A pós anos de hesitações e temores, 22 dos principais líderes da facção Primeiro Comando da Capital (PCC) foram transferidos para presídios federais, onde ficarão sob vigilância estrita e privados do controle de suas operações. Foi uma iniciativa histórica contra a maior, mais poderosa e violenta organização criminosa do País. A operação é o ponto culminante de investigações que, desde março de 2017, envolveram o Ministério Público (MP), a Polícia Civil e a Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) paulistas. O temor de uma reprise da onda de atentados ocorrida entre 12 e 21 de maio de 2006, que conflagrou 74 prisões e matou 564 pessoas – a maioria executadas –, fez a Polícia Militar colocar grande parte de seu contingente em prontidão na capital e no interior. Além disso, após a alta hospitalar do presidente Jair Bolsonaro, as Forças Armadas foram autorizadas por ele a agir para garantir a segurança em um raio de até dez quilômetros dos presídios federais de Mossoró (RN), Porto Velho (RO) e Brasília (DF). O decreto presidencial vale até 27 de fevereiro. Desde quarta-feira 13, esses são os novos endereços dos líderes da facção, que antes estavam na Penitenciária 2 (P2) de Presidente Venceslau, no oeste do estado de São Paulo.

SEM MEDO O governador João Doria: forças do estado a postos contra retaliações (Crédito:Edilson Dantas / Agencia O Globo)

Tudo começou com um trabalho de investigação da SAP. Agentes simularam um problema nos esgotos da P2 para instalar telas nas tubulações. Desta maneira, foi possível interceptar papeis rasgados e descartados de mensagens escritas entre os integrantes da quadrilha. A partir dessas informações, em novembro passado as autoridades deflagraram a Operação Echelon, que tentou enfraquecer o “Resumo dos Estados”, setor da quadrilha que coordena as ações fora de São Paulo. Como desdobramento, foi descoberto que o PCC pretendia resgatar líderes presos no interior do estado, deflagrar conflitos para tomar pontos de vendas de drogas de rivais e assassinar autoridades. Entre elas, o ex-secretário estadual de Segurança, Antônio Ferreira Pinto. Havia pouca margem para hesitação. Em 2003, o PCC ordenou o assassinato do juiz-corregedor Antônio José Machado Dias, em Presidente Prudente. Dias era responsável pelos líderes da facção nos presídios da região. Os mandantes seriam o líder supremo, Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, e Júlio César Guedes de Moraes, o Julinho Carambola, agora transferidos em jatinhos da Polícia Federal para prisões mais rígidas.

“Não vamos permitir o domínio de nenhuma facção criminosa nos presídios de São Paulo, seja PCC ou qualquer outra” João Doria, governador de SP

“Essa é a maior operação contra o PCC. Esperamos desarticular a cúpula da facção”, afirmou o promotor Lincoln Gakiya, do Grupo de Atuação Especial e Repressão ao Crime Organizado (Gaeco). Foi dele o pedido de transferência dos líderes. Marcola foi para Porto Velho. A instalação mais distante do centro do País fica em uma área isolada e de mata amazônica densa. Lá as condições são boas, mas a rotina é de austeridade, bem diferente das regalias que o suborno e as ameaças compravam em São Paulo. Nunca houve fuga de uma prisão federal. Marcola foi direto para o isolamento, que deve durar 60 dias. Lá e nas outras quatro prisões de segurança máxima, o regime não é tão ríspido quanto no “carcere duro”, a qual são submetidos criminosos e terroristas na Itália. Mas foi a partir desse sistema que o ministro da Justiça Sergio Moro tirou as normas para o decreto emitido na quarta-feira 13, dificultando a vida dos chefões do PCC. Moro é um estudioso do combate à máfia e seus desdobramentos.

Em conversa com ISTOÉ, o governador João Doria se mostrou entusiasmado. “Ao invés de tratarmos isso como um problema, tratamos como uma solução e numa ação conjunta com o governo federal tomamos a iniciativa que tínhamos que adotar: transferir o comando do PCC para presídios federais. São Paulo está preparado para defender os cidadãos de bem, os órgãos públicos,  com o sistema policial operando para garantir a paz e a ordem”. Segundo Doria, o governo de São Paulo demorou para tomar essa decisão devido “à falta de coragem do governador que me antecedeu, o Márcio França, que preferiu transferir a responsabilidade para o governador eleito, adiando uma tomada de decisão”, completou Doria.

Todavia, há temor. O juiz Paulo Sorci, da 5ª Vara de Execuções Criminais, escreveu na decisão que determinou as transferências que “o enfrentamento do crime organizado é política de Estado”. Ou seja, precisa ser algo estruturado, não dependente dos humores dos governantes. É o que se espera diante de uma organização criminosa criada em 1993 e que hoje reúne mais de 30 mil integrantes dentro e fora das cadeias, segundo estimativa do Ministério Público. Desde que foi preso pela primeira vez aos 18 anos, por bater carteiras no bairro do Cambuci, em São Paulo, Marcola só esteve em liberdade durante 18 meses nos últimos 33 anos. Condenado a 330 anos de prisão, ainda não cumpriu nem 10% de sua pena. Que agora esteja também impossibilitado de comandar o crime dentro da prisão, é o mínimo que a sociedade brasileira pode esperar.

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Colaborou Germano Oliveira

 


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