Mesmo depois das últimas e preocupantes notícias envolvendo o Exame Nacional de Ensino Médio (Enem), a primeira etapa da prova aconteceu neste domingo, 21, com os testes de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, Ciências Humanas e suas Tecnologias e a temida redação.

Entretanto, conforme as primeiras notícias sobre a prova eram veiculadas, os cidadãos que assistiram a mobilização dos servidores do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), e que prezam pela democracia, começaram a soltar a respiração como uma forma de alívio ao notar que todos os discursos do presidente e seus ministros, mais uma vez, não passaram de blefes. A avaliação, felizmente, fugiu dos traços da cara do governo, como o presidente Jair Bolsonaro tanto prometera.

A ex-presidente do Inep, Maria Inês Fini, em entrevista à ISTOÉ, revelou que estava apreensiva em relação ao tema da redação, pois, apesar de vetar 11 questões da prova, o presidente não adicionou nenhuma pergunta nova, o que em tese significa que o banco de itens, onde as questões das provas são escolhidas, não foi modificado desde a antiga gestão dela e de seus antecessores.

No entanto, a prova dissertativa é escolhida com base em notícias e assuntos relacionados ao longo do último ano podendo ter um viés político favorável à Bolsonaro.

E o tema deste ano foi: “invisibilidade e registro civil: garantia de acesso à cidadania no Brasil”, os estudantes precisaram dissertar e colocar em primeiro plano justamente sobre os povos invisíveis que o governo Bolsonaro não faz questão de enxergar.

Os técnicos do Inep souberam como não colocar temas considerados sensíveis ao governo, como meio ambiente ou minorias, mas ao mesmo tempo não fugiram das teses de redação passadas, focando em temas de grande interesse social e relacionado aos direitos humanos.

Em um grupo do Facebook, por exemplo, internautas reclamavam pois não sabiam o que escrever, e nem sabiam onde encontrar esses “grupos de pessoas invisíveis”. É justamente sobre isso que o tema trata. Sobre essas pessoas que não tem importância para a grande parcela da sociedade, que moram nas ruas e não recebem nem um olhar de aprovação dos demais. Sobre os mais 3 milhões de pessoas que não possuem Certidão de Nascimento e com isso não conseguem ter acesso a direitos básicos como a emissão de um RG, CPF, a carteira profissional, o cadastro do SUS, entre outros documentos e, consequentemente, não são considerados cidadãos.

São eles que, enquanto homens engravatados tiram foto em torno de um touro de ouro no centro de São Paulo, em frente ao prédio da Bolsa de Valores, caracterizando um crescimento falso do país, passam carregando latinhas, ou pedaços de papelão suplicando por algo para comer, pois estão com fome.

Outra parte considerada “um problema” ao governo é o caderno de Linguagens. Temas considerados sensíveis ao governo, como questões de gênero, não seriam mais abordados. Porém, não foi o que aconteceu este ano.

O Enem abordou assuntos como indígenas, erotização do corpo feminino, população carcerária, desigualdade de gênero, racismo, escravidão, além de questões que falam sobre a história contemporânea brasileira. O que só comprovou que a “cara do governo” passou longe daquelas folhas.

Haviam perguntas inteligentes, que falavam sobre temas vetados pelo presidente, sem necessariamente citar aqueles que não deveriam ser nomeados. Como por exemplo a questão que trouxe um trecho da música “Admirável Gado Novo”, do cantor Zé Ramalho – lembrando que os seguidores fiéis ao atual presidente são apelidados de gado – e pedia que o aluno interpretasse a canção levando em consideração o contexto político do ano em que ela foi lançada, que é o de 1979.

Naquele ano, o Brasil vivia sob ditadura militar – assunto proibido na prova. Outra pergunta falava sobre a importância de fazer leitura crítica das notícias, porém, não citava as famosas “Fake News” – termo non grata pelo governo Bolsonaro.

Comprovando mais uma vez suas falácias, Bolsonaro enxerga que não só o Enem não tem a cara do governo, como ele também vai perdendo a cara de seus eleitores mais fiéis no decorrer dos dias. Período precioso na política brasileira, as vésperas da eleição presidencial que acontecem no ano que vem.

Que o Enem do próximo governo, e os demais, nunca tenha a cara de nenhum deles, mas sim, sua autonomia e poder para abrir as portas das universidades públicas e federais para milhares de jovens do Brasil.