Fernando Haddad brigou para ganhar a posição de ministro da Fazenda no final do ano passado, mas já deve estar começando a reconsiderar se de fato saiu vencedor da disputa contra a ala radical do petismo. Ele está sendo atacado pela velha guarda do partido desde janeiro e essa turma até se armou para a guerra em um bunker, o BNDES. É lá que Aloizio Mercadante funciona como um regra três do titular da Fazenda, atuando em dobradinha com Gleisi Hoffmann, a presidente da legenda.
O banco de fomento no Rio até está servindo de palco para um seminário que, no plano inicial, serviria para preparar um projeto de ancoragem fiscal em contraposição ao que Haddad apresentou a Lula na última semana. O ministro quer conter os gastos públicos e zerar o déficit em 2024, mandando uma mensagem forte de que o governo está comprometido com a responsabilidade fiscal e vai impedir a explosão da dívida. É o que investidores, o mercado financeiro, empresários, economistas experimentados e especialistas esperam.
A equipe de Haddad deveria apresentar a nova regra fiscal até 31 de agosto, seguindo a PEC da Transição. Para criar uma âncora para sua própria gestão, além da âncora cambial, Haddad antecipou seu projeto para este mês. Queria driblar o projeto alternativo dos sonhos da velha esquerda, algo como uma “nova matriz econômica” rediviva. É o que parece ser cozinhado no Rio. O seminário “Estratégias de Desenvolvimento Sustentável para o Século XXI’, no BNDES, virou uma pajelança heterodoxa de analistas escolhidos a dedo para dinamitar as práticas econômicas em vigor em todos os países desenvolvidos. Haddad queixou-se da pajelança com Lula, o que levou Mercadante a ajustar o foco do encontro para mirar o Banco Central. Também convidou Haddad para encerrar os debates (sua participação ainda era incerta nesta terça), dizendo que manterá sua “lealdade” ao colega, mas que “o banco não vai deixar de dizer o que pensa”.
Todos, governistas e acadêmicos, passaram a atacar o BC de Roberto Campos Neto nos debates. O Nobel Joseph Stiglitz disse que os juros no Brasil são “chocantes”. André Lara Resende, que a turma heterodoxa sonhava em colocar no lugar de Campos Neto, também participou. Ele defende a tese espantosa de que o déficit do País é pequeno e que juros altos não seguram a inflação. Isso é música para o grupo que está abrigado no banco, como Nelson Barbosa. Lula também simpatiza com o duplipensamento populista. Declarou ontem que os “livros de economia estão superados” e que o governo não pode conter gastos em Saúde.
Certamente Haddad e 9 entre 10 economistas vão concordar com a prioridade social. Mas o que a equipe do BNDES quer é abrir a porteira para subsídios a empresas, para a impressão descontrolada de dinheiro, leniência com a inflação e para mais uma tentativa fracassa de gerar crescimento artificial com investimento público, o que já fracassou diversas vezes desde a ditadura, inclusive na era petista que culminou com a recessão do governo Dilma. Para o seminário carioca também foi convidado o economista Jeffrey Sachs, da Universidade Columbia, que por videoconferência também fez coro contra os “juros altos”. A crítica é válida, mas não se deve esquecer que ele é um dos pais da dolarização na economia argentina nos anos 1990, experiência desastrosa que explica em parte a dívida impagável portenha e a fragilidade do peso. A inflação no país vizinho acaba de ultrapassar 100% ao ano. Sachs propunha a mesma fórmula mágica para o Brasil, que felizmente foi ignorada pela equipe “ortodoxa” do Plano Real.
Ainda é difícil saber quem vencerá essa guerra intestina no governo: os “técnicos” ou a “ala política”. Lula parece estimular os dois lados, esperando se beneficiar da ala vencedora. Adiou a apresentação do novo arcabouço fiscal para abril. Enquanto isso, os juros e inflação continuam pressionados com a insegurança gerada pelo próprio governo. Roberto Campos Neto virou o bode expiatório ideal para justificar um crescimento que não virá em 2023. No mundo real, ao mesmo tempo em que segue a fanfarra populista, os investidores apenas adiam seus planos ou os direcionam para outros países, à espera de tempos melhores. GM, Hyundai, Fiat e Mercedes já anunciaram férias coletivas em pleno período de lua de mel da nova gestão. A “reindustrialização” precisará esperar uma nova oportunidade.