informações erradas divulgadas sem o objetivo de causar dano; e malinformation, para informações corretas, mas divulgadas de forma descontextualizada com o propósito de causar dano.

Conceito guarda-chuva

No Plano Estratégico das Eleições 2022, elaborado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) dentro do Programa Permanente de Enfrentamento à Desinformação, o termo é adotado como um “conceito guarda-chuva, que sintetiza os diferentes conteúdos relacionados aos contextos de desordem informacional e manipulação informacional”.

No âmbito do programa, é considerado “potencial desinformação” qualquer conteúdo “falso, equivocado, enganoso, impreciso, manipulado, fabricado, fraudulento, ilícito ou odioso”, além das informações fora de contexto, independentemente do formato, do canal de veiculação ou da intenção do agente.

Já em relação às fake news, a secretária de Comunicação do TRE-SP, Eliana Passarelli, afirma que há muitas definições para o termo, mas algumas características são centrais. “Fake news é uma das formas de desinformação. Uma das suas características principais é que elas são divulgadas pela internet, usando o potencial de disseminação das redes sociais e dos programas de mensagens como o WhatsApp e o Telegram para alcançar um público amplo”, afirma.

De acordo com a secretária, também é muito comum que os criadores de fake news utilizem os algoritmos das redes sociais para ampliar a repercussão. “As mensagens falsas são direcionadas a públicos com mais probabilidade de acreditar nelas. Dessa forma, as pessoas são expostas a ideias em que já acreditam, e as fake news acabam por reforçar e radicalizar o pensamento de determinado grupo.”

O fato é que, sejam chamados de fake news ou de desinformação, os conteúdos mentirosos têm 70% mais chance de serem compartilhados do que os verdadeiros, segundo estudo feito por pesquisadores do Massachusetts Institute of Technology (MIT) em 2018. Ou seja, os desmentidos não têm o mesmo alcance do que a mentira propagada pela internet. Por isso, é importante saber identificar o que é notícia de fato e não compartilhar mensagens falsas.

Como identificar

Na era da desinformação, com difusão em larga escala de fake news, pode ser difícil separar a verdade da mentira e, como definiu São Tomás de Aquino, adequar “o pensamento à coisa real”. Veja abaixo algumas dicas para identificar o que é notícia de fato e o que pode ser um conteúdo falso ou enganoso:

  • Títulos chamativos ou bombásticos

As chamadas fortes, que apelam à emoção, são uma das principais características das fake news. O objetivo é estimular o compartilhamento da mensagem com o máximo de pessoas. Muitas vezes, o título é enganoso e não corresponde ao restante do texto. Nunca leia só o título e confira se o fato foi noticiado em outros veículos. Muitos memes com informações falsas também costumam ter títulos bombásticos com letras grandes.

  • Erros ortográficos ou gramaticais

Se o texto está cheio de erros ou mesmo se tiver apenas um erro grosseiro, desconfie. Veículos profissionais têm equipes que revisam o texto e as informações antes de publicar; nesse momento, normalmente eventuais erros são eliminados.

  • Textos opinativos como se fossem notícia

Em jornalismo profissional, artigos opinativos são assinados por seus autores, cuja opinião não se confunde com a do veículo. A opinião do veículo é expressa em editoriais identificados como tal. Textos noticiosos devem ser neutros. Se a suposta notícia traz opiniões disfarçadas no meio do texto, não é isenta — vá atrás de outras fontes sobre o assunto. Atenção: uma coisa é apresentar a opinião de entrevistados na reportagem, outra é embutir a opinião no meio do texto para tentar manipular quem lê.

  • Sites ou canais desconhecidos

Não necessariamente uma notícia publicada por um site ou canal desconhecido é mentira, mas convém checar se outros veículos mais conhecidos também publicaram. Se o fato for relevante e verdadeiro, a grande imprensa com certeza irá noticiar. Do contrário, isso iria ferir a credibilidade dos veículos, que é o seu maior ativo. Nenhum jornal, TV, rádio ou site profissional quer tomar um “furo”, ou seja, não noticiar algo real e importante que foi publicado pelos concorrentes. Muito menos cometer uma “barriga”, ou seja, divulgar uma informação equivocada.

  • Notícia verdadeira, mas antiga

Muitas vezes, há divulgação de notícias verdadeiras, mas descontextualizadas, divulgadas como se tivessem ocorrido recentemente, o que pode provocar desinformação. Sempre veja a data de publicação. Se a suposta notícia não tiver data, faça uma busca na internet para saber quando o fato ocorreu (e se realmente ocorreu).

  • URL falsificada

Preste muita atenção na URL, o endereço em que a notícia está de fato publicada. É comum os criadores de fake news divulgarem um link que aparentemente remete a um veículo tradicional, mas que na verdade direciona a um site onde o conteúdo falso está publicado. No computador, basta pousar o mouse em cima do link, antes de clicar, que a URL real aparece em miniatura no pé da página. No celular, pressione o dedo em cima do link e segure por alguns segundos até visualizar a URL na tela do aparelho.

  • Consulte agências de checagem

Os conteúdos mentirosos que viralizam costumam ser desmentidos por agências de checagem de notícias. Se recebeu algo que despertou dúvida, consulte essas agências para ver se há algum desmentido sobre o assunto. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tem a página Fato ou Boato, que integra o Programa de Enfrentamento à Desinformação. Outras agências de checagem são parceiras do programa (clique em “Instituições”). O Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE-SP) também tem uma página com desmentidos relacionados ao estado.

Com informações do TRE-SP